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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Casadas com o poder (Última parte) - Augusto Nunes

Revista Oeste

Perto de Marisa Letícia, Janja parece tão discreta quanto uma rainha de bateria Rosemary Noronha, Janja da Silva e Marisa Letícia da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Reprodução/Shutterstock

 Rosemary Noronha, Janja da Silva e Marisa Letícia da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Reprodução/Shutterstock  
 
A expressão “primeira-dama” — com hífen, alertam os dicionários — nunca deu as caras em nenhum artigo, parágrafo ou inciso da Constituição, tampouco foi vista em qualquer organograma do Poder Executivo, fosse qual fosse o ocupante do gabinete no 3° andar do Palácio do Planalto. 
Oficialmente, dividir alcovas, palácios, alegrias ou tristezas com o presidente da República não é função legalmente remunerada, seja em espécie, seja em favores. 
Como ocorre com a first lady dos Estados Unidos, que teria servido de modelo para a versão brasileira, primeira-dama não é cargo; é título. Simples assim, certo? Errado: nada é assim tão simples nestes trêfegos trópicos.

Aqui, o que uma mulher do presidente da República faz ou deixa de fazer depende do temperamento, dos humores e das conveniências do marido. A exceção ficou por conta de Nair de Teffé, com quem Hermes da Fonseca se casou em 1913, logo depois da morte de Orsina da Fonseca. Viúvo de uma típica dona de casa, o sisudo presidente de 55 anos optou pelo avesso. Com apenas 24, a pintora e desenhista Nair invertia o prenome para publicar nos jornais caricaturas em que uma certa Rian zombava dos figurões da República Velha. Até janeiro deste ano, Hermes foi o único presidente a governar o país com duas diferentes primeiras-damas. Agora tem a companhia de Lula, que exerceu dois mandatos casado com Marisa Letícia e começou o terceiro como marido de Rosângela da Silva, a Janja.

O marechal Hermes e Nair, ao lado do cardeal Arcoverde, na escadaria do Palácio Rio Negro, em Petrópolis, depois do casamento religioso | Foto: Wikimedia Commons
O contraste entre a introvertida Orsina da Fonseca e a exuberante Nair de Teffé pode ser reeditado em escala portentosa. Comparada a Marisa Letícia, que em público não fez mais que meia dúzia de declarações, Janja parece tão retraída quanto uma rainha de bateria. Ao longo de 2003, por exemplo, Marisa tentou manter sob controle os movimentos do cônjuge. Instalada numa sala do Palácio do Planalto, entrava no gabinete presidencial assim que o sol se punha para pedir ao marido que chegasse mais cedo em casa. 
Alojada no Palácio da Alvorada, enfeitou o jardim com uma estrela vermelha feita de sálvias. Foi obrigada a desfazer a homenagem ao PT. Mais tarde, tentou mobiliar um sítio e um apartamento com donativos que o presidente em fim de mandato ganhou de empreiteiros agradecidos. Deu cadeia. 
Também sugeriu a indicação para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal do filho de uma vizinha chamado Ricardo Lewandowski. A Corte piorou. Perto do que Dilma Rousseff faria, são pecados veniais.
Nos primeiros quatro anos, Marisa não fez feio no campeonato brasileiro de milhagem a bordo do AeroLula. Mas baixou perigosamente a guarda quando, farta de visitas a países mais pobres que o Brasil, fez a opção preferencial por pousos e decolagens em países europeus bem mais charmosos. As rotas que levavam a grotões da África e da Ásia caíram no colo de uma viajante sempre disponível: Rosemary Noronha.  
Coisa de amadora, deve achar Janja. Aos 56 anos, em seu segundo casamento, a paranaense formada em Sociologia (com mestrado em militância no PT) tem ficado junto com Lula 25 horas por dia. Não quer deixar espaço para outra Rose Noronha.

Ao lado do presidente do Brasil, Janja cumprimentou os governantes estrangeiros com a pose de quem encabeçara uma chapa vitoriosa em que o marido havia figurado como vice

Sem paciência, ela já deixou claro que vai meter-se em tudo. Em vez de esperar a data da coroação, passou a encarnar o papel de primeira-dama um minuto depois de encerrada a apuração do segundo turno. Discursou no comício da vitória na Avenida Paulista, voou com Lula no jatinho que o levou ao Egito para um piquenique ambientalista, não pediu licença ao Gabinete de Transição para pendurar amigos no cabide de empregos do primeiro e segundo escalões, vistoriou minuciosamente o Palácio da Alvorada para saber como estava a célebre criação de Oscar Niemeyer e decidiu que não merecia abrigar o casal real. Precisava de reformas urgentes. Ela nunca se queixou do modesto espaço ocupado por Lula no prédio da Polícia Federal em Curitiba, e noivou na cadeia com a alegria de quem troca alianças numa catedral. Promovida a primeira-dama, parece bem mais exigente.

Janja forneceu uma notável amostra do que é capaz ao nomear-se presidente da comissão organizadora da festa de posse e preparar detalhadamente a espetaculosa aparição inaugural em rede nacional de rádio e televisão. 
Além do próprio traje, a dona da festa resolveu como seriam o ritual da subida da rampa do Planalto, a escolha das atrações artísticas, a triagem da lista de convidados, a decoração do local da solenidade, a entrega da faixa presidencial, o cardápio e a cesta de bebidas, fora o resto. 
Ao lado do presidente do Brasil, cumprimentou os governantes estrangeiros com a pose de quem encabeçara uma chapa vitoriosa em que o marido havia figurado como vice. Não é pouca coisa. Mas era só o começo, demonstrariam as semanas seguintes.
Presenteada com um gabinete no palácio, raramente é vista por lá. Para encontrá-la, deve-se descobrir onde Lula está. Janja estará ao lado. Depois da posse, acompanhou o marido nas viagens à Rússia, à Argentina, ao Uruguai e aos Estados Unidos. Em Washington, permaneceu grudada ao parceiro até na hora da clássica foto em que o presidente anfitrião e o visitante trocam um aperto de mãos. Estranhamente, não compareceu ao ato festivo que celebrou o aniversário do PT. 
 
[mais uma foto mostrando o bom entendimento entre o casal presidencial e o anfitrião.]
 
Solteiro, Lula derramou-se em elogios e gestos carinhosos endereçados à presidente do partido, Gleisi Hoffmann. No dia seguinte, Janja vingou-se: em vez de acompanhar o marido num jantar de gala da companheirada, fez Lula acompanhá-la numa segunda lua de mel na Bahia.
Luiz Inácio Lula da Silva, Janja e Joe Biden na Casa Branca, 
Washington | Foto: Ricardo Stuckert/PR
O namoro no Carnaval em Salvador foi interrompido por algumas horas para que o chefe de governo visitasse por um punhado de horas o Litoral Norte de São Paulo, atingido por temporais devastadores. Janja avisou no Twitter que estava muito triste com o calvário das vítimas. O semblante exibido em dezenas de fotos desmentiu aos gritos o que a primeira-dama escreveu. 
Mas é compreensível o estado de euforia em que vive a mulher que, por anos a fio, lutou com método e bravura para transformar-se na terceira esposa de Lula, na segunda autorizada a usar o título de primeira-dama e na única poupada — até agora — de dividir o cargo com uma segunda dama. 
Enquanto o objeto do desejo esteve preso, Janja perdeu a conta das saudações (“Bom dia, presidente”, “Boa noite, presidente”) que berrava diariamente nas imediações da cadeia para animar a celebridade engaiolada. Isso antes de começarem as visitas ao prisioneiro que abreviaram o namoro, o noivado e o casamento.
 
Lula e Janja trocam frequentes juras de amor, mas é bastante provável que a atual primeira-dama seja assombrada pelo fantasma de Rosemary Noronha. Entre 2004 e 2012, a secretária que José Dirceu apresentou a Lula num bailão do sindicato dos bancários chefiou o escritório da Presidência da República em São Paulo. 
Nesse período, foi incluída na comitiva chefiada por Lula em 20 viagens internacionais e passeou por mais de 30 países. Rose só viajava quando Marisa avisava que preferia ficar em casa. Como seu nome fica fora da lista de passageiros publicada no Diário Oficial, a segunda dama do Brasil talvez se tenha transformado na clandestina com mais horas de voo desde a invenção ao avião.
O expediente aéreo da penetra de estimação começava quando anoitecia. Risonha, as ancas que exigiam poltronas largas balançavam em direção ao dormitório presidencial — e só depois do café da manhã regressavam ao seu lugar na traseira do AeroLula. 
Em terra, seguia a programação oficial com a expressão de quem ignora se está no litoral do Caribe ou num deserto africano. Terminado o jantar, o casal rumava para duas suítes sempre contíguas do hotel 5 estrelas. No solo ou nos céus, as missões cumpridas por Rose consistiam, essencialmente, em garantir que Lula acordasse com a expressão de quem passara a noite tripulando flocos de nuvens extraordinariamente azuis.
 
A farra acabou quando a Polícia Federal descobriu que Rose usava essas relações especiais para conseguir favores — de ingressos para shows de Roberto Carlos à nomeação de amigos vigaristas para a direção de agências reguladoras, passando por outras modalidades de tráfico de influência
Escapou de uma temporada na cadeia graças ao bando de advogados contratados para defendê-la pelo Instituto Lula. 
 
Ela conta com voz magoada que nunca mais conversou com o presidente. Sorri quando lembra que a coisa esquentou às vésperas do segundo mandato, quando Lula começou a escoltar com uma bravata qualquer menção à idade e à possível candidatura à reeleição. “Por que não disputar de novo? Tenho 57 anos e tesão de 30.” Ele já anda falando em mais um mandato. Aos 77, jura que a libido segue estacionada nos 30. Como não foi incluído no inquérito das fake news, Janja que se cuide.
Por acreditar em pesquisas, ficou feliz ao saber que uma lojinha de porcentagens jura que 41% dos brasileiros aprovam seu desempenho. Em qual papel? Em que situação? Fazendo o quê?  
Discursando num palanque? 
 Balbuciando um gracias em Buenos Aires ou um thank you em Washington?
Isso ninguém sabe. O que se sabe é que a política não costuma ser gentil com primeiras-damas. E trata com especial crueldade quem entra com mais de 50 anos num mundo que se deve começar a conhecer ainda nos tempos do berçário.
Rosemary Noronha | Foto: Reprodução/YouTube

Leia também “Casadas com o poder (Primeira parte)”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

 

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Cármen se reúne com vice de Janot; ela deixa claro que não vê condições para outra denúncia

Ministra adia sessão que trataria da suspensão de eventual nova denúncia; e deixa claro a segundo de procurador-geral que o melhor é encerrar o mandato sem fato novo

A muitos acabou escapando que o Supremo tinha uma segunda votação nesta quarta: uma questão de ordem pedindo a suspensão de eventual nova denúncia contra o presidente Michel Temer. E, nesse caso, já afirmei aqui, que não se esperasse nada parecido com unanimidade havida no pedido de suspeição. 

A suspensão se sustenta nas múltiplas evidências, reconhecidas, em parte, inclusive pelo próprio Janot, de que os “colaboradores” da JBS omitiram informações e manipularam o processo de delação. Também se adensam as evidências de que membros do MPF atuaram de forma ilegal nos bastidores. O caso mais escandaloso é o do ex-procurador Marcelo Miller. Por óbvio, cabe a questão; dados o que se sabe e o que próprio procurador-geral admite, a suspensão não será ao menos um ato de prudência?

Mais: nas heterodoxias sem fim de Janot, sabe-se que não há um segundo inquérito. Na verdade, o caso “Lúcio Funaro”, que ancoraria a nova denúncia de Janot, está pendurado no mesmo inquérito que trata das delações dos irmãos Batista e sua turma. É uma lambança! Atenção! O fato de os ministros terem rejeitado a suspeição de Janot não implica que rejeitem também a suspensão de eventual nova denúncia. De toda sorte, este blog apurou que a ministra Cármen Lúcia atua nos bastidores para ver se evita a votação.

E qual é a melhor maneira se obter o que deseja? Simples; basta Janot se abster de apresentar a nova denúncia. De todos os ministros que estão furiosos com a atuação de Janot, a que se sente mais injuriada é Cármen Lúcia. Começam a circular nos bastidores coisas do balacobaco, ditas pelos bandidos premiados, sobre ministros do Supremo. Cedo ou tarde, as barbaridades virão à Luz. Não faltam nem mesmo aleivosias e baixarias contra os ministros no campo, digamos, comportamental, de alcova. São coisa aberrantes, falsas, mas que vão constranger muita gente.

Mais: sabe-se que José Eduardo Cardozo, por exemplo, fez, sim, a sua leitura pessoal sobre cada ministro. Tudo é muito constrangedor.  Nesta quarta, como vimos, Nicolao Dino, vice-procurador-geral, representou Rodrigo Janot na sessão que julgou a sua suspeição. Estava lá em lugar do titular, com a tarefa óbvia de defendê-lo. Nota: se quisesse, Janot poderia ele mesmo ter assumido a tarefa. Mas sempre terá mais credibilidade uma defesa feita por terceiros quando cotejada com o elogio em boca própria.

Muito bem! Cármen Lúcia e todo o Supremo acham que cobras e lagartos aparecerão. E que esses bichos vão acabar levando para o esgoto a nova denúncia contra Temer. Há o risco de o tribunal se negar a suspender um processo que acabará, depois, suspenso pelos fatos. E, por isso, a presidente do Supremo se reuniu, a convite seu, a portas fechadas, com Dino — que, reitere-se, valia ali por Janot.

Este blog apurou que a ministra deu a entender ao vice-procurador — para que este dê a entender a Janot — que a apresentação, agora, de uma nova denúncia, a quatro dias de deixar o cargo, traz turbulências desnecessárias. Gera muito calor e nenhuma luz. 

Cármen, na verdade, quer evitar a sessão que abordaria a suspensão. Ela pretende que não haja o que suspender até que não se conheçam todos os fatos sórdidos dessa história.
E o fio desencapado hoje atende pelo nome de Marcelo Miller. Na avaliação da ministra, o melhor que o procurador-geral tem a fazer é encerrar em paz o seu mandato, deixando para a sua sucessora eventuais decisões sobre a nova denúncia.

Nunca ninguém perdeu dinheiro apostando na irresponsabilidade de Janot. Ou ele não teria conduzido a coisa a tal situação-limite. Mas ele sabe, também, que sua situação se torna mais grave a cada hora. Ainda voltarei a esse ponto.

 Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo