A incúria do ex-procurador-geral da República custou caro ao País
Não há dúvida de que o País pagou um altíssimo preço institucional,
político e econômico pela inépcia da denúncia oferecida pelo
ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o ex-presidente
Michel Temer em setembro de 2017. Janot, convém lembrar, acusou Temer de
impedir ou tentar embaraçar a assinatura de um acordo de colaboração
premiada entre o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o
doleiro Lúcio Funaro e o Ministério Público Federal (MPF). Nunca houve o
tal impedimento ou embaraço, haja vista que Funaro já havia celebrado
um acordo com o MPF em 2016 e Cunha jamais o assinou, embora tenha
tentado. Mas, para Rodrigo Janot, a tentativa de silenciar os dois teria
sido urdida pelo então presidente da República e o empresário Joesley
Batista, controlador do Grupo J&F, em conversa à sorrelfa no Palácio
do Jaburu.
Em outubro do ano passado, o juiz federal Marcus Vinicius Reis Bastos,
da 12.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, decidiu absolver
sumariamente o ex-presidente Michel Temer, determinando que o processo
fosse “imediatamente arquivado”. O magistrado entendeu que a prova sobre
a qual se fiava a acusação era “frágil, não suportando sequer o peso da
justa causa para inauguração da instrução criminal”. Vale dizer que, no
entender do juiz federal Reis Bastos, o que a Procuradoria-Geral da
República (PGR) apresentou como “prova” para consubstanciar a denúncia
contra o ex-presidente Michel Temer, entre outros denunciados, não valia
sequer a instauração de um processo criminal, que dirá a condenação dos
acusados.
O MPF que atua na primeira instância recorreu da sentença absolutória,
alegando que o fato atribuído aos acusados era “típico”, ou seja,
previsto em lei como crime, e havia “prova suficiente do delito
imputado”, razões pelas quais o processo deveria prosseguir com a
instrução e julgamento. Pois este não foi o entendimento da Procuradoria
da República da 1.ª Região, que emitiu parecer contrário ao provimento
da apelação feita pelo próprio MPF.
Para o procurador regional Paulo Queiroz, que assina o parecer, “o
recurso de apelação não merece provimento” porque “os fatos descritos na
denúncia não constituem crime de impedimento ou embaraço de
investigação criminal envolvendo uma organização criminosa”. O
procurador regional salienta ainda, com razão, que uma investigação
criminal pode se dar com ou sem a colaboração dos investigados. Durante o
mandato de Rodrigo Janot à frente da PGR, o instituto da colaboração
premiada, trazido ao ordenamento jurídico pela Lei 12.850/2013,
tornou-se, na prática, prova em si mesmo, o que é um absurdo. A chamada
delação premiada é apenas uma entre várias técnicas para obtenção de
prova, não prova nada.
Em um dos trechos mais contundentes de seu parecer contrário à revisão
da sentença absolutória do juiz federal Reis Bastos, o procurador
regional Paulo Queiroz afirma que “o diálogo gravado (por Joesley
Batista) era, em última análise, um diálogo ficcional, provocado a fim
de produzir prova contra Michel Temer e incriminá-lo”. Paulo Queiroz
conclui que a acusação contra Temer é atípica também por esta razão. A
ser verdadeira a alegação, não só a gravação da conversa entre Michel
Temer e Joesley Batista foi ardilosa, como mal feita.
Tantas inconsistências na acusação feita pelo ex-procurador-geral
Rodrigo Janot, que se mostra débil a cada novo andamento processual,
levaram o País a um estado de paralisia legislativa – afinal, o
Congresso teve de sustar sua agenda, incluindo a apreciação da reforma
da Previdência, para deliberar sobre o afastamento do então presidente
da República denunciado – e ao recrudescimento da nefasta polarização
política que ainda hoje cinde a sociedade ao meio e interdita o bom
debate público.
Resta esperar que esta ação penal originada por denúncia inepta seja,
enfim, arquivada e sirva de exemplo de como não deve agir um
procurador-geral da República.
A incúria de Rodrigo Janot – Editorial - O Estado de S. Paulo