É um homem digno que só busca o bem
[O Prêmio Nobel, com destaque para o Nobel da Paz, já representou uma grande honraria, motivo de intensa satisfação por parte do laureado, dos que o admiravam e por representar um justo reconhecimento a quem se destacou com honra no campo em que foi homenageado.
Mas, de uns tempos para cá, o Nobel foi se desvalorizando - os homenageados passaram a ser escolhidos por um certo bairrismo e dentro do 'politicamente correto'.
Um único exemplo da desvalorização da homenagem:
Quando o presidiário Lula, ex-informante do DOPS, ex-presidente da República, o maior ladrão do Brasil, atualmente puxando cadeia por corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, e outros crimes - teve sua sentença condenatória confirmada em todas as instâncias do Poder Judiciário - teve seu nome seriamente cogitado para ser agraciado com a honraria, o Prêmio Nobel acabou-se.
Que mal faz Raoni ser indicado - será, no máximo, mais uma péssima indicação.]
Já em 1984 Raoni Metuktire era um dos maiores líderes indígenas
brasileiros e o principal chefe da etnia caiapó.
Meu primeiro encontro
com o cacique pode parecer bizarro e levantar suspeitas sobre sua
sensatez e serenidade. Como repórter da extinta TV Manchete,
fui até uma
aldeia caiapó no Xingu para cobrir a libertação de cinco sertanistas da
Funai que Raoni mantivera sequestrados numa das muitas disputas que
travava em torno da demarcação da sua reserva no Xingu. Quando Raoni
saiu vitorioso do episódio, os sertanistas sequestrados, que também
estavam do lado da causa indígena, festejaram mais a vitória do cacique
do que a sua própria libertação.
Raoni já tinha o porte majestoso que mantém até hoje. Era ao mesmo tempo
doce e duro.
A luta pela demarcação definitiva d
o Parque do Xingu,
criado pelos irmãos Villas Bôas em 1961, se estendeu no tempo e se
desdobrou em outros momentos importantes. Um dos mais emblemáticos
ocorreu no dia em que o cacique enfrentou
Mário Andreazza, o último
ministro dos Transportes do regime militar. Pintado de vermelho para a
guerra e portando uma borduna, o líder indígena se reuniu com Andreazza e
produziu uma frase que entrou para a história. Ao final do encontro, o
ministro disse para Raoni que o considerava um amigo e ouviu a seguinte
resposta de um índio insatisfeito com o resultado da reunião: “Aceito
ser amigo, mas você tem que ouvir o índio”.
Não ocorreu no governo militar a demarcação do Xingu, mas apenas em
1993. Antes disso, o mais carismático líder indígena brasileiro recebeu
em Altamira, no Pará, o
cantor Sting, que estava então no auge da sua
popularidade. Também fiz a cobertura jornalística deste encontro, que
durou quase uma semana, mas já pelo
GLOBO. Foi um evento memorável.
Jornalistas de diversos veículos estrangeiros e dos principais órgãos
brasileiros se amontoaram em pequenos hotéis, casas alugadas de famílias
locais ou acampados dentro de um ginásio de esportes, para acompanhar a
reunião. Sting era a celebridade, mas quem se destacou foi o índio
botocudo, que desde os 15 anos tem implantado no seu lábio inferior um
grande disco de madeira pintada que o distingue de todos. Sting virou
coadjuvante.
Raoni nunca fala alto, embora seja sempre firme. Não se conhece episódio
em que tenha agredido fisicamente alguém, embora seu porte atlético
seja assustador. Raoni, que há um mês foi recebido pelo presidente da
França, Emmanuel Macron, não se surpreendeu com o
Palácio do Eliseu
porque lá já estivera uma vez, no ano 2000, quando foi recebido pelo
então presidente
Jacques Chirac. Pompa não é novidade para este líder
guerreiro. Ele já esteve em outros palácios com
presidentes, reis e
Papas, e nunca se deslumbrou. Seu sorriso é comedido, para não dizer
raro, seu ar é sério e seu discurso é coerente. Não há por que
demonstrar felicidade, entende o cacique. Sua luta, que um dia foi por
demarcação de terra, hoje é em defesa dos direitos e da dignidade dos
povos indígenas.
Raoni é um patrimônio brasileiro que atravessou todos os governos
militares e depois os civis que se sucederam até aqui. Contra todos se
insurgiu. Contra todos levantou sua borduna e se pintou de vermelho.
Seus detratores gostam de dizer que ele é produto da mídia, por causa do
botoque e porque gosta de usar cocares coloridos. E também porque anda
com rainhas e Papas. Parece desrespeito ou preconceito. Quem sabe,
despeito.
Essas pessoas tampouco respeitavam Juruna, outro líder
indígena que se destacou por gravar promessas vãs de autoridades em um
velho gravador de fita cassete. E que um dia virou deputado federal.
Raoni merece cada um dos salamaleques que recebe em suas andanças pelo
país e pelo mundo afora. É um do maiores e mais autênticos brasileiros
de todos os tempos. Um homem digno que só busca o bem. O bem coletivo,
para o seu povo, para os seus irmãos. Sua lembrança para o
Prêmio Nobel
da Paz é justa. Não apenas porque um dia atacou o governo de Jair
Bolsonaro ou porque foi objeto da sua fúria no discurso da ONU. Não!
Raoni merece o Prêmio Nobel da Paz porque é em seu nome que vem lutando
desde que viu pela primeira vez um homem branco, em 1954, aos 23 anos de
idade.
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