O Estado de S.Paulo
A crise tripla que Bolsonaro enfrenta é inédita e não permite dizer o que vai acontecer
Com a vivência de 28 anos de política em Brasília, provavelmente Jair
Bolsonaro sabe ou pelo menos intui que está, agora, nas mãos de
profissionais. Os do Centrão e os do STF. Na linguagem militar, trata-se
de um formidável movimento de pinça, do qual o presidente tem poucos
recursos para escapar.
O alçapão armou, Bolsonaro está dentro dele e ali ficará debatendo-se em
limites muito estreitos, salvo o imponderável (o número de mortos da
crise de saúde pública e um impeachment são hoje os imponderáveis).
Mantida a situação atual de precário equilíbrio, suas opções são
reduzidas.
Ele criou a armadilha para si mesmo agindo por medo e com muita pressa.
Bolsonaro é um personagem político autêntico e de extraordinária
transparência. Faz questão de reiterar publicamente que se sente sempre o
alvo de uma grande conspiração, integrada por membros da velha
política, imprensa, juízes e ministros do STF, comunistas, ministros com
alta popularidade, governadores – a lista é longa.
Por algum tempo o “cerco” urdido por conspiradores era apenas uma
distorcida percepção da realidade. Hoje, de fato, o presidente está
cercado. Pelos profissionais do Centrão, que dispõem de tempo e de
circunstâncias inesperadamente favoráveis para extrair do presidente o
preço máximo em troca de apoio político.
E pelos profissionais do Judiciário, sobre os quais Bolsonaro tem pouco
ou nenhum tipo de controle. A judicialização da política na era
Bolsonaro assumiu contornos muito semelhantes aos da era Dilma, quando
uma liminar proferida por um integrante do STF a impediu de nomear Lula
como ministro. Desvio de finalidade – o mesmo tipo de figura jurídica da
liminar que bloqueou a nomeação por Bolsonaro de um novo diretor-geral
da Polícia Federal.
Os perigos para Bolsonaro estão hoje no STF – uma instituição contra a
qual seus apoiadores foram mobilizados com a ferocidade e
irresponsabilidade típicas de redes sociais nas quais o presidente
acredita residir seu maior capital político. A figura do presidente já
seria lateralmente atingida por investigações em curso nas quais se
pretende apurar quem e como organizou e financiou campanhas contra o
Judiciário, mas, agora, está no centro do inquérito que o
procurador-geral da República requereu “sem apontar A ou B”. O STF
apontou para o B de Bolsonaro.
Salvo imponderáveis, o Centrão não tem o apetite para tocar adiante um
processo de impeachment. Os parlamentares não enxergam nenhuma vantagem
prática em derrubar o presidente neste momento, e se consideram bem
situados do ponto de vista político em assegurar “governabilidade” que,
nestes dias de enorme crise de saúde pública, significa sobretudo abrir
os cofres públicos para ver como é que fica depois. O movimento para
moer Bolsonaro está vindo do STF.
A preciosa intuição que Bolsonaro exibiu na campanha eleitoral
faltou-lhe agora. Sem que nenhum de seus opositores precisasse se
esforçar, ele mesmo acabou solapando os pilares da sua imagem e está
perdendo rapidamente o apoio em camadas de eleitores que não são tão
numerosos, mas têm peso na propagação e formação de opinião. E, em vez
de evitar comoções, Bolsonaro se esmera em criá-las constantemente. Seu
jeito “autêntico” de ser (como ao dizer “E daí? Que quer que eu faça?”
diante de um recorde de mortos pelo coronavírus) é visto com repulsa em
círculos cada vez mais amplos. [Infelizmente sinceridade não combina com o maldito politicamente correto.]
Como tudo na atualidade, a situação que Bolsonaro enfrenta também é
inédita. Dilma tinha de lidar com uma dupla crise, econômica e política.
A situação de Bolsonaro é de uma tripla crise: a terceira é a pandemia.
Mas não há parâmetros históricos para dizer o que vai acontecer. [Bolsonaro vai virar o jogo - doa a quem doer;não haverá terceiro turno; estupidamente, muitos ainda esperam.]
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo