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terça-feira, 30 de agosto de 2022

Não temos Batman - Carlos Andreazza

Alexandre de Moraes é ministro de Corte constitucional. Não o Batman. Peço vênia pela franqueza. Nada é pessoal. Sou, sobretudo, óbvio. Moraes, ou qualquer outro de seus pares, não tem mandato de pacificador; muito menos de justiceiro
Ainda que diante do pior dos Coringas: não tem. E deveria mesmo zelar pelo esvaziamento de sua presença monocrática. Nada contra a vaidade. Tudo pelo foco. Não temos Batman. Mas há o prestígio de estar no lugar mais alto do Judiciário. Deveria bastar. Um entre os 11. Não um porque entre os 11. 
 
O Supremo não pode ser plataforma para a impulsão moderadora de um juiz onipresente; de repente tranquilo para decidir — para mandar entrar na casa das pessoas e lhes bloquear as contas — com base em reportagem jornalística
Pense-se no efeito cascata disso. Aqui o magistrado se move — mal — a partir de bom jornalismo. Imagine-se, porém, o precedente aberto para canetadas judiciais, Brasil profundo adentro, assentadas em publicações fraudulentas.

A obviedade: a força de uma Corte constitucional está na voz do colegiado. Não no exercício da musculatura individual ao alcance de seus integrantes; o que deveria ser exceção — não abuso.

Abusa-se. Estou à vontade. Denunciei os perigos do inquérito das fake news no dia em que instaurado
Tudo caberia no escopo daquela defesa institucional sem objeto definido, em que a vítima também seria o julgador, antes ainda promotor. 
Aquela largueza sugeria desdobramentos temerários. Era março de 2019; e não tardaria até que produzisse censura contra uma revista, a Crusoé, que publicara reportagem incômoda para o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.

Ali se subiu um degrau nas liberdades para que o relator, Moraes, agisse, porque em defesa da democracia, a seu bel-prazer. Já temos a volta do PowerPoint.

O que é defender a democracia? 
Qual a possível defesa da democracia pelo Supremo? Como um ministro do STF pode defender a democracia? 
Até onde pode avançar, o monocrático, para defendê-la? 
O que a urgência em defendê-la permite? 
Permitimos que se defenda a democracia à margem das balizas republicanas? Vale a pescaria?

Moraes autorizou buscas contra empresários que, em conversas privadas asquerosas, manifestaram predileções golpistas. Sua decisão informa que não há outros elementos fundamentando as medidas — também bloqueio de redes sociais que não simplesmente aquela troca de mensagens estúpidas entre idiotas ricos.

É grotesco. Porque as mensagens, per se, não indicam organização para financiamento de atividade antidemocrática o que seria, aí sim, crime. Não indicam; nem forçando a barra. 
E não será aceitável que um guarda da Constituição, com base somente naquilo, respalde antecipação coercitiva ao que intui ser a fumaça da pretensão golpista. Moraes não tem esse poder. 
 
Não tem o poder de agir com base na previsão de que a estupidez manifestada no zap por endinheirados desaguaria em financiamento à instabilidade no dia da Independência. 
Não tem o poder de ordenar atos para dissuasão escorados em bravatas desprovidas da mais mínima articulação
Não tem mandado para agir preventivamente pela garantia de um 7 de Setembro pacífico. 
Não lhe é papel mover-se estrategicamente para, antecipando ação policial, desencorajar possíveis intenções de bancar ataques à ordem republicana. 
 
O que significará um ministro do Supremo afirmar, sustentado apenas naquelas conversas cretinas, não ter dúvidas “de que as condutas dos investigados indicam a possibilidade de atentados contra a democracia e o Estado de Direito”? 
Que loteria é essa, em que a indicação de possibilidade lastreia certeza materializada em intervenção policial?

Juiz nenhum pode ter tal poder. Advirta-se que, sendo agora esses excessos bacanas, exceções virtuosas, excentricidades que permitimos porque contra o mal, será muito difícil retirar adiante essa autorização caçadora de quem a esbanja. Advirta-se também que a licença que se dá a Moraes vira precedente a um Mendonça.

Não precisamos de mais um herói togado. Herói togado é oximoro que expõe a doença de uma sociedade à procura de mitos. Já os temos muitos. Está aí nossa tragédia. Herói togado é convite à briga de rua; terreno em que o bolsonarismo será imbatível. E aqui não duvido de que Moraes almeje o bem. Bem faria o Supremo, ajudando na pacificação do país, se, em sua máxima expressão, a plenária, impessoal e derradeira, defendesse a matéria constitucional agredida pelo orçamento secreto — corda e caçamba bilionária para a permanência do populismo autocrático que erode a República no Brasil.

Cadê? Isso seria defender a democracia. Moraes não deveria ambicionar o posto de homem que evitou o golpe de Estado. O golpe que está em curso prospera com a omissão do STF. Nem sugerir, aqui e acolá, que a imprensa só reage agora contra suas gestões arbitrárias porque tocaram em empresários potenciais anunciantes. [matéria excelente; só que nessa frase, o ilustre articulista, deixou transparecer a verdadeira motivação da imprensa militante - sempre silenciosa diante de outros supremos abusos - se manifestar criticando a suprema monocracia do ministro Moraes.] Isso, essa fraqueza conspiracionista, é linguagem bolsonarista. A briga de rua contamina mesmo.

Carlos Andreazza, colunista - O Globo


terça-feira, 9 de março de 2021

Derrubar o prédio para afastar o Zelador - Percival Puggina

Para se livrar do presidente da República, a mídia militante vem fazendo isso com o Brasil. Não há limites para a ação cotidiana e dedicação exclusiva.

A oposição propriamente dita retraiu-se perante a persistência e a intensidade com que esses meios de comunicação operam. Num regime de feitio democrático, caberia a ela, claro, antagonizar o governo. No entanto, a fração partidária da oposição opta por discreta contenção. Delega o trabalho diário à mídia, que o executa com superior amplitude e resíduos de presumível credibilidade. Mesmo que a estas alturas seja mera ilusão, a opinião expressa no editorial, a notícia, a manchete de um grande veículo de comunicação parecem mais confiáveis ou isentas do que a fala de quem tem o carimbo político.

Internamente, ademais, vivemos uma convergência incomum entre os interesses ideológicos sempre dominantes nas redações e os interesses empresariais dos veículos da mídia militante. Por motivos diferentes todos querem se livrar do zelador. Vemos a morte da moderação e da prudência.  O que acabei de escrever não desenha, infelizmente, o quadro inteiro. Ele se expande e se agrava pelos reflexos no plano internacional. A contaminação do jornalismo e da cultura do mundo ocidental pela filosofia revolucionária não é menor nem menos ativa lá fora do que aqui no Brasil. Ao contrário, é de lá que vem toda a droga intelectual fumada e cheirada nestes trópicos. São de lá os filósofos canonizados nas cátedras, inspiradores de teses tão estapafúrdias quanto prósperas.  

Por isso, a vitória eleitoral de um candidato conservador no Brasil foi mais indigesta à cultura hoje dominante na Europa do que a vitória de Trump nos Estados Unidos. Lá, o rodízio no poder é sempre um resultado corrente no jogo democrático. Aqui, não. Um quarto de século fluiu com a esquerda embaralhando, dando cartas, jogando de mão e ainda portando coringas de reserva no bolso. Os conservadores e liberais brasileiros foram os otários desse jogo.

A guerra contra o presidente começou logo após as primeiras pesquisas eleitorais. Os laboratórios de linguística aplicada ao charlatanismo político trabalharam febrilmente disparando etiquetas para lhe desconstruir a imagem. Contra essa avalanche, a inabilidade verbal de Bolsonaro não lhe presta serviços, seja na defesa, seja no ataque. No exterior, foi fácil aos interesses políticos, ideológicos, econômicos contrariados empacotar tudo com o rótulo “Brasileiro”.

O processo não parou mais e já vai para o terceiro ano consecutivo. Perder a capacidade de manipulação foi duro golpe para aquela parcela da mídia que se considerava reitora das opiniões, dos costumes e, claro, dos resultados eleitorais. 
Tentando retomar o antigo poder, buscando socorro, vem recebendo intenso e firme apoio externo. 
Estava armado o complô contra o Brasil! 
Nele se unificam apetites amazônicos, inconveniência geopolítica de um governo conservador antagônico ao globalismo em curso no Ocidente e interesses comerciais contrariados pelo competente agrobusiness nacional (nada lhe diz o empenho de tantos em reduzir a área plantada no Brasil?).

Nunca a estatística foi tão manipulada, a matemática tão vilipendiada, uma doença tão politizada. São profissionais da mistificação. E estão destruindo o Brasil para afastar o zelador. Só assim se entende a manchete que, em outros tempos, caracterizaria crime de traição à pátria, encimando matéria (1) de O Globo do dia 5 deste mês de março: “Pária global: Brasil vira 'ameaça sanitária' no mundo”. Quem subscreve e proclama isso não ama o próprio país.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.