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terça-feira, 5 de junho de 2018

O muro de Bolsonaro



Não sei se Bolsonaro estudou as ferramentas de convencimento do presidente americano, ou se é por intuição que lhe reproduz os métodos. Com sucesso até aqui 

Só muito raramente escrevo sobre livros que edito. Esta é uma exceção. Impõe-se. O motivo é simples: a obra ajuda a empreitada daqueles que tentam — a sério, sem lhe subestimar a inteligência — compreender Jair Bolsonaro; ou melhor, oferece instrumentos aos que lhe querem decodificar o discurso. Refiro-me a Ganhar de lavada, trabalho em que Scott Adams disseca as técnicas de persuasão por meio das quais Donald Trump não apenas venceu a eleição presidencial americana, mas também reinventou o Partido Republicano, dinamitou o Democrata e minou, como sem precedentes, a credibilidade da imprensa tradicional.

Não se iluda, leitor: Trump ganhou — fez tudo isso — no discurso. Ele identificou os anseios fundamentais do público para o qual poderia falar, aquele que o queria ouvir e que lhe bastaria para vencer, e investiu todas as fichas na percepção de que as pessoas não tomam decisões com base em fatos, e que estão facilmente propensas a ignorar detalhes se atraídas por uma palavra hábil capaz de corresponder a suas prioridades e a seu estado emocional. Mais do que querer as mesmas coisas que o eleitor que cortejava, Trump era tornou-se — as coisas que o eleitor que cortejava queria; e operou essa complexa justaposição de existências exclusivamente graças à sua apreensão da realidade e ao modo como se comportou a partir dessa leitura. [Trump centrou, da mesma forma que qualquer candidato (o que inclui Jair Bolsonaro), no que o eleitor deseja que é na maior parte das vezes o que o eleitor precisa;
seria uma ignorância absurda, da qual só coisas como Dilma e Lula podem ser capazes, se preocupar que o que o eleitor não deseja = não precisa.]
Não sei se Bolsonaro conhece Adams, se estudou as ferramentas de convencimento do presidente americano, ou se é por intuição que lhe reproduz os métodos. Com sucesso até aqui. Todos se lembram do “muro de Trump”, o paredão que, eleito, ergueria para separar os EUA do México. Trata-se da hipérbole exemplar, a âncora a partir da qual o então candidato cravou para si — com ódio de um lado tanto quanto paixão de outro — uma bandeira objetiva capaz de mobilizar milhões de eleitores e transformá-lo em protagonista, em pauteiro-mor, da campanha.  Não há moralidade quando se emprega tal nível de persuasão. Somente eficácia. Quando Trump afirmava, espetacular e radicalmente, que deportaria milhões de imigrantes, inclusive legais, outra coisa não fazia do que se inscrever — na mente das pessoas — como o único que se preocupava com a porosidade das fronteiras nacionais e com a imigração ilegal, e o único que faria algo prático a respeito, daí o muro. Pormenores sobre como implementar o que prometia? Ora, ele se aprofundaria nas formas de execução quando empossado, com o auxílio de especialistas. Impossível não pensar em Paulo Guedes, no caso bolsonarista, como emblema tranquilizador dessa mensagem postergadora.

Bolsonaro joga esse jogo. Mapeou as duas principais sensibilidades do brasileiro médio — o desprezo pelo establishment político (vide o modo como tentou capitalizar a mobilização de caminhoneiros) e a demanda por segurança públicae, sobretudo no caso da segurança, estabeleceu-se como o senhor do assunto, o único que verdadeiramente se sensibiliza com o problema, e o único que o enfrenta com a prioridade exigida pela população. Ele também ergueu seu muro. E aqui falamos de ferramentas de convencimento, pouco importando a violência da proposta, segundo seus detratores, tanto quanto sua realização impraticável, segundo o mundo real. A amarra mental de Bolsonaro — o gatilho de choque por meio do qual se eleva como dono da pauta da segurança — é a ideia, afirmada e reafirmada, de armar a população; o tom dessa pregação se intensificará daqui até outubro. [a população  com  direito à possuir e portar armas com certeza vai reduzir a vantagem dos bandidos - atualmente em 99% os bandidos levam vantagem, exatamente por atacarem cidadãos desarmados (pelo famigerado 'estatuto do desarmamento', ainda vigente, só policiais e bandidos podem portar armas.)
Com Bolsonaro o cidadão de bem também poderá possuir e portar armas estando em condições de reagir - a praxe das autoridades de segurança, nos dias atuais, é aconselhar a não reação, mas, há vários casos de reação em que comprovadamente o bandido morre = o cidadão de bem triunfa - o que torna o jogo menos desigual e deixe o bandido em dúvidas sobre se haverá reação, reduzindo seu ânimo.]
 
Quem já o viu falar sobre segurança pública certamente se espantou com a superficialidade de seus comentários a respeito. Puro método, no entanto. O deputado pode passar horas tratando da questão sem mencionar, nem sequer de passagem, seu cerne, a fragilidade das fronteiras por meio das quais drogas e armas entram no país, e ainda assim convencer multidões de que é o único consistentemente preocupado com a insegurança do brasileiro. Uma arma na mão e uma defesa na cabeça. Aí está. Abordagem genérica com solução micro: eis o discurso de Bolsonaro. Funciona. Comove. Arrebanha. Persuade. É chamamento individual; convite à participação de sujeitos historicamente excluídos; solução compartilhada — não interessa se estúpida. Bolsonaro, a rigor, não fala de outra coisa senão de proteção à propriedade privada. E acerta.

Não adianta, portanto, cobrar-lhe que se aprofunde, que apresente um programa, tampouco supor que o simplismo exagerado de sua fala sobre segurança seja falho. Não é. Não para efeito eleitoral. Bolsonaro não é um parvo no lugar e no momento certos. Há ciência em sua generalidade. Ele é objetivo. Descarta pormenores próprios à política porque estica seu verbo no sentimento, o da moda, que repele tudo quanto derive da política como atividade. Ele foge da minúcia porque constrói seu discurso numa camada narrativa que prescinde da razão para comunicar e seduzir – uma faixa, legítima, que é essencialmente emocional, e para a qual nuance é blá-blá-blá.  Como Trump, Bolsonaro trabalha para se converter numa ideia, num valor. Ao contrário de Trump, porém, não vencerá. Como Trump, contudo, já ganhou.

Carlos Andreazza, editor de livros - O Globo 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

EUA colocam fim à neutralidade da rede

A FCC, agência que regula telecomunicações nos EUA decidiu nesta quinta-feira, 14, acabar com o princípio da neutralidade da rede, que até agora obrigou os provedores a garantirem acesso igualitário dos usuários a todo o conteúdo oferecido pela internet.

A regra impedia provedores de dar prioridade ou de excluir determinados produtos de seus serviços ou de cobrar preços diferenciados de acordo com a velocidade de acesso.

Criticada por empresas de tecnologia e grupos de defesa dos consumidores, a decisão promete mudar de maneira radical a forma como a internet funciona. Os grandes beneficiários da medida são as empresas de telefonia e TV a cabo que oferecem os serviços de conexão online. A neutralidade da internet havia sido garantida em 2015 pela Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), a agência do governo americano que regula o setor. A proposta para rejeitá-la foi apresentada por Ajit Pai, novo dirigente do órgão nomeado pelo presidente Donald Trump, logo após assumir o cargo. O texto foi aprovado com o voto de três dos cinco comissários que são ligados ao Partido Republicano.
O governo sustenta que a regulamentação da internet adotada em 2015 sob o governo Barack Obama reduziu investimentos e inovação, ao restringir a ação de leis de mercado no setor. “Desde então, investimentos em banda larga caíram por dois anos seguidos, na primeira vez em que isso aconteceu fora de uma recessão na era da internet”, diz a proposta. Com a mudança, a internet deixa de ser tratada como um serviço de utilidade pública e passa a ser classificada como um serviço de informação. Sua supervisão deixará de ser feita pela FCC e passará a ser responsabilidade da Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), que focará sua atenção em práticas comerciais desleais.
As duas comissárias ligadas ao Partido Democrata se opuseram à proposta, sob o argumento de que ela elevará custos, reduzirá benefícios e ameaçará o acesso livre a serviços e informação. “Neutralidade da internet é liberdade na internet”, disse a comissária democrata Jessica Rosenworcel. Ela fez paralelo entre o princípio e os serviços fornecidos por empresas telefônicas, que não podem determinar ou restringir o que o usuário fala em suas ligações.
Segundo Rosenworcel, a mudança dará a provedores de banda larga o poder de bloquear sites, censurar conteúdo online e discriminar seus clientes, dando rápido acesso a companhias com as quais têm negócios e relegar outras a uma estrada “esburacada e lenta”. Mignon Clyburn pediu o adiamento da votação e se referiu aos inúmeros comentários enviados por especialistas e consumidores em favor da manutenção da neutralidade da internet. “A luta pela neutralidade da internet não acaba hoje”, afirmou, ressaltando que o assunto chegará ao Judiciário.
Pai, o presidente da FCC, classificou como “um erro” a garantia da neutralidade da internet em 2015. “Não havia nenhum problema para ser resolvido. A internet não estava quebrada em 2015.” Segundo ele, a internet não tem nenhuma semelhança com encanamento ou serviços de esgoto, classificados como serviços de utilidade pública. Em sua opinião, a regra da neutralidade desestimula investimentos necessários para a inovação e aperfeiçoamento da rede. A mudança, disse “não vai acabar com a internet como nós a conhecemos, não vai acabar com liberdade de expressão”. Pai rejeitou o que chamou de “visões apocalípticas” e afirmou que haverá regras de proteção dos consumidores.
A sessão foi interrompida por razões de segurança quando ele proferia seu voto. A sala vou evacuada e policiais com cães varejadores inspecionaram o local. Depois de alguns minutos, a votação foi retomada.
 O Estado de S. Paulo - Cláudia Trevisan

domingo, 19 de novembro de 2017

A hora de Monica Lewinsky



Ex-funcionário do governo Clinton, aponta o dedo para a ferida mais incômoda: ‘Ela merece nosso pedido de desculpas’


A National Portrait Gallery de Washington, que integra o vasto complexo de museus federais da capital americana, tem em seu acervo 55 retratos do 42º presidente, Bill Clinton — todos feitos sob encomenda da instituição, que contrata artistas sem fazer triagem ideológica.  Todo ocupante da Casa Branca gera uma montanha de quadros, esculturas, caricaturas e fotografias, e essas obras se revezam no espaço do museu seguindo uma programação múltipla. Muitas jamais saem do porão e permanecem desconhecidas do público.

Foi o próprio ex-presidente democrata que, em 2006, inaugurou o mais polêmico desses retratos oficiais. A obra que leva a assinatura de Nelson Shanks, um artista da Pensilvânia, gerou um engasgar nos presentes à cerimônia quando o pano que a encobria foi retirado.
O Clinton de corpo inteiro foi retratado no Salão Oval. Tem o paletó aberto, usa gravata vermelha e tem o olhar algo insolente. Mantém uma mão na cintura — a direita, sem aliança no dedo anular. O quadro contém um sombreado disforme, decodificado só dois anos atrás pelo autor da obra: seria uma referência ao famoso vestido azul manchado de sêmen usado pela estagiária Monica Lewinsky, pivô do escândalo sexual e político que quase pôs a pique o mandato do presidente em 1998. Para Shanks, o sombreado também serve de metáfora para a marca indelével do governo Clinton.

O atual debate mundial sobre poder e abuso sexual é engrossado a cada dia por uma enxurrada de mulheres dispostas a zerar segredos e humilhações do passado. É no país hoje presidido por um predador autodeclarado que as narrativas e acusações mais se multiplicam. Vai daí que intocáveis do mundo do entretenimento, da esfera política, da mídia, das grandes corporações, ninguém mais parece poder garantir o silêncio ou a falta de credibilidade das testemunhas de seus atos.

Nem Bill Clinton.  Juanita Broaddrick, hoje dona de uma casa de repouso para idosos no Arkansas, é uma das três mulheres que duas décadas atrás alegaram terem sido abusadas por Clinton. À época, foram tratadas como oportunistas e pistoleiras pelo establishment liberal que governava o país, com Hillary Clinton à frente da campanha para desacreditá-las.

Juanita reemergiu esta semana. Em entrevista para a Fox News, emissora alinhada ao governo Trump, ela acredita ter chegado o momento em que todas as vítimas têm o mesmo peso. “Não importa se você é democrata ou republicana, heterossexual ou gay, se acredita ou não em Deus. Todos temos o direito à credibilidade”, disse ela. [essa Juanita não desiste de aparecer; o que ela quer narrando algo que talvez nem tenha acontecido? ou se aconteceu ela já esqueceu os detalhes.
Essas 'vítimas' de abusadores famosos, na época tudo fizeram para ser abusadas e diante do insucesso em suas vidas públicas, agora tentam no ocaso da vida divulgar relatos sem nenhuma credibilidade.
O certo é quando for assediada por um famoso. divulgar de imediato; não vale ficar vendo se o assédio vai lhe render alguma fama, ou grana, e quando constata o fracasso, deixa esfriar para depois divulgar.]
 
Um artigo de Peter Baker no “New York Times” cita um notável elenco de liberais ensaiando um mea-culpa. “Acho que erramos ao defender Clinton, ele deveria ter renunciado”, pensa hoje Matthew Yglesias. “O Partido Democrata precisa fazer uma análise profunda da proteção que deu a Bill Clinton”, recomenda a democrata de carteirinha Caitlin Flanagan, inimiga declarada do feminismo automático e ela mesma vítima de abuso sexual. 
David Rothkopf, ex-funcionário do governo Clinton, aponta o dedo para a ferida mais incômoda: “Monica Lewinsky merece nosso pedido de desculpas”. Acertou em cheio.
Monica, como ela mesma insiste em frisar desde que saiu da clausura social três anos atrás, não foi vítima de qualquer abuso sexual. Sua relação com o presidente foi tão consentida quanto desejada por ela. O intenso abuso que quase a destruiu ocorreu depois, quando o affair veio a público e ela se viu engolida pela complexa engrenagem política de Washington.

Monica, como se sabe, era uma estagiária na Casa Branca, recém-saída da faculdade. Tinha 22 anos e apaixonou-se perdidamente pelo chefe sedutor de 49. Mantiveram uma relação de alta voltagem por dois anos. Numa manhã de janeiro de 1998, o caso explodiu no Drudge Report, um dos primeiros sites de política daqueles tempos pré-Google, pré-mídias sociais, pré-Facebook.

Pela primeira vez na história da imprensa, a mídia tradicional tinha levado um furo colossal da internet. “Foi um click que reverberou no mundo inteiro, uma tempestade perfeita que juntou sexo e política”, relembra Monica.  De figura completamente anônima, tornou-se a primeira pessoa a ser humilhada publicamente em todos os idiomas, muito antes da invenção do termo cyberbullying. “Fui a paciente número zero da perda de reputação, identidade e dignidade no palco global. Foi instantâneo”, diz.

Ameaçada pelo FBI com 27 anos de prisão se não admitisse o relacionamento com o presidente, não o fez. Sentada numa saleta sem janelas, sob luz fluorescente, teve que ouvir 20 horas de gravação de seus desabafos mais íntimos para uma amiga — jamais suspeitou que estivesse sendo gravada pela confidente. A íntegra das gravações foi anexada ao relatório de Kenneth Starr, e entregue aos congressistas. Duas semanas depois, num 11 de setembro para Monica mais marcante do que o do atentado às Torres Gêmeas, as gravações com suas inconfidências mais cabeludas ecoavam nas redes de TV e se perpetuaram na internet.

Monica não se suicidou — a mãe só permitia que tomasse banho de porta aberta —, não trocou de sobrenome para poder se esgueirar na vida, e jamais se referiu a Clinton de forma desabonadora. Já o presidente, em seu depoimento, referiu-se a ela como “aquela mulher”. A ex-periguete conseguiu formar-se em Psicologia Social pela London School of Economics e aos 41 anos (hoje está com 44) falou em público pela primeira vez para ser dona de sua história.

Vale a pena assistir no YouTube à palestra que deu para um fórum da revista “Forbes”, e sua TED Talk de 2015. Ambas têm momentos tronchos, frases de efeito, tom edificante e amador. Mas elas conseguem transmitir o essencial: que o sentimento de humilhação humano é devastador, mais potente do que a felicidade plena ou a raiva. E que Monica Lewinsky dá uma aula de caráter em quem tem apenas poder.

Por:  Dorrit Harazim é jornalista