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terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Educadores, tremei! - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo


A TV Escola vai acabar ou virar veículo de propaganda da extrema direita?
O ano vai terminando, mas o presidente Jair Bolsonaro parecer disposto a atrair chuvas e trovoadas e causar marola até o último dia, o último minuto. Xingar o patrono da Educação brasileira de “energúmeno”? Acusar a TV Escola de ser esquerdista e “deseducar”? É, no mínimo, chocante.  Energúmeno significa endemoniado, possuído, mas costuma ser usado para denegrir a imagem de alguém como idiota, louco, bobo, às vezes fanático e exaltado. Quem, em sã consciência, pode achar que Paulo Freire é merecedor de algum desses adjetivos? Um homem que dedicou a vida à educação, sonhou e trabalhou pela igualdade, pelos direitos dos mais desvalidos, pela consciência coletiva de que, sem condições iguais na largada, ou na infância, o Brasil jamais será um país igual para todos.

Fica ainda mais trágico quando quem chama Paulo Freire de endemoniado enaltece demônios como Pinochet, Stroessner, Brilhante Ustra. Freire lutou pela vida, pelo bem. Os ídolos do presidente geraram morte, tortura, desaparecimentos, destroçando vidas e famílias cruelmente. Nada anda na educação, que acaba de perder mais um ano e acumula déficits há décadas (inclusive porque jogaram fora os princípios e métodos de Paulo Freire). Veio o patético Vélez Rodriguez, que demorou, mas caiu. Veio o performático Abraham Weintraub, que está demorando e, segundo Bolsonaro, não vai cair. E a política para o ensino básico, o ensino médio, o ensino superior? Ninguém sabe, ninguém viu. No MEC, o foco está em ideologia.

Só se ouve um ministro mandar professores e alunos decorarem e entoarem o slogan de campanha do presidente da República e o outro acusar as universidades de só servirem para “balbúrdia” e plantação de maconha, enquanto imita Gene Kelly num vídeo, faz palhaçadas em outro, ataca todo mundo e não perdoa nem Paulo Guedes.  E por que o presidente Bolsonaro avisa que não vai demitir ministro nenhum e classifica Weintraub como “excelente”? Provavelmente porque o ministro da Educação participa de um amplo plano político para 2020, quando haverá eleições municipais.

Sem partido, depois de abandonar o PSL e os laranjais, Bolsonaro pode não ter condições para viabilizar o Aliança pelo Brasil a tempo de concorrer a prefeituras e câmaras legislativas. Logo, ele precisa de um plano B para eleger os futuros militantes da nova sigla. A campanha maciça pela internet, tão eficaz na eleição de 2018, tende a ser de novo importante, mas não tão determinante em 2020. Eleição municipal exige presença, cara, voz, líder local. E onde se encontram esses fatores de campanha? No caso de Bolsonaro e de seu futuro partido, nos templos evangélicos e nas escolas. Sempre haverá pastores, pais e professores prontos a acreditar que “ser de direita” é ser isso aí
contra a igualdade, a educação inclusiva, o respeito às diferenças, os direitos das minorias. [igualdade em exagero prejudica - citando regra comum = igualdade para todos, mas, respeitando as desigualdades; 
educação inclusiva é eufemismo para agredir a moral, deseducar nossas crianças, disseminação da imoralidade;
respeito as diferenças, tem que ser limitado e sem contrariar a natureza;
direitos para as minorias, estão se tornando excessivos, cassando os direitos das maiorias.]

Enquanto xinga Paulo Freire e promove quem xinga Fernanda Montenegro, Bolsonaro fecha a TV Escola com um pretexto daqui, outro dali, mas no fundo por um único motivo: ele acha, ou foi convencido de que ali só tinha esquerdista.  A TV Escola, porém, não era de esquerda e era muito importante para divulgação de métodos, técnicas e informações relevantes para um nicho específico: professores e estudantes. Com o perfil institucional, não seria justo exigir que competisse com TVs comerciais, mas tinha boa audiência, maior do que a TV Câmara e a TV Senado.

Agora, não se sabe o que é pior: fechar a TV Escola pura e simplesmente ou transformá-la num instrumento de propagação em massa de ideologias conservadoras e virulentas. Ela não era de esquerda, mas pode vir a ser de extrema direita. [mudanças com tendência ao conservadorismo estão se impondo por todo o mundo e o governo do presidente Bolsonaro tem o DEVER de extirpar a ideologia esquerdista e todos os seus procedimentos malévolos.
Gostem ou não o mundo está se tornando conservador.]

Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Discussão acabou sendo sobre quem é contra ou a favor da Lava-Jato, quem quer soltar bandido

O debate sobre os diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e o chefe dos procuradores de Curitiba Deltan Dallagnol, continua onde sempre esteve desde o início, no campo político.  Assim como existem juristas que acreditam que houve exacerbação do papel do juiz, ferindo a imparcialidade, outros consideram normais os contatos e os comentários.

Sendo assim, a discussão se limita a aspectos subjetivos da nossa ordem jurídica processual, e das poucas sugestões práticas que surgiram no debate no Senado foi a do senador Cid Gomes, que propôs mudar a legislação para instituir a figura do juiz de garantias, ou juiz de instrução. Separação entre o juiz que pratica determinados atos decisórios durante a fase investigatória e o juiz que atua na fase da ação penal. Ou seja, juiz que atua no inquérito não pode ser o mesmo do processo.

As limitações dessas duas figuras novas no nosso processo penal seriam definidas pelo Congresso, ouvindo as instituições representativas dos juízes, como a (Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), das associações do Ministério Público.  Esse debate entre correntes distintas no meio jurídico existe porque há uma proposta para incluir a figura do juiz de garantias no Código de Processo Penal em tramitação desde 2010, e não se chega a uma conclusão. O Instituto dos Advogados do Brasil defende, com base em parecer do ex-deputado federal e advogado Miro Teixeira, que juízes, sejam de instrução, sejam os existentes hoje, têm que evitar toda e qualquer participação na fase investigatória. Outros juristas consideram que mesmo hoje é função do juiz do processo coordenar a investigação.

Na sabatina a que se submeteu, por decisão própria, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o hoje ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro desanimou os políticos que o atacaram. Conseguiu levar o debate para o campo dialético, e a discussão acabou sendo sobre quem é contra ou a favor da Lava-Jato, quem quer soltar bandido, o que favorece muito a sua posição quando juiz da Lava-Jato. Ficou claro que o interesse do PT é apenas soltar o ex-presidente Lula, e com isso perde-se a capacidade de contestar o ministro Sergio Moro. Apesar dos apelos dos partidos de oposição, os petistas não conseguiram discutir o tema de maneira genérica, colocando sempre em questão as condenações de Lula.

A oposição, por sinal, não conseguiu se organizar para fazer com Moro o que fez com o ministro da Economia Paulo Guedes, que acabou perdendo a paciência em momentos cruciais. O ministro Moro garantiu que não fez treinamento formal para a sabatina, mas estava bastante tranqüilo na argüição, e teve a seu favor uma bancada em defesa da Lava-Jato.  Uma situação curiosa é que, mesmo os oposicionistas, tentavam a todo custo garantir que não estavam criticando a Operação Lava-Jato, sabendo que a sessão estava sendo televisionada pela TV Câmara.

O que ficou definido na audiência é que o crime cometido foi a invasão de celulares de autoridades brasileiras. Moro fez bem ao negar que seja o Super-Homem que o representa no boneco inflável que aparece nas manifestações e ontem foi colocado em frente ao Congresso. Mas o fato é que enquanto contar com a credibilidade que a maioria lhe concede, e a Lava-Jato for vista como a garantia do combate à corrupção pela população, o ministro Sérgio Moro estará garantido. É o que se chama em linguagem militar Moral high ground. A origem é o conceito de que, para vencer, há que conquistar os níveis mais altos do campo de batalha. É o que Moro está fazendo, com sucesso, até o momento.

Inclusive afirmando, quase ao final da audiência, que se for constatada alguma irregularidade, renunciaria ao cargo de ministro. Pura retórica, mas eficiente, pois se surgirem irregularidades, ele estará inviabilizado politicamente. Moro repetiu com gosto o título de um artigo de um professor de Harvard que dizia "O escândalo que encolheu". A não ser que apareçam coisas verdadeiramente graves, o escândalo, como apresentado pelo site Intercept e pela oposição, está realmente esvaziado. 


Merval Pereira - O Globo

 

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A última sessão



O ano acabou com PMDB e PSDB celebrando um projeto de Lula e Dilma, rejeitado pelo PT e PCdoB sob suspeita de ‘entreguismo’, e com o PSOL festejando um êxito de Temer 

 Nas últimas horas do ano legislativo, o deputado Izalci Lucas (PSD) foi ao microfone:  — Senhoras e senhores parlamentares, eu acabei de receber um telefonema que me preocupou. Disseram-me: “Izalci, estou assistindo à TV Câmara e, sinceramente, não estou entendo nada.”  Alguns riram, até porque nenhum dos 400 deputados era capaz de explicar.

Numa ironia da história, a Câmara terminava 2017 de forma inimaginável: com o PMDB e o PSDB festejando a aprovação de um projeto dos governos Lula e Dilma; o PT e o PCdoB repudiando a iniciativa dos ex-presidentes petistas por suspeita de “entreguismo” ao imperialismo ianque; e o PSOL celebrando um êxito do governo Michel Temer.  Sobrava perplexidade, resumida em versos mal escritos e recitados na tribuna por Pompeo de Mattos (PDT-RS): “Neste ano findo/ Para onde estamos indo?/ O que queremos afinal?”
Decidia-se o Acordo sobre Transportes Aéreos entre o Brasil e os Estados Unidos, negociado pelos governos Lula e Dilma Rousseff.

Por ele, Dilma viajou a Washington em 2012. Na segunda-feira 9 de abril, vestiu um tailleur vermelho e preto e foi à Casa Branca. Encontrou Barack Obama, a bordo de um terno cinza e gravata de listras largas. Assinaram o acordo de “céus abertos” para a aviação civil.  Cinco anos depois, na noite de terça passada, o texto foi à votação na Câmara. O deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) ironizou:  — Vamos fechar o ano votando um projeto da ex-presidenta Dilma. Olhe que moral a bancada do PT vai ter hoje!

O PT reagiu mal.  Rejeitou a própria criação. E, pior, levantou suspeitas de que o projeto favorecia o entreguismo do setor aéreo nacional à sanha imperialista.  — Em defesa da soberania e do povo brasileiro, o partido é contrário a essa proposição — anunciou Erika Kokay (PT-DF), arrematando. — É preciso que neste Parlamento pulse o coração verde e amarelo! Quebrarão as nossas empresas e depois exercerão um monopólio, o que fará com que aumentem o preço das passagens aéreas de forma exorbitante.
 
Ao lado, Marcus Pestana (PSDB-MG) exasperou-se:
— Esse acordo é dos presidentes Lula e Dilma. Agora, só porque é com os EUA, ressurge o fantasma do imperialismo. É impressionante o anacronismo da esquerda brasileira.
Parecia impossível, mas aconteceu: PMDB e PSDB celebraram a aprovação do projeto dos ex-presidentes petistas, que acabara de ser rejeitado com repulsa pelo PT e o PCdoB.  A confusão aumentou quando Chico Alencar (PSOL-RJ), depois de listar as “perdas do povo” com o reformismo governamental durante 2017, proclamou louvores, literalmente, a uma iniciativa do governo Michel Temer:  — Devemos comemorar a liberação dos saques em contas inativas do FGTS.

No tumulto, André Amaral (PMDB-PB) viu um microfone vago, agarrou-o e apelou ao prefeito da sua paraibana Mataraca:  — Recoloquem a estátua do boi Diamante em praça pública. Ele representa a história de luta do povo, e inclusive carregou sua mãe quando foi dar à luz sua irmã: era com a carroça no lombo de Diamante que se faziam todos os serviços na cidade, hoje realizados pelo trator da prefeitura.

E assim terminou o ano da graça de 2017 na Câmara dos Deputados.

José Casado, jornalista - O Globo