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domingo, 8 de dezembro de 2019

Sobre raposas e ouriços - Nas entrelinhas

“Os indivíduos de sociedades pluralistas pertencem a diversas coletividades, cada qual com sua identidade. Por isso mesmo, a imposição de uma única identidade está na gênese dos conflitos raciais, religiosos e étnicos”

Em tempos de radicalização ideológica direita versus esquerda, um pouco de John Stuart Mill não faz mal a ninguém, parafraseando o velho ditado que compara a prudência ao caldo de galinha. Há quase 200 anos, o teórico liberal inglês do século XIX, no rastro de John Locke, o pai do liberalismo e da Declaração de Independência americana, marco das democracias modernas, foi um crítico da “tirania da maioria”. Ao examinar as mudanças políticas que ocorriam em meados do século XIX, com a formação de governos eleitos, Mill procurou delimitar a fronteira entre o controle social e a liberdade individual. O tema é atualíssimo, principalmente na conjuntura em que vivemos.

Mill advertia que governos eleitos selecionam as visões da maioria e, muitas vezes, acabam por oprimir a minoria. Essa tendência é reforçada pela opinião pública, que se move pelo interesse próprio e imediato, em bases arraigadas, pela comoção, pela influência religiosa ou pela tradição. Não poucas vezes, no âmago das questões, maiorias conjunturais refletem velhos interesses de grupos dominantes da sociedade. O longo e glorioso reinado da Rainha Vitória (1838-1901), em meados do século XIX, foi o pano de fundo das ideias de Mill.

A Era Vitoriana foi marcada pelo binômio paz e prosperidade, com os lucros adquiridos a partir da expansão do Império Britânico, no auge e consolidação da Revolução Industrial e do surgimento de novas invenções. Três gigantes do pensamento ocidental surgiram nessa época: Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx. Apesar da emergência de uma grande classe média e dos avanços da ciência, da compreensão do indivíduo e da dinâmica econômica, essa época também foi marcada na Inglaterra por rígidos costumes, moralismo social e sexual, fundamentalismo religioso e muita exploração capitalista.

Nesse contexto, Mill tenta estabelecer um ponto de equilíbrio entre a autonomia individual e a interferência governamental. A chave é o “princípio do dano”, hoje consagrado no direito: a sociedade só pode interferir na vida do indivíduo, de maneira justificada, para impedir que cause dano a outra pessoa. “Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”, defende Mill. Parece trivial, na prática, porém, é mais complicado, porque o princípio se aplica ao pensamento, à expressão de opinião e também às ações. Entretanto, foram essas as premissas dos novos conhecimentos e da inovação. À época, a Europa vivia a plenitude do Iluminismo, enquanto o peso da tradição e a rigidez do mandarinato estagnavam a China, a grande potência do planeta por milênios.

Pluralismo progressista
Liberdade de pensamento, de gostos e objetivos e de associação entre os indivíduos fizeram a grande diferença. Um fragmento de poema do filósofo grego Anquiloco de Paros (século 7 a.C), citado pelo pensador inglês Isaiah Berlin, num ensaio literário sobre Tolstoi, ajuda a entender a razão: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe apenas uma coisa importante”. Existe um grande abismo entre aqueles que, por um lado, relacionam tudo a uma única visão central, um princípio organizador universal em termos do qual tudo que eles são e dizem encontra significado — e, do outro lado, aqueles que perseguem vários objetivos, frequentemente não relacionados e mesmo contraditórios. Estes últimos levam vidas, agem e contemplam ideias que são centrífugas ao invés de centrípetas; seu pensamento é diverso ou difuso, movendo-se em muitos níveis, aproveitando-se da essência de uma vasta variedade de experiências e objetos. “O primeiro tipo de intelectual e personalidade artística pertence aos ouriços, o segundo às raposas…”, dizia Berlin.

A vida atual, cada vez mais organizada em redes, corrobora a analogia, inclusive na política. Prêmio Nobel de 1998, o economista indiano Amartya Sen foi um dos que observou o fato de que os indivíduos de sociedades pluralistas pertencem a diversas coletividades, cada qual com sua identidade. Por isso mesmo, a imposição de uma única identidade, que açambarca e define tudo, está na gênese dos conflitos raciais, religiosos e étnicos. Essa diversidade é uma das causas do declínio dos velhos partidos políticos, com a ultrapassagem da sociedade industrial estruturada em classes bem definidas, e, contraditoriamente, do surgimento de movimentos regressivos, pautados pela xenofobia, pela homofobia e pelo reacionarismo político.

No Brasil, estamos vivendo um momento na vida política em que essas tendências emergem com muita força, seja pela via do sectarismo ideológico e obscurantista oficial, seja pela recidiva “classista” por parte da oposição, daí a oportunidade desse resgate do velho Stuart Mill. Não à toa, desde as manifestações de 2013, surgem movimentos cívicos de caráter liberal que se contrapõem, no plano político, ao “hegemonismo” de direita ou de esquerda. Esses movimentos — por exemplo, Acredito, Livres, Raps, Renova-BR etc. — refletem a diversidade de opiniões da sociedade e buscam, pela via da política liberal, uma sociedade mais moderna e pluralista. Esse liberalismo progressista não subordina os direitos humanos e a democracia ao desempenho da economia e pode ser um fator de renovação dos costumes políticos e dos partidos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Raoni merece o Nobel - O Globo


É um homem digno que só busca o bem

[O Prêmio Nobel, com destaque para o Nobel da Paz, já representou uma grande honraria, motivo de intensa satisfação por parte do laureado, dos que o admiravam e por representar um justo reconhecimento a quem se destacou com honra no campo em que foi homenageado.

Mas, de uns tempos para cá, o Nobel foi se desvalorizando - os homenageados passaram a ser escolhidos por um certo bairrismo e dentro do 'politicamente correto'.

Um único exemplo da desvalorização da homenagem:
Quando o presidiário Lula, ex-informante do DOPS, ex-presidente da República, o maior ladrão do Brasil, atualmente puxando cadeia por corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, e outros crimes - teve sua sentença condenatória confirmada em todas as instâncias do Poder Judiciário - teve seu nome seriamente cogitado para ser agraciado com a honraria, o Prêmio Nobel acabou-se.
Que mal faz Raoni ser indicado - será, no máximo, mais uma péssima indicação.]

Já em 1984 Raoni Metuktire era um dos maiores líderes indígenas brasileiros e o principal chefe da etnia caiapó. Meu primeiro encontro com o cacique pode parecer bizarro e levantar suspeitas sobre sua sensatez e serenidade. Como repórter da extinta TV Manchete, fui até uma aldeia caiapó no Xingu para cobrir a libertação de cinco sertanistas da Funai que Raoni mantivera sequestrados numa das muitas disputas que travava em torno da demarcação da sua reserva no Xingu. Quando Raoni saiu vitorioso do episódio, os sertanistas sequestrados, que também estavam do lado da causa indígena, festejaram mais a vitória do cacique do que a sua própria libertação.

Raoni já tinha o porte  majestoso que mantém até hoje. Era ao mesmo tempo doce e duro. A luta pela demarcação definitiva do Parque do Xingu, criado pelos irmãos Villas Bôas em 1961, se estendeu no tempo e se desdobrou em outros momentos importantes. Um dos mais emblemáticos ocorreu no dia em que o cacique enfrentou Mário Andreazza, o último ministro dos Transportes do regime militar. Pintado de vermelho para a guerra e portando uma borduna, o líder indígena se reuniu com Andreazza e produziu uma frase que entrou para a história. Ao final do encontro, o ministro disse para Raoni que o considerava um amigo e ouviu a seguinte resposta de um índio insatisfeito com o resultado da reunião: “Aceito ser amigo, mas você tem que ouvir o índio”.

Não ocorreu no governo militar a demarcação do Xingu, mas apenas em 1993. Antes disso, o mais carismático líder indígena brasileiro recebeu em Altamira, no Pará, o cantor Sting, que estava então no auge da sua popularidade. Também fiz a cobertura jornalística deste encontro, que durou quase uma semana, mas já pelo GLOBO. Foi um evento memorável. Jornalistas de diversos veículos estrangeiros e dos principais órgãos brasileiros se amontoaram em pequenos hotéis, casas alugadas de famílias locais ou acampados dentro de um ginásio de esportes, para acompanhar a reunião. Sting era a celebridade, mas quem se destacou foi o índio botocudo, que desde os 15 anos tem implantado no seu lábio inferior um grande disco de madeira pintada que o distingue de todos. Sting virou coadjuvante.

Raoni nunca fala alto, embora seja sempre firme. Não se conhece episódio em que tenha agredido fisicamente alguém, embora seu porte atlético seja assustador. Raoni, que há um mês foi recebido pelo presidente da França, Emmanuel Macron, não se surpreendeu com o Palácio do Eliseu porque lá já estivera uma vez, no ano 2000, quando foi recebido pelo então presidente Jacques Chirac. Pompa não é novidade para este líder guerreiro. Ele já esteve em outros palácios com presidentes, reis e Papas, e nunca se deslumbrou. Seu sorriso é comedido, para não dizer raro, seu ar é sério e seu discurso é coerente. Não há por que demonstrar felicidade, entende o cacique. Sua luta, que um dia foi por demarcação de terra, hoje é em defesa dos direitos e da dignidade dos povos indígenas.

Raoni é um patrimônio brasileiro que atravessou todos os governos militares e depois os civis que se sucederam até aqui. Contra todos se insurgiu. Contra todos levantou sua borduna e se pintou de vermelho. Seus detratores gostam de dizer que ele é produto da mídia, por causa do botoque e porque gosta de usar cocares coloridos. E também porque anda com rainhas e Papas. Parece desrespeito ou preconceito. Quem sabe, despeito. Essas pessoas tampouco respeitavam Juruna, outro líder indígena que se destacou por gravar promessas vãs de autoridades em um velho gravador de fita cassete. E que um dia virou deputado federal.

Raoni merece cada um dos salamaleques que recebe em suas andanças pelo país e pelo mundo afora. É um do maiores e mais autênticos brasileiros de todos os tempos. Um homem digno que só busca o bem. O bem coletivo, para o seu povo, para os seus irmãos. Sua lembrança para o Prêmio Nobel da Paz é justa. Não apenas porque um dia atacou o governo de Jair Bolsonaro ou porque foi objeto da sua fúria no discurso da ONU. Não! Raoni merece o Prêmio Nobel da Paz porque é em seu nome que vem lutando desde que viu pela primeira vez um homem branco, em 1954, aos 23 anos de idade.
Ascânio Seleme, jornalista - O Globo

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Americano e japonês dividem Nobel de Medicina por tratamento contra o câncer


Os imunologistas James P. Allison e Tasuku Honjo venceram nesta segunda-feira (1) o Prêmio Nobel de 2018, graças às pesquisas que conduziram sobre uma terapia natural para conter o avanço de câncer.


 Nobel de Medicina (Crédito: Sam YEH / AFP)

A Academia Sueca anunciou que o americano e o japonês dividirão o prêmio de 9 milhões de coroas suecas.  Os dois desenvolveram pesquisas separadas sobre uma terapia contra o câncer por meio da inibição da regulação imune negativa. De acordo com especialistas da área, o estudo é inédito pois, pela primeira vez, uma terapia se foca nas células do sistema imunológico, e não no próprio tumor. 

Amanhã, o comitê do Prêmio Nobel, localizado em Estocolmo, anunciará o premiado em Física e, na quarta-feira, o de Química. Neste ano, não haverá o Nobel de Literatura devido ao caso do francês Jean-Claude Arnault, de 71 anos. Já o Nobel da Paz será anunciado em 5 de outubro. 

ANSA


domingo, 20 de novembro de 2016

O salário do governante

Os fundadores da nova república no século XVIII consideraram vital que o cargo de presidente dos EUA fosse remunerado

Linda Greenhouse é a mais conceituada jornalista americana da atualidade especializada em assuntos constitucionais. Ela destrincha como poucos o emaranhado jurídico do país e não é por acaso que sua cobertura dos trabalhos da Suprema Corte dos Estados Unidos lhe rendeu um Prêmio Pulitzer em 1998. 

Greenhouse atravessou 2016 abstendo-se de escrever sobre o embate eleitoral — a sua seara é a lei, não a política. Somente agora, no final da campanha, ela saiu do casulo.
“O estado de direito não é fácil de ser reduzido a uma definição”, escreveu a colunista do “New York Times”. “Mas reconhecemos quando o vemos. Trata-se ao mesmo tempo de um processo e um fim — ele é o produto não de uma série de mandatos, mas de hábitos arraigados, de uma ideia coletiva, de expectativas comuns quanto à maneira da sociedade organizar suas questões e resolver seus conflitos. Sabemos que leis, sozinhas, não bastam — no papel, alguns dos governantes mais odiosos eram corretos”.

Ela ensina: “O estado de direito proporciona a confiança de que o que é verdade hoje será verdade amanhã também. Ele é a base da resiliência para absorver os choques que todo sistema político enfrenta. E resiliência leva tempo para se formar. A ‘União’ Europeia, por exemplo, que ora vê suas estruturas abaladas pelas tensões do século XXI, é uma construção de pouco mais de meio século. Nos Estados Unidos pensávamos que tínhamos, com folga, todo o tempo do mundo pela frente. Talvez não o tenhamos mais”.

Numa primeira entrevista à TV após emergir vitorioso das urnas, Donald Trump foi perguntado se pretendia levar adiante a ameaça eleitoral de nomear um procurador especial para indiciar Hillary Clinton pelo uso indevido de um servidor privado quando secretária de Estado.  Sua resposta deliberadamente imprecisa deve ter arrepiado Linda Greenhouse: “Não quero feri-los (os Clinton), são boa gente”, disse Trump, prometendo ser mais claro e preciso quando voltasse ao programa.

A resposta do presidente eleito permite qualquer leitura. Inclusive a de que, para ele, o Judiciário é mero instrumento da Presidência para ser usado ora com malvadeza, ora indulgência. Trump também reiterou que abrirá mão do salário anual de US$ 400 mil (cerca de R$ 1,3 milhão), reservado por lei a todo ocupante da Casa Branca. Ele pode até dar-se ao luxo público de embolsar apenas um simbólico dólar por cada mês de serviço. Porém, não terá como escapar de receber o restante do que lhe é devido. Assim foi definido mais de dois séculos atrás.

Mesmo que ele decida jogar o que não quer no Rio Potomac, doar os milhões excedentes a instituições ou devolvê-los ao Tesouro, Trump terá, primeiro, de receber a totalidade estipulada por lei, para só então poder se desbaratar do quanto quiser. E, mesmo assim, terá de declarar o valor total recebido em sua declaração de renda, para então fazer as deduções permitidas em caso de doação. (Apenas os prêmios Nobel, Pulitzer e similares ficam totalmente de fora do Fisco americano). 

Os fundadores da nova república no século XVIII consideraram vital que o cargo de presidente fosse remunerado. Como escreveu o cientista político Rob Goodman na “Político”, esse princípio cimentado em lei visava ao interesse público, não do ocupante da cadeira: tratava-se de sinalizar que um presidente de Estado democrático trabalharia a serviço dos cidadãos, e não o contrário, e lhe prestaria contas. 

E foi por isso que o abastado George Washington viu-se impedido de chefiar a nação da mesma forma que comandara o exército continental na Revolução Americana sem remuneração, apenas pelo ideal de servir. Contrariado, o primeiro presidente dos Estados Unidos dobrou-se ao voto do Congresso e aceitou receber US$ 25 mil anuais pelo exercício da função. “O poder sobre o sustento de um homem é o poder sobre a sua vontade”, argumentou o founding father Alexander Hamilton. 

Prevaleceu o raciocínio de que futuros presidentes menos honrados (e menos ricos) do que George Washington, se não remunerados, poderiam tornar-se mais vulneráveis à corrupção, à coerção ou à tentação de vender medidas políticas em troca de mimos. Ademais, transformando a presidência em trabalho profissional assalariado para além de ideais e dever cívico, visou-se ampliar a possibilidade de cidadãos sem fortunas pessoais virem a disputar o cargo público mais nobre do país. 

Dos 44 que, desde então, já ocuparam a Casa Branca, dois optaram por doar o salário para instituições de caridade: o quaker Herbert Hoover e John Kennedy. Já Barack Obama, que terminou de quitar sua dívida estudantil só aos 43 anos, apenas cinco antes de assumir a Presidência em 2009, devolveu 5% do salário ao Tesouro por ocasião de uma das muitas crises que ameaçou a paralisação da máquina governamental de seu governo. No caso de Trump, dono de uma fortuna pessoal estimada em US$ 3,7 bilhões e único candidato desta eleição a não liberar suas declarações de Imposto de Renda, a bravata de ser rico demais para ser corrupto ou roubar soou mal. Pelo menos para ouvidos brasileiros. 

Fonte: Dorrit Harazim é jornalista


sábado, 10 de setembro de 2016

“Para ser santo, tem que sofrer”

É o que dizia madre Teresa de Calcutá, canonizada no último domingo, no longínquo ano de 1979 - meses antes de vencer o Nobel da Paz. Na entrevista a VEJA, a "santa dos miseráveis" enfrentava as críticas que já então recebia, em particular o culto da pobreza


Madre Teresa de Calcutá, em imagem de 1979, em visita a Alagados, em Salvador: “Não admiro a fome nem o relento, nem o frio”. Foto: Luciano Andrade

Canonizada no último domingo pelo papa Francisco, madre Teresa de Calcutá (1910-1997) já era chamada santa em vida: a “santa dos miseráveis”, como VEJA intitulou entrevista nas páginas amarelas da edição de 25 de julho de 1979. Nela, a missionária iugoslava, então com 69 anos, falava de sua Ordem das Missionárias da Caridade, que fundara na Índia em 1950, e rebatia algumas das críticas que já então recebia todas recapituladas durante o processo que a alçou ao panteão dos santos.

Sobre o culto do sofrimento, por exemplo, madre Teresa defendia: “Para que cheguemos a ser santos temos que sofrer muito. O sofrimento engendra o amor e a vida nas almas”. Sobre a relevância da esmola: “Tratamos de uma pessoa, não de uma multidão”. Sobre a santidade na era contemporânea: “Todos nós somos chamados à santidade”. Sobre a metáfora gasta do peixe e da vara de pescar: “Muitas vezes já me disseram que eu não deveria oferecer peixes aos homens, mas, sim, varas para que eles pesquem. Ah, meu Deus! Muitas vezes ele nem têm forças para segurar as varas. Ao dar-lhes peixes, ajudo-os a recuperar forças para a pesca de amanhã.” Conformismo? “Se eu crio um estado de impaciência, de revolução social, sem ter o que propor de concreto e de bom para substituir aquilo que quero derrubar, não estou agindo acertadamente. No final, estarei frustrando as esperanças que tanto insuflei.”

Madre Teresa resumia as causas da pobreza ao egoísmo e pregava um único remédio: amor. Instada a comentar as condicionantes políticas ou econômicas da miséria, fazia-se lacônica: “Não tenho tido tempo para pensar nisso. Outros que se ocupem dessa tarefa. VEJA abordou então a reprovação que mais frequente se fazia ao trabalho da missionária: a crítica de que seu trabalho, na verdade, gera o culto da pobreza. “A questão não é ser pobre, é fazer a opção de ser pobre para poder mais facilmente se identificar com Cristo — e chegar por Ele aos pobres. É identificar-se com os pobres para viver um clima de amor e de fraternidade, retornando, assim, ao Cristo. Dá para entender?” Adiante, a reportagem insiste: “Como é possível alguém achar bonito uma pessoa não ter o que comer?” 

Responde a madre: “A beleza não está na pobreza mas na coragem de ainda sorrir e ter esperanças apesar de tudo. Não admiro a fome nem o relento, nem o frio — mas a disposição de enfrentá-los, a coragem de sorrir e de viver mesmo assim”. 

Figura frequente nas listas de cotados para o Nobel da Paz, madre Teresa foi instada na mesma entrevista a responder ser gostaria, afinal, de receber a láurea. “Nunca recuso um prêmio porque tenho muita necessidade de recursos para minhas obras.” No fim do ano, a missionária levaria de fato o Nobel. E a pedido dela, pela primeira vez desde 1901, o banquete de gala seria cancelado para que o dinheiro fosse revertido em favor dos “pobres mais pobres”.

Fonte: Blog  da Veja

Leia em VEJA de 25 julho de 1979: A santa dos miseráveis

Leia em VEJA de 19 de dezembro de 1979: Madre Teresa recebe o Nobel

sábado, 2 de maio de 2015

Terra, terra

Um dos aspectos mais terríveis dessas migrações clandestinas para a Europa é a mais absoluta falta de opção das vítimas

De repente, a terra se faz lembrar. Acentua que não é necessariamente terra firme. E treme. Aterroriza, destrói, mata, mostra que o bicho-homem não manda nela. O terremoto no Nepal dói no mundo inteiro, em todos os habitantes do planeta Terra, por cima das distâncias e diferenças, solidários com as vítimas indefesas e impotentes. Vem somar uma catástrofe natural à catástrofe humana e histórica, perfeitamente evitável, dos imigrantes clandestinos, também impotentes e indefesos, que fogem de suas casas, deixam suas terras e morrem maciçamente no Mediterrâneo, milenar berço de civilizações transformado em túmulo de famílias desesperadas. São dias de chorar. Pelas vítimas do terremoto no Nepal. Pelos migrantes que se afogam no Mediterrâneo. E de tentar ajudar.

Outras línguas distinguem a terra que se move (como earth), da terra que se deixa (land), escorraçado pela guerra e pela miséria. Ou da terra (ground) que guarda o petróleo que tanto enriquece alguns e de onde pode brotar a água que nos faz viver mas ameaça sumir. Em português, juntamos tudo, entendendo que é uma coisa só. Mesmo distantes, errantes navegantes do planeta, jamais deveríamos esquecer — como na canção de Caetano.

Todo mundo tem o direito de poder ficar em sua própria terra natal, se quiser. É o que pede o coração. Um dos aspectos mais terríveis dessas migrações clandestinas africanas ou do Oriente Médio, incentivadas pelo tráfico ilegal para a Europa, é a mais absoluta falta de opção das vítimas. É revoltante saber que milhares de pessoas estão morrendo afogadas todo dia, por terem pago por essa viagem as economias de uma vida, depois de perderem casa, bens, terras, animais, plantações, para se apinhar com a família numas sucatas flutuantes, muitas vezes trancados num porão. Como num funil, chegam à Líbia vindo de uns 20 países da região e tentam fugir da guerra, da fome, da violência, da miséria, do abandono, da falta de oportunidades, de perseguições religiosas ou étnicas. Pagam aos traficantes de gente e depois são abandonados no meio do mar ou se transformam em vítimas de naufrágios, propositais ou não.

É claro que precisam ser resgatados — e a atribuição não pode cair apenas nas costas da Itália, mais perto por sua geografia. Mas é necessário um esforço conjunto internacional que vá além do mero acolhimento dos refugiados e sua internação em campos cercados por alambrados, aumentando a cada dia sua tragédia. O mundo precisa atacar as causas que fazem essa gente toda preferir enfrentar os piores perigos a ficar em sua própria terra. 

No fim da Segunda Guerra, iniciativas como o Plano Marshall permitiram que a Alemanha se reconstruisse, o Japão e a Itália pudessem reviver suas economias. Num mundo cheio de paraísos fiscais onde os riquíssimos podem guardar seu dinheiro (venha ele do petróleo, de armas, de drogas, da corrupção) e driblar os impostos que todos nós temos de pagar, deveria ser possível canalizar recursos para melhorar a vida de quem se vê forçado a não poder mais ficar em sua terra.

Há outros problemas com a terra, além dos que são objeto do MST, entre reivindicações de reforma agrária e destruição de pesquisas agrícolas de empresas e laboratórios de universidades. [a matéria é excelente, sua autora sabe escrever e bem; pena que estrague tudo ao colocar vermos como os facínoras do MST no artigo. Aqueles bandidos merecem apenas o tratamento que a PM do Pará dispensou aos que bloquearam uma rodovia.
A PM abateu alguns facínoras do 'movimento social terrorista' e desde então não ocorreu mais nenhum bloqueio de rodovias naquele Estado.]
 
Que tal deixar o petróleo lá no fundo da terra e se dedicar a fontes alternativas de energia? O influente jornal britânico “The Guardian” vem liderando uma campanha para que grandes fundos filantrópicos, como a Fundação Bill Gates e o Wellcome Trust, deixem de investir em combustíveis fósseis e só apoiem pesquisas científicas em outras áreas. O objetivo é diminuir com urgência a ameaça da mudança climática causada pelo petróleo, gás e carvão. A meta é que, em cinco anos, se deixe de financiar as companhias que trabalham com eles. Apela-se, de imediato, para que cessem novos aportes em dinheiro para essas companhias, ou incentivos ao setor. Os argumentos são morais, ambientais e econômicos. 

A campanha, “Keep it in the ground”, pressiona para que 80% das reservas conhecidas de carvão continuem inexploradas, bem como metade das de gás e um terço das de petróleo. Já recebeu a adesão de vários fundos importantes e o apoio de centenas de milhares de pessoas, incluindo celebridades e ganhadores do Prêmio Nobel. Por outro lado, a terra precisa também de proteção para continuar guardando e fornecendo água, o bem mais precioso para a vida no planeta. Recente reportagem de Míriam Leitão neste jornal revelou como o Instituto Terra , de Lélia e Sebastião Salgado, vem desenvolvendo um projeto modelar de proteção a nascentes e olhos d’água no Vale do Rio Doce, tendo como meta refazer todas as fontes dessa bacia. É uma iniciativa admirável sob todos os aspectos, que começa a dar frutos, a lembrar que muitas vezes podemos fazer algo pela terra e por nós. Não nos conformemos em ser apenas vítimas impotentes um do outro.

Por: Ana Maria Machado é escritora - O Globo