A
possibilidade de o Trump ser presidente já é um filme de horror
A
realidade está mais louca do que a ficção. Assim sendo, a ficção tem de ser
muito mais louca do que a realidade. A destruição ambiental, a sordidez
mercantil, a estupidez no poder, o fanatismo do terror, em suma, toda a
tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer crítica. O mal é
tão profundo que denunciá-lo ficou inútil.
Essa anomalia da vida atual
aumenta a tradicional paranoia ocidental, principalmente nos Estados Unidos. E aí surge um
estranho fenômeno que tento entender: a vontade de salvar o país e um desejo
simultâneo de destruí-lo. A América parece querer suicidar-se. Por exemplo, a
possibilidade de o Trump ser presidente já é um filme de horror. Se esse rato
for eleito, aí sim, o mundo pode acabar. [quem
desmoralizou a América foi a eleição e reeleição do Obama, que prestigiou a
desmoralização da família, incentivou a proliferação da praga gay, da
famigerada ideologia de gênero e tudo o mais que conspira contra os valores
tradicionais da cultura ocidental.]
Também na
cultura americana, são impressionantes os filmes de ação e catástrofe que
destroem o país ou o mundo, produzidos por Hollywood. É estranho; imaginem o
cinema francês destruindo Paris sem parar, invadido por alienígenas (aliás, como os terroristas) ou o cinema
brasileiro
arrebentando
o Pão de Açúcar e o Corcovado! Eles
acham isso normal. E lucrativo. Vejam os filmes dos últimos anos: “Independence Day 1”, “Godzilla”, “Armagedom”,
“Terremoto — A falha de San Andreas”, “2012”, “Impacto profundo” e tantos
outros.
Por que esse amor e ódio? Creio que vêm de uma
insatisfação da vida americana atual, uma grande angústia nacional. A América
não sabe mais o que dizer sobre si mesma. Os Estados Unidos eram a “cultura da certeza”. O paraíso
americano era a perfeição do funcionamento. Com o 11 de Setembro, junto com as torres, caíram também a arrogância e
o orgulho da eficiência. Será que esta é a causa desse ataque doentio
contra si mesmos?
Pensando
nessas coisas deprimentes, fui ver o novo “Independence
Day”. Não gostei e concordei com críticos que dizem que o filme é tolo. Um
deles diz: “assistir a alienígenas
explodindo de forma espetacular não é desculpa para passar duas horas no ar
condicionado”. Tenho visto muitos filmes de ação. Já sou entendido nas missões impossíveis, nas porradas, nas cidades
destruídas, nas armas assassinas. Nunca o cinema foi tão útil para
esquecermos o mundo atual e nunca os filmes foram tão brutais para, pelo avesso,
exorcizar o medo da morte.
Na sala
de cinema, sinto-me dentro de uma máquina de sensações programadas. Não há mais
tempo para um filme ser visto, refletido, com choro, risos, vida. No escuro, mergulho em suspense, em prazeres sádicos,
em assassinatos explosivos, em vinganças sem fim, narrados como uma
ventania, como uma tempestade de “planos”
(cenas) curtos, nunca mais longos do que 4 segundos, tudo tocado por
orquestras sinfônicas plagiando Ravel para cenas românticas ou Stravinsky para
violências e guerras.
O conflito é permanente, de modo
a impedir o espectador de ver seus conflitos internos. Não podemos desgrudar os olhos
da tela. O desejo dos produtores é justamente apagar o drama humano dentro de
nossas cabeças. Os filmes comerciais antigos apelavam para a comoção das
plateias, estórias onde o “bem” era
recompensado, onde o amor movia personagens, onde chorávamos ou riamos desde o
Gordo e o Magro até Hitchcock. Logo depois da Guerra Fria, os filmes mostravam
uma América em “frenética lua de mel”
consigo mesma. Obras-primas como “Cantando
na chuva” foram feitas por razões comerciais. Os musicais da Metro eram a
felicidade democrática.
Hoje,
passamos por emoções que nos exaurem como se fossemos personagens dentro
daqueles mundos em 3D, de pedras e balas que voam e nos fazem em pedaços
espalhados pela sala, junto com os copos de Coca-Cola e sacos de pipocas. Somos
pipocas nesses filmes. É uma nova dramaturgia de Hollywood: a estética do
videogame, onde a personagem principal não é mais o “outro”, mas nós mesmos, com o “joystick”
na mão e nenhuma ideia na cabeça.
Os roteiros são feitos em
computador, de modo a encher cada buraco, para que nada se infiltre na atenção absoluta. E
mais importantes que as personagens são as “coisas”
em volta. Sim, as coisas. Personagem é só um pretexto para mostrar o décor.
E o décor é um grande showroom dos produtos
americanos: maravilhosos aviões, supercomputadores, a genialidade
técnica lutando por algum “bem”
inexplicável , porque a ideia de “futuro”
esmaeceu. Assim, não importam mais nem o enredo, nem o roteiro; só o gozo da
cena.
Antigamente,
sofríamos durante a trama, esperando que
os heróis fossem felizes no final. Hoje, sabemos que tudo vai acabar bem,
mas nos fascinam mais os infernos que eles terão de atravessar, para chegar a
um desfecho fatalmente bom. A catarse chegará, mas antes temos amputações,
bazucas estourando peitos, bombas, rios de sangue. Na vida americana, como nos
filmes, perdeu-se a ideia de sentido. O
happy end é coisa dos anos quarenta.
No
entanto, acho novidades nisso tudo. Num mundo sem rumo, na América dividida, a
tecnologia está criando uma nova estética. Acabou a linearidade narrativa e,
com a visão de mundo desencantada, em meio à avalanche brutal de informações,
está surgindo uma nova forma de profundidade “superficial”. Uma espantosa nova linguagem não linear,
polissêmica, surgiu e cresce como um “transformer”,
nas telas do mundo. Parece até uma vanguarda tecnológica emergindo entre os
efeitos especiais cada vez mais audaciosos. Talvez, daqui para a frente, só
essa língua dará conta de nossa solidão, de nossa fome de ilusão.
Agora,
mesmo falando essas coisas, confesso que
adoro os filmes da Marvel. Já vi alguns “blockbusters”
de extraordinária imaginação “wagneriana”.
“Avatar”, por exemplo, “Batman”, ou a obra-prima “Thor” já fazem parte de uma nova “escola” estética. Não falo de “nova arte” ou uma nova cultura, pois
isso já denotaria a ideia de “finalidade”,
de meta a ser atingida. Falo de um caos maravilhoso que nos submerja para
sempre num “presente” inexplicável.
Fonte: Arnaldo
Jabor – O Globo