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sábado, 21 de janeiro de 2023

O autoritarismo de Lula em 20 dias - Revista Oeste

Cristyan Costa

Governo dá sinais claros de que vai caçar quem se recusar a obedecer sua agenda e destruir avanços do liberalismo

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva já impôs, em apenas 20 dias, mais restrições às liberdades individuais do que qualquer outro mandato presidencial desde a redemocratização do país. Enquanto os brasileiros acompanham atônitos aos desdobramentos dos protestos em Brasília, que degeneraram em vandalismo, o presidente assinou uma série de medidas autoritárias que podem custar caro por um bom tempo.

O governo Lula 3 colocou em curso um plano para monitorar as redes sociais, instituiu uma espécie de DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) getulista no Estado Novo; criou um “Ministério da Verdade” para o advogado-geral da União, Jorge Messias, o “Bessias”, gerenciar; deu poderes para Flávio Dino (Justiça) prender adversários políticos; e sancionou uma lei que equipara a injúria racial ao racismo — medida que atinge em cheio os humoristas.

Também interferiu nas liberdades de mercado ao rasgar a agenda de privatizações de Jair Bolsonaro, deformar a Lei das Estatais, flertar com a irresponsabilidade fiscal e submeter empregadores à cartilha de sindicatos e à molecagem de Fernando Haddad. Disse que o empresário “não ganha muito dinheiro porque trabalhou, mas porque os trabalhadores dele trabalharam”. Reuniu-se com sindicalistas e prometeu a volta de um imposto para financiar seu berço político. Falou em reverter a autonomia do Banco Central.

Os sinais dados na largada mostram um horizonte cada vez mais sombrio. Aos poucos, o PT vai impondo a sua agenda autoritária por todo o país.

Restrições à livre-iniciativa
A primeira canetada de Lula foi contra a liberdade de mercado. Já no primeiro dia de governo, o petista mandou às favas sete estatais que estavam no Programa Nacional de Desestatização. Conforme a decisão do presidente, Petrobras, Correios, Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Dataprev, Nuclep, Serpro e armazéns sob o domínio da Conab têm de permanecer sob o controle do Estado.

A medida representou uma guinada radical em relação à gestão do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Em sua administração, a pasta estimulou a venda de subsidiárias e outros ativos de estatais (como os da Petrobras) e ainda vendeu o controle da Eletrobras. O objetivo do governo anterior era estimular a livre-iniciativa, a concorrência e tirar das costas dos pagadores de impostos o custo da ineficiência de empresas estatais.

Direito à legítima defesa ameaçado
Também nas primeiras horas como presidente, Lula revogou decretos que facilitavam o acesso às armas. As medidas haviam sido expedidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Alegando preocupação com a “segurança”, Lula atribuiu aos CACs a culpa pelo aumento e pela manutenção da criminalidade no Brasil. Além de restringir a compra de armas e de munição para os CACs, a medida cancelou novos registros de escolas de tiros, até que o Estatuto do Desarmamento seja reeditado.
 
“DIP” na AGU
Em 3 de janeiro, a Advocacia-Geral da União (AGU) criou a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia. A finalidade é clara: de acordo com o ministro da AGU, Jorge “Bessias”, o órgão vai adotar medidas “cabíveis” contra tudo aquilo que julgar “desinformação”. Ou seja, na prática, o Executivo pode participar de algo similar ao que fazem o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE): uma espécie de Corte sobre o que pode ou não ser dito no Brasil.
 
Nas redes sociais, internautas compararam a procuradoria ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) da era Vargas. Em linhas gerais, o DIP era responsável por promover a ideologia da ditadura do Estado Novo. As duas funções básicas do DIP: 
1) difundir a propaganda oficial do governo; 
2) censurar informações nos meios de comunicação que desagradassem a Vargas.

Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito público administrativo pela FGV, afirma que o papel da AGU é representar a União, conforme prevê o artigo 131 da Constituição. “Isso já exclui a possibilidade de estender uma atribuição que lhe é totalmente estranha e fora de contexto”, diz.

“Ao criar esse tipo de ‘departamento’, sob o argumento de combater uma desinformação acerca das políticas públicas no âmbito do Poder Executivo, está se intimidando o direito de manifestação do pensamento, de opinião e de informação e comunicação social, uma vez que aquele órgão exercerá uma espécie de ‘poder de polícia’”, afirma a advogada Vera Chemim.

Secom faz o papel de “Ministério da Verdade”
O ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), prometeu criar o que ele chamou de “rede de defesa da verdade”. Em uma série de tuítes, o petista disse que avalia criar uma pasta responsável pelo “combate à desinformação”. O decreto vai ser publicado em 24 de janeiro. Nas redes sociais, o órgão foi equiparado ao Ministério da Verdade, da distopia 1984, de George Orwell.

“A sociedade civil, os influenciadores digitais, os partidos políticos, os movimentos sociais e tantos outros ‘sujeitos’ têm um protagonismo importante e insubstituível nesse processo”, observou Pimenta. “Compreender isso e ativar essa ‘força’ organizada é fundamental para a defesa da democracia.”

Pimenta também acusou Bolsonaro de se beneficiar de uma “poderosa máquina de comunicação com recursos públicos e privados, legais e ilegais”. Segundo o chefe da Secom, apesar de Bolsonaro ter sido derrotado na eleição, um suposto “gabinete do ódio” continua ativo nas redes sociais, e cabe ao governo Lula eliminá-lo.

Matheus Falivene, doutor em Direito e Processo Penal pela USP e professor da PUC-Campinas, afirma que grupos de trabalho, como a procuradoria e a rede proposta por Pimenta, não podem extrapolar os limites institucionais e se tornar “verdadeiros órgãos de investigação e persecução penal”. “Isso seria considerado inconstitucional e ilegal”, constatou Falivene.

Restrições a “atos antidemocráticos”
Na próxima semana, o Ministério da Justiça entregará a Lula um pacote de medidas para endurecer as punições a envolvidos em “atos antidemocráticos”. Está sendo discutida ainda uma forma de aumentar o controle do governo sobre a segurança pública do Distrito Federal. Uma das possibilidades em debate é a criação de uma nova força para proteger as sedes dos Poderes e as embaixadas.

“Ao criar esse tipo de ‘departamento’, sob o argumento de combater uma desinformação acerca das políticas públicas no âmbito do Poder Executivo, está se intimidando o direito de manifestação do pensamento, de opinião e de informação e comunicação social, uma vez que aquele órgão exercerá uma espécie de ‘poder de polícia’”, afirma a advogada Vera Chemim

Para fechar o cerco contra manifestantes, o Ministério da Justiça defende a derrubada no Congresso Nacional de vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro a trechos da Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito, que foi sancionada em parte em 2021 e substituiu a Lei de Segurança Nacional, dos tempos do regime militar. Também deve ser proposta a derrubada do veto ao artigo que previa o aumento de penas para os crimes contra o Estado de Direito e a perda do posto e da patente para militares.

Manifestantes invadem o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto -
 Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Lei “antipiadas” 
Sancionada em 11 de janeiro por Lula, a “Lei Antipiada” faz a injúria racial equivaler ao crime de racismo. A partir de agora, falas que contenham elementos referentes a raça, cor, etnia ou procedência nacional, entendidas como ofensivas por pessoas ou grupos considerados minoritários, passam a ser imprescritíveis e inafiançáveis, assim como já ocorria no crime de racismo.

Com a nova lei, que referenda uma decisão de 2021 do STF no mesmo sentido, a pena para injúrias raciais também aumenta: a punição máxima, que era de três anos de prisão, passa a ser de cinco anos. Com a sanção da norma, outros dispositivos foram acrescentados à chamada Lei do Racismo. Um deles pode criminalizar falas de lideranças religiosas que possam ser interpretadas como contrárias a religiões de matrizes africanas, por exemplo.

Vera Chemim pondera que, a depender da interpretação que se dê a uma brincadeira entre amigos, a redação da lei tem potencial para um “crescente policiamento ou restrição da liberdade de expressão, que poderá ser traduzida sempre como uma agressão, diferentemente de um contexto em que as pessoas têm um laço de amizade capaz de eliminar tais controvérsias”.

“É importante ressaltar que nem sempre as formas de expressão verbal podem ser interpretadas como um crime de discriminação, e sim como uma conduta que remete ao politicamente incorreto, que não configura, absolutamente um fato típico, ou seja, um crime”, disse a advogada. “Vale lembrar ainda ser necessário o Judiciário tomar cautela ao analisar essas situações, visto que corre o risco de implantar um ‘Estado onipotente, aos moldes de 1984’.”

Censura na EBC 
Depois de jornalistas da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) chamarem de “manifestantes” as pessoas que estavam no protesto contra Lula na Praça dos Três Poderes, no domingo 8, o Palácio do Planalto demitiu o alto escalão da estatal. Saíram o presidente, o diretor-geral, a diretora de jornalismo e o de administração. No lugar, o ministro da Secom, Paulo Pimenta, nomeou pessoas alinhadas ao PT.

A avaliação é que a estatal “estava com uma postura distante” da adotada pelos demais canais do consórcio da imprensa, com o objetivo de minimizar os atos. Para o PT, os indicados por Bolsonaro à EBC estavam dando um “enfoque radical” aos protestos. Havia receio de que a empresa fosse usada para, eventualmente, propagar “ideias antidemocráticas”, ou que houvesse uma espécie de sabotagem, interrompendo transmissões da Presidência.

Autonomia de médicos em xeque 
“Contrariam a recomendação científica”, resumiu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, ao anunciar a revogação de portarias e notas técnicas que “ofendem a ciência”. Nísia referia-se a normas sobre vários assuntos, entre eles, a cloroquina. Sob a gestão de Eduardo Pazuello, a pasta publicou regras com base em orientações do Conselho Federal de Medicina, segundo as quais os médicos têm de ter a liberdade para administrar remédios fora da bula, desde que de comum acordo com os pacientes. Com a decisão de Nísia, essas recomendações devem acabar.

Remédios do tratamento precoce, como a cloroquina, são usados por pacientes com coronavírus. Publicado em agosto de 2022, um estudo constatou que o uso preventivo dos medicamentos reduz em 30% o agravamento da covid-19. Os autores da pesquisa lamentaram a falta de mais trabalhos científicos sobre o caso. “No início da pandemia, houve uma conclusão prematura de que a hidroxicloroquina não tinha efeito profilático, quando a conclusão correta seria que o efeito estimado era muito impreciso”, informa o estudo.

Revolução a passos largos 
Durante uma entrevista ao jornalista de extrema esquerda Breno Altman, o teólogo Leonardo Boff, amigo e interlocutor de Lula, revelou as reais intenções do ex-presidente. Segundo Boff, Lula teria um discurso político conciliatório durante a campanha, como ocorreu, mas que fará uma revolução, depois de eleito.

“Ele me disse que, se chegar de novo à Presidência da República, é a última chance de sua vida para fazer uma revolução, e vai fazê-la”, afirmou Boff. “Fará um discurso político para manter a unidade nacional, mas a prática vai ser radical a favor dos pobres, oprimidos, indígenas, mulheres e LGBTs.”

Pelas mais recentes ações com a digital de Lula, constata-se que Boff não mentiu.

Leia também “O Foro de São Paulo no poder”

 Cristyan Costa, jornalista - Revista Oeste



sábado, 1 de outubro de 2022

Da Inglaterra à Itália, experiências de direita que vale seguir - Mundialista

Apesar dos erros, há evolução

“Um conservador é um homem com duas pernas perfeitamente boas que, no entanto, nunca aprendeu a andar para a frente”, definiu sibilinamente Franklin Roosevelt, quatro vezes eleito presidente dos Estados Unidos e santo mais venerado no altar do Partido Democrata americano. Detalhe: ele perdeu aos 39 anos o uso das pernas, por uma doença devastadora que pode ter sido paralisia infantil ou a pouco conhecida à época síndrome de Guillain-Barré
 
 Duas mulheres conservadoras, embora de correntes muito diferentes, estão desafiando neste momento a definição de Roosevelt: querem andar para a frente — mesmo que deixem um rasto de choque e espanto à sua passagem. Uma delas é Liz Truss, a nova primeira-ministra britânica. Ela sempre foi considerada pela elite conservadora como segundo time e até ridicularizada por querer imitar as roupas de Margaret Thatcher. Agora, está sendo execrada pelo pacote de medidas econômicas que simplesmente implodiu o consenso reinante sobre economia. 
O tsunami de cortes de impostos, desburocratização e incentivos à competitividade que o ministro da Economia de Liz Truss, Kwasi Kwarteng, anunciou levou um comentarista a escrever que precisou “se beliscar para ter certeza de que não estava sonhando, que não havia sido transportado para uma terra distante onde as pessoas realmente acreditam nos princípios econômicos de Milton Friedman e Hayek”.

“Liz Truss e Meloni terão de mostrar se vieram para construir ou, involuntariamente, derrubar a casa”

É uma experiência arriscadíssima num momento de inflação alta, crise energética, desvalorização da moeda e aumento dos gastos públicos. Para os simpatizantes, é a sirene da polícia que anuncia a chegada da salvação nos minutos finais do filme. 

Os adversários, inclusive à direita, acham que Liz Truss, ao querer ser mais Thatcher do que Thatcher, sem a férrea disciplina fiscal da Dama idem, assinou não só a própria sentença de morte como a de todo o Partido Conservador. O que seria uma master class de liberalismo econômico de repente pendeu para uma catástrofe em câmera acelerada. Liz Truss teve as ideias certas no momento errado ou as erradas no pior momento possível?

O que acontecerá na Itália com um governo liderado por Giorgia Meloni também responderá a perguntas importantes. 
Poderá ela se redimir das origens neofascistas, a praga que assombra a extrema direita europeia? 
Existe lugar num país da Europa Ocidental para uma direita nacionalista à la Trump? [Na América do Sul existe um: BRASIL = próximo aos ideais de Marine Le Pen.]
 Propiciará uma política econômica estatista mais parecida com as ideias de Marine Le Pen e irreconhecível para os que pensam como a quase libertária Liz Truss?

Numa coisa ela já evoluiu: saltou do bonde das simpatias da direita populista por Vladimir Putin, aclamado como um defensor de princípios tradicionais e cristãos. [fechamos com essa definição dos ideais  do presidente russo Putin.] Foi um dos maiores erros dessa corrente política nos últimos tempos. Putin é o homem que condecorou militares que estupraram, torturaram e assassinaram civis. A Ucrânia, ao contrário, encarna valores venerados pela direita: liberdade, independência, patriotismo, bravura — e paixão por armas bem grandes. [A Ucrânia tem a sua versão e a Rússia também; o ponto em comum é que a guerra  em curso é de desgaste, só acabando com o fim da Ucrânia ou Zelenski sendo afastado.] Giorgia Meloni sempre cita Roger Scruton, a face refinada do conservadorismo contemporâneo, e sua síntese do que ele significa: “As coisas boas são facilmente destruídas, mas não facilmente criadas”.

Ela e Liz Truss terão de mostrar se vieram para construir ou, involuntariamente, derrubar a casa.

Publicado em VEJA, edição nº 2809 de 5 de outubro de 2022, 


 


 

sábado, 23 de outubro de 2021

Liberalismo é bolsa modess e prisão arbitrária - VOZES

Bruna Frascolla

No século XVII deu-se, na Inglaterra, um fenômeno que marcaria para sempre a História Ocidental. 
O filósofo John Locke percorreu as ruas de Londres mostrando a sua invenção: o modess. 
Antes de Locke, as fêmeas da espécie humana viviam na mais absoluta indignidade, num problema conhecido desde tempos bíblicos como “pobreza menstrual”. Antes de Locke inventar o modess, as pessoas com vagina não aprendiam a ler, pois não iam à escola. Não trabalhavam, pois não podiam sair de casa. 
Viviam assim reclusas como as fêmeas humanas das teocracias islâmicas, que não têm modess, aí ficam dentro de casa.

De posse do modess, John Locke foi ao rei dizer: “Vossa Alteza Real deveríeis usar os impostos arrecadados para comprar modess e distribuir às vossas súditas que padecem de pobreza menstrual.” O rei achou uma brilhante ideia, criou o Imposto do Modess e colocou John Locke como Superintendente de Modess, cuidando do fabrico e compra do objeto.

Infelizmente os súditos, reacionários e obscurantistas, se revoltaram e disseram que não queriam pagar mais impostos. Exigiram que o rei só os criasse mediante autorização do Parlamento por eles eleito. Aí o Rei olhou para aquilo, disse “Isso é discurso de ódio” e mandou todo mundo pra prisão.

Esse evento passou à História com o nome de Revolução Gloriosa, e a doutrina que dele emergiu chama-se Liberalismo. Desde então a Civilização Ocidental progride graças à distribuição de modess para pessoas que menstruam e à prisão de quem pratica discurso de ódio.
Post scriptum


Se alguém achou que este texto não corresponde à realidade dos fatos, peça esclarecimentos ao Movimento Brasil Livre, ao Livres e ao Partido Novo. Mas peça com jeitinho e muita humildade, para não passar por bolsonarista e ser enquadrado em discurso de ódio.

Esses grupos, que tomam a palavra “liberalismo” como um rótulo elogioso a ser outorgado ou cassado, estavam até o presente mês jurando que a distribuição estatal de absorventes descartáveis era super compatível com o liberalismo e que quem discorda é mau como um pica-pau – ou seja, um abominável bolsonarista. E contra bolsonarista pode tudo, afinal, é para combater o ódio.

Nem bem defenderam um projeto estatista tão suscetível à corrupção, passaram a cassar (pela enésima vez) o título de liberal de Bolsonaro – que não se elegeu com crachá de liberal puro sangue. Se o Brasil quisesse um liberal puro sangue, teria votado em Amoedo. Que a esta altura bem poderia estar fazendo uma deskulakização, que os “liberais” fundamentariam com alguma citação da fase socialista de Mill ou com apelos retóricos à igualdade de oportunidades. Os kulaks seriam acusados de discurso de ódio e de fake news.

As autoridades querem prender mais um cidadão brasileiro, sem o devido processo legal, por crime de opinião. E os “liberais” não têm nada a dizer sobre isso. Porque compatível com o liberalismo é bolsa modess, mas não liberdade de expressão, nem devido processo legal, nem divisão do poder.

Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Bolsonarismo, conservadorismo e liberalismo - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Unidos na eleição de 2018, diferenciações e divergências vão se tornando mais nítidas

Jair Bolsonaro, em sua eleição, conseguiu encarnar a força do antilogismo, congregando em torno de si três correntes de ideias que, naquele então, apareceram juntas na luta contra um inimigo comum: a extrema direita, os conservadores e os liberais. Compareceram amalgamados, unidos, mesmo indistintos, prometendo uma regeneração nacional, contra a corrupção e os políticos que a ela tinham aderido.

A concepção propriamente de extrema direita, embora já presente, foi progressivamente ganhando forma, exercendo forte influência graças à família presidencial e à captura de ministérios importantes. Os conservadores, bem delineados, surgiram na defesa de valores morais, tendo como representantes principais os evangélicos. Os liberais apresentaram-se, principalmente, sob a pauta do liberalismo econômico e menos sob a forma do liberalismo político.

No entanto, nestes mais de dois anos transcorridos, as diferenciações e divergências internas foram se tornando mais nítidas, embora algumas ainda não se tenham configurado completamente. Por exemplo, o liberalismo econômico já foi praticamente deixado de lado, apesar de o ministro da Economia continuar no poder como figurante de um governo de extrema direita, afeito a intervenções em empresas públicas, abandono das reformas, irresponsabilidade fiscal e ausência de privatizações. Sobra apenas um fiapo de discurso e práticas liberais.

No que diz respeito ao conservadorismo, ele continua ainda aderido à extrema direita, apesar de fissuras se fazerem cada vez mais presentes. Os evangélicos prezam a solidariedade, a compaixão, os valores morais, são reconhecidos como pessoas que reverenciam as virtudes e o trabalho, logo, não podem compactuar com o tratamento que o bolsonarismo dispensa à morte, à doença, o seu desprezo pela vida. Quando a morte e a doença batem à porta, pelo descaso e pela inépcia governamentais, um limite está sendo ultrapassado. Não há nenhuma gracinha na “gripezinha” e nos efeitos da vacina criando caudas de jacaré. O que há, sim, é um completo menosprezo por valores religiosos e morais.

Os traços principais da extrema direita no poder são:  
1) A concepção da política baseada na distinção entre amigos e inimigos. Todo aquele que não segue as ordens do clã presidencial é considerado inimigo efetivo ou potencial, seja ele real ou imaginário. Afirma-se, assim, o ódio ao próximo. 
2) A sociedade e o mundo em geral são vistos pelo prisma de uma teoria conspiratória, com inimigos invisíveis urdindo um grande complô internacional, sendo o atual governo o bastião de “valores”, evidentemente os seus. 
3) O presidente considera-se investido de uma missão de caráter absoluto, como se tudo por ele proferido devesse ser simplesmente acatado, no estilo ele manda e os outros obedecem. 
4) Deduz-se daí um culto à personalidade, particularmente presente em sua apresentação de si como se fosse um mito, uma espécie de messias, numa deturpação dos valores religiosos. 
5) A destruição e a morte tornam-se traços principais dessa arte de (des)governar, com as instituições representativas, liberais, sendo atacadas e dando livre circulação ao coronavírus, com atrasos, incompetência e tergiversações sobre vacinas, apregoando o contágio por aglomerações e ausência do uso de máscaras. A morte pode circular livremente!

Ora, o conservadorismo no Brasil, fortemente ancorado em valores morais de cunho religioso, está baseado no amor ao próximo, e não em sua exclusão ou potencial eliminação. Sua expressão política na representação parlamentar se faz pelo diálogo e pela negociação, o outro não podendo ser tomado como inimigo. Mais precisamente, não haveria como aceitar o culto à personalidade, muito menos ordens a serem simplesmente acatadas, pois, nesse caso, o poder laico estaria adotando uma forma religiosa. E conforme assinalado, a vida é algo sagrado, não pode ser tratada com incúria e desprezo. Torna-se nítido que o conservadorismo começa a distanciar-se do bolsonarismo, embora sua imagem continue atrelada a ele.

Quanto ao liberalismo, se o seu componente econômico já está sendo relegado a uma posição secundária, se não irrelevante, outro valor seu começa a ser contaminado, a saber, a sua feição propriamente política. Vocações autoritárias do bolsonarismo são inadmissíveis para um liberal. A política enquanto distinção amigo/inimigo é o contraponto de tudo o que essa concepção defendeu no transcurso de sua história. O culto à personalidade lembra tanto o stalinismo quanto o nazismo e o fascismo, com a glorificação e a santificação do líder máximo. A distinção dos Poderes, tão cara, está sendo cotidianamente testada, como se as instituições representativas fosse um obstáculo ao exercício do poder que devesse ser eliminado.

Eis alguns aspectos que serão centrais nas próximas eleições e para o destino do País, cujas distinções aparecerão mais claramente numa abertura para o futuro – isso se algumas dessas correntes não optarem por um jogo de esconde-esconde, do qual o bolsonarismo sairá vencedor.

Mais vale prevenir do que remediar.

 Denis Lerrer Rosenfield, professor de  filosofia - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 5 de março de 2020

Não cresce - J. R.Guzzo


O Estado de S. Paulo

O crescimento da economia do Brasil em 2019 foi uma droga, mas não adianta querer provar que a ‘política econômica’ do governo está errada; é justamente o oposto

Vamos combinar, desde logo, uma coisa simples, para não perder tempo com conversa difícil e sem recheio: o crescimento da economia do Brasil em 2019 foi uma droga. Deu 1% (fica bobo dizer que foi 1,1%) e com um número desses não adianta discutir, nem dizer “veja bem”. É ruim. Para um país que precisa crescer como o Brasil, é muito ruim. É verdade que o PIB da Itália não cresceu nem esse miserável 1% em 2019, e o da Alemanha menos ainda. Mas o brasileiro não vive na Itália, nem na Alemanha, e nem no resto do mundo desenvolvido que não cresceu. Vive aqui mesmoe é aqui que a sua vida tem de melhorar, porque ela não pode ficar parada onde está. É o contrário do que acontece nos países ricos, onde ficar no mesmo lugar não é nenhuma vergonha. Ficar parado, no Brasil, só não é pior do que andar para trás.


Há muita pouca dúvida sobre o que o 1% de crescimento em 2019 ensina: é indispensável melhorar isso, mas não adianta nada sair correndo feito um louco por aí para querer provar, na base de conversa de mesa redonda em televisão, que a “política econômica” do governo está errada. Pior: que é preciso, para resolver a estagnação, fazer tudo ao contrário do que está sendo feito. É justamente o oposto. A única esperança está na possibilidade de continuar, acelerar e aprofundar ao máximo tudo aquilo que a política econômica está lutando para fazer. 

Bolsonaro vai com humorista para a porta do Palácio da Alvorada


O Brasil não cresce porque é um carro que está com o motor fundido há muitos anos. Ou entra na oficina, como entrou há um ano atrás, e começa a ser consertado direito, com tempo, as ferramentas certas e mecânicos que sabem o que estão fazendo, ou vai continuar essa lástima que é – onde milhões de pessoas trabalham, dão na chave de partida todo santo dia e o carro não pega. Como se diz em economês e em mercadês, esse 1% já estava “contratado”: com o Brasil na situação que havia em janeiro de 2019, o resultado em dezembro não poderia mesmo ser outro.

Falam, agora, em “frustração”. Frustração para quem? Só se for para os economistas que no fim de 2018 previam crescimento de “2% ou 2,5%” para o ano passado – uma bela mixaria, aliás – erraram e agora vem a público reclamar do “liberalismo”. O que o Brasil precisa não é de palpites. É das reformas profundas que resiste tanto em fazer. Enquanto elas não vierem e começarem a gerar efeitos, a economia continuará parada.

J. R. Guzzo - O Estado de S. Paulo


domingo, 8 de dezembro de 2019

Sobre raposas e ouriços - Nas entrelinhas

“Os indivíduos de sociedades pluralistas pertencem a diversas coletividades, cada qual com sua identidade. Por isso mesmo, a imposição de uma única identidade está na gênese dos conflitos raciais, religiosos e étnicos”

Em tempos de radicalização ideológica direita versus esquerda, um pouco de John Stuart Mill não faz mal a ninguém, parafraseando o velho ditado que compara a prudência ao caldo de galinha. Há quase 200 anos, o teórico liberal inglês do século XIX, no rastro de John Locke, o pai do liberalismo e da Declaração de Independência americana, marco das democracias modernas, foi um crítico da “tirania da maioria”. Ao examinar as mudanças políticas que ocorriam em meados do século XIX, com a formação de governos eleitos, Mill procurou delimitar a fronteira entre o controle social e a liberdade individual. O tema é atualíssimo, principalmente na conjuntura em que vivemos.

Mill advertia que governos eleitos selecionam as visões da maioria e, muitas vezes, acabam por oprimir a minoria. Essa tendência é reforçada pela opinião pública, que se move pelo interesse próprio e imediato, em bases arraigadas, pela comoção, pela influência religiosa ou pela tradição. Não poucas vezes, no âmago das questões, maiorias conjunturais refletem velhos interesses de grupos dominantes da sociedade. O longo e glorioso reinado da Rainha Vitória (1838-1901), em meados do século XIX, foi o pano de fundo das ideias de Mill.

A Era Vitoriana foi marcada pelo binômio paz e prosperidade, com os lucros adquiridos a partir da expansão do Império Britânico, no auge e consolidação da Revolução Industrial e do surgimento de novas invenções. Três gigantes do pensamento ocidental surgiram nessa época: Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx. Apesar da emergência de uma grande classe média e dos avanços da ciência, da compreensão do indivíduo e da dinâmica econômica, essa época também foi marcada na Inglaterra por rígidos costumes, moralismo social e sexual, fundamentalismo religioso e muita exploração capitalista.

Nesse contexto, Mill tenta estabelecer um ponto de equilíbrio entre a autonomia individual e a interferência governamental. A chave é o “princípio do dano”, hoje consagrado no direito: a sociedade só pode interferir na vida do indivíduo, de maneira justificada, para impedir que cause dano a outra pessoa. “Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”, defende Mill. Parece trivial, na prática, porém, é mais complicado, porque o princípio se aplica ao pensamento, à expressão de opinião e também às ações. Entretanto, foram essas as premissas dos novos conhecimentos e da inovação. À época, a Europa vivia a plenitude do Iluminismo, enquanto o peso da tradição e a rigidez do mandarinato estagnavam a China, a grande potência do planeta por milênios.

Pluralismo progressista
Liberdade de pensamento, de gostos e objetivos e de associação entre os indivíduos fizeram a grande diferença. Um fragmento de poema do filósofo grego Anquiloco de Paros (século 7 a.C), citado pelo pensador inglês Isaiah Berlin, num ensaio literário sobre Tolstoi, ajuda a entender a razão: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe apenas uma coisa importante”. Existe um grande abismo entre aqueles que, por um lado, relacionam tudo a uma única visão central, um princípio organizador universal em termos do qual tudo que eles são e dizem encontra significado — e, do outro lado, aqueles que perseguem vários objetivos, frequentemente não relacionados e mesmo contraditórios. Estes últimos levam vidas, agem e contemplam ideias que são centrífugas ao invés de centrípetas; seu pensamento é diverso ou difuso, movendo-se em muitos níveis, aproveitando-se da essência de uma vasta variedade de experiências e objetos. “O primeiro tipo de intelectual e personalidade artística pertence aos ouriços, o segundo às raposas…”, dizia Berlin.

A vida atual, cada vez mais organizada em redes, corrobora a analogia, inclusive na política. Prêmio Nobel de 1998, o economista indiano Amartya Sen foi um dos que observou o fato de que os indivíduos de sociedades pluralistas pertencem a diversas coletividades, cada qual com sua identidade. Por isso mesmo, a imposição de uma única identidade, que açambarca e define tudo, está na gênese dos conflitos raciais, religiosos e étnicos. Essa diversidade é uma das causas do declínio dos velhos partidos políticos, com a ultrapassagem da sociedade industrial estruturada em classes bem definidas, e, contraditoriamente, do surgimento de movimentos regressivos, pautados pela xenofobia, pela homofobia e pelo reacionarismo político.

No Brasil, estamos vivendo um momento na vida política em que essas tendências emergem com muita força, seja pela via do sectarismo ideológico e obscurantista oficial, seja pela recidiva “classista” por parte da oposição, daí a oportunidade desse resgate do velho Stuart Mill. Não à toa, desde as manifestações de 2013, surgem movimentos cívicos de caráter liberal que se contrapõem, no plano político, ao “hegemonismo” de direita ou de esquerda. Esses movimentos — por exemplo, Acredito, Livres, Raps, Renova-BR etc. — refletem a diversidade de opiniões da sociedade e buscam, pela via da política liberal, uma sociedade mais moderna e pluralista. Esse liberalismo progressista não subordina os direitos humanos e a democracia ao desempenho da economia e pode ser um fator de renovação dos costumes políticos e dos partidos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


domingo, 10 de dezembro de 2017

O selo do liberal

Conforme escrevi aqui na coluna passada, o liberalismo está na moda e todos querem tirar uma casquinha dele, vestir a jaqueta de liberal. O Instituto Liberal, tradicional representante do movimento no Brasil, atuando desde a década de 1980, pode colaborar para separar o joio do trigo, detectando os oportunistas de plantão. Sugeri com base nisso a criação de um selo de qualidade para testar quais candidatos realmente se comprometem com nossos valores e princípios.

A ideia é bem simples: de dez itens fundamentais, o candidato precisa concordar com ao menos sete. Caso contrário, não merece usar o selo de liberal. O candidato liberal, para executivo ou legislativo, deve se comprometer a:

1) defender a privatização das estatais, incluindo Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, partindo da premissa que não cabe ao Estado ser gestor de empresas ou banqueiro;
2) jamais votar por qualquer medida de aumento de impostos, partindo da premissa que já temos uma carga tributária indecente em nosso País, e respeitar o equilíbrio fiscal, com o foco no corte de gastos do governo, especialmente de privilégios para funcionários públicos;
3) sustentar um banco central independente com metas claras de inflação e nada mais;
4) tratar a reforma previdenciária como prioridade, sendo o ideal a criação de contas individuais de capitalização, para por fim ao esquema coletivista de pirâmide do atual INSS;
5) considerar o FGTS roubo e defender que o trabalhador deve ter o direito de escolher onde aplicar os seus próprios recursos;
6) lutar por uma radical reforma de flexibilização da CLT, para colocar fim nesse modelo fascista e marxista que trata patrão como explorador e empregado como oprimido;
7) não votar a favor de qualquer medida que represente aumento da nossa burocracia estatal, já em patamares absurdos;
8) reduzir o protecionismo comercial e abrir nossa economia de verdade, para deixar a livre concorrência fazer o seu “milagre”;
9) apoiar o projeto Escola Sem Partido, que pretende acabar com a doutrinação ideológica em nossas escolas e combater a ideologia de gênero imposta a nossos alunos, assim como pregar o voucher;
10) defender o direito legítimo de o cidadão de bem portar armas para se defender e revogar o Estatuto do Desarmamento em vigência a despeito da escolha popular. 



Existem muito mais coisas importantes, mas essa já seria uma excelente agenda liberal. Ninguém pode pretender usar o rótulo sem defender um drástico enxugamento do Estado, reduzindo burocracia, impostos e privilégios, e combatendo com rigor o MST, as máfias sindicais e as ONGs “progressistas” bancadas pelo governo. E então, seu candidato é mesmo um liberal ou só finge? Cobre dele o selo IL de qualidade!


O seu candidato é mesmo um liberal ou só finge? Cobre dele o selo IL de qualidade!

[somos quase liberais;  
- em um exame rápido, entendemos que os itens do decálogo, numerados em vermelho, apesar de válidos,  merecem pequenas adaptações, que não sendo feitas, merecem nossa rejeição integral ao item, se tornando, ao nosso ver, inaceitável -  mesmo que por isso nos cassem a 'honra' de ser considerado um liberal; 
- as adaptações podem exigir supressões ou adições;
No parágrafo que segue o decálogo,  os itens destacados em vermelho estão entre os que devem constar textualmente do decálogo e a rejeição de um deles, já é suficiente para alijar, o decálogo, de referência para se efetuar uma clasificação de liberal.]

 Rodrigo Constantino, economista