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domingo, 30 de outubro de 2022

A origem da ilegalidade - Revista Oeste

 Flavio Morgenstern

O conteúdo do Inquérito 4.781 até hoje é um mistério — acusações genéricas são ventiladas na mídia, o que não ocorria nem mesmo nos anos de chumbo do regime militar

Inquérito das <i> Fake News: </i> | Foto: Shutterstock

 Foto: Shutterstock
 
Às 6h02 da manhã de 27 de maio de 2020, a campainha do condomínio tocou, avisando que a polícia queria entrar na casa de alguém que nunca havia sido acusado de nenhum crime.  
Ato contínuo, uma viatura da Polícia Federal estacionou, despejando seis homens armados. Um deles carregava um mandado em mãos
Outro reconheceu o alvo da operação. Aproveitou para dizer que era fã de seus vídeos. Tratava-se do youtuber católico Bernardo Pires Küster.

A operação terminou por levar um notebook, um iPad que Bernardo deixava para crianças da família e seu celular. Os policiais ainda permitiram que Küster anotasse alguns números de telefone de advogados antes de ter o material levado para Brasília.

Outros não tiveram a mesma “sorte” de Bernardo. Os investigados (talvez devamos chamá-los de “vítimas”) pelo inquérito variaram no relato de acordarem com policiais revirando seus quartos ou até mesmo com armas apontadas para esposas grávidas. O único a conseguir gravar um trecho da ação foi o humorista Rey Bianchi, enquanto sua esposa se desesperava de choro.

Bernardo, como é conhecido, não fazia ideia do porquê estava sendo tratado como um criminoso perigosíssimo — ele, acostumado a andar cercado pelo povo. Tudo o que pôde saber é que estava sendo acusado em um tal Inquérito 4.781, no Supremo Tribunal Federal. Um crime federal. Aquilo que, em filmes norte-americanos, faz com que a polícia local seja afastada e entrem “os feds” em cena. Ameaças grandes, como terrorismo ou ataques alienígenas.

Até hoje nenhum dos investigados sabe qual seria o suposto “crime” em questão. Algo tão grandioso que permitiu uma operação policial no auge da pandemia quando operações contra traficantes com armamento capaz de abater helicópteros nas favelas do Rio foram proibidas por decisão de Edson Fachin, ministro do STF. Já contra youtubers, humoristas, jornalistas e ativistas, sem que se saiba até hoje por qual crime, tudo foi realizado.

Novas buscas e apreensões ocorreram no dia 16 de junho, e ainda outras viriam contra ativistas e empresários. O Brasil, que tinha se acostumado a ver prisões de políticos durante a Operação Lava Jato, agora via a mesma mecânica voltar-se contra pessoas acusadas de serem “bolsonaristas”. 
O que aparentemente é tão grave quanto movimentar bilhões para financiamento próprio e de ditaduras. 
Algumas vezes, os investigados eram chamados de “golpistas” — quase sempre acusando alguma expressão de indignação privada, como “tem de limpar este Congresso” e outras verbalizadas por cerca de 102% das pessoas que leem notícias.

Acordar todo dia antes das 6 da manhã
Bernardo Küster, por meses, não conseguiu mais dormir até as 6 da manhã, sempre imaginando que a Polícia Federal voltaria à sua casa. Como voltou à casa de Allan dos Santos, sempre tratado como “blogueiro bolsonarista acusado de espalhar fake news”, mesmo que nem sequer um blog possuísse. Após se mudar para os Estados Unidos, Allan passou a ser tratado sempre como “foragido” epíteto que não é reservado a um Edward Snowden, por exemplo.  [felizmente, o epíteto é aplicado só por "jornalistas" da mídia militante do Brasil - "jornalistas" entre aspas, pela dificuldade de se aceitar que jornalistas, dignos do nome e da profissão, possam ser favoráveis à censura - postura dos que4 formam a mídia militante.]

O conteúdo do Inquérito 4.781 até hoje é um mistério — acusações genéricas são ventiladas na mídia, o que não ocorria nem mesmo nos anos de chumbo do regime militar. Chamado de “inquérito das fake news”, foi também apelidado de “inquérito do fim do mundo” pelo ex-ministro do Supremo Marco Aurélio Mello, título que rendeu um dos livros jurídicos mais lidos do país. A ele se somaram o “inquérito dos atos antidemocráticos” e o “inquérito das milícias digitais”. Todos parecem trocar informações entre si. A Procuradoria-Geral da República exigiu o arquivamento de todos, mas o pedido foi solenemente ignorado.

Livro Inquérito do Fim do Mundo | Foto: Reprodução
Além disso, veio da CPMI das Fake News, que fez a esquerda passar tanta vergonha que foi arquivada sem nem apresentar um relatório. Já a CPI da Covid, reconhecida pela população como “CPI do Circo”, pediu quebras de sigilo bancário, telefônico e telemático de jornais que criticavam os políticos que a geriam, de maneira flagrantemente ilegal. Afinal, uma CPI só pode investigar o objeto ao qual se propõe (no caso, a falta de respiradores em Amazonas), e não a mídia, a cor do céu ou o final de Caverna do Dragão. 
Os dados foram compartilhados com os inquéritos do STF. Os senadores nem se deram ao trabalho de ouvir os investigados: foi como um delegado pedindo quebra de sigilo de alguém por ouvir dizer, sem nenhuma prova, nem mesmo indício. 
A pena pelo abuso de autoridade chega a mais de quatro anos de cadeia. A devassa foi tão violenta que os senadores pediram todas as mensagens privadas em todas as redes sociais, cópia integral do iCloud, fotos dos contatos, todas as geolocalizações, histórico de buscas no Google e dados de saúde.

Denúncia baseada em crime não existente
O crime que gerou tudo isso? Bem, não há crime de “fake news” no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que houvesse, não se conhece nenhum inquérito secreto para investigar, digamos, desvio de dinheiro público com essas características: a Lava Jato realizava tudo às claras. Nada justifica o tamanho da força estatal contra pessoas acusadas de minudências — embora sejam sempre tratadas como “acusadas” ou “investigadas” em manchetes jornalísticas, criando sentimentos negativos nos leitores de antemão, como se fossem esquartejadores.

O termo “fake news” foi colocado em circulação pela mídia norte-americana como uma desculpa para o fracasso das pesquisas eleitorais, que afiançavam uma vitória fácil de Hillary Clinton

Até hoje, simplesmente nenhuma das ditas “fake news” foi apresentada. Fica-se apenas com um clima de suspeita no ar: “pessoas que divulgam fake news são tratadas como se fossem mentirosas compulsivas. O clima, na verdade, é perfeito para a tirania, que sempre abusou da desconfiança mútua para se livrar de quem discordasse de seus métodos — e nunca se preocupava em mostrar que alguma das denúncias fosse verdadeiramente falsa. Bastou popularizar o termo “fake news” após a eleição de Donald Trump para que a lógica se invertesse: hoje, muitos preferem ficar do lado da censura, mesmo sem apontar qual seria a dita notícia falsa — ou “desinformação”.

(...)

Notícia do site Poder360, publicada no dia 5/9/2021 | 
Foto: Reprodução

O escritor e linguista judeu Victor Klemperer escreveu, durante o nazismo, como a ascensão do Terceiro Reich se deveu muito a uma mudança anterior de vocabulário. Em LTI – Lingua Tertii Imperii, publicado em 1947, Klemperer mostra como toda terminologia oficial da língua alemã havia adquirido tons militares — até com condecorações militares para esportistas. Hoje, basta acusar quem você quer perseguir com a mesma terminologia: milícias, ataques, desinformação, alvo, operação, ordem. Com nenhuma mudança na lei, e com termos cirúrgicos repetidos goebbelsianamente por jornalistas (até com variações como “milicianos digitais”), a censura passa a ser aplaudida. Tudo teve método.

Leia também “O Direito sem lei”

 Flavio Morgenstern, colunista - Revista Oeste



sábado, 4 de junho de 2022

Brasil no lugar da China? - Carlos Alberto Sardenberg

Brasil poderia ocupar o lugar da China?

Aqui vai só um exemplo de que como foi uma tortura o tipo de confinamento imposto aos moradores de Xangai. Ou, de como a política de covid zero faz com que muita gente grande reveja a disposição de investir na China.

História contada de fonte segura: numa fábrica de mais de 5 mil funcionários aparece um caso de Covid. No mesmo dia, todos os empregados são convocados a comparecer na empresa. E todos ficam ali confinados por sete dias. Isso mesmo, todo mundo na fábrica, de chefões a operários. Passados os sete dias, e não se verificando nenhum outro caso de Covid, todos são dispensados, mas com a ordem de permanecer em casa por sete semanas.

O lockdown de sete semanas foi imposto a toda a população de Xangai. Imposto não é modo de expressão. 
Repararam nas imagens, da semana passada, de moradores festejando a suspensão do confinamento? 
Viram como se animavam no trabalho de levantar as barricadas?

Isso mesmo – para obrigar as pessoas a permanecer em casa, foram erguidas barricadas em boa parte da cidade, bloqueando residências e prédios comerciais. Mesmo quem se dispusesse a enfrentar os policiais, não conseguiria sair. A política de Covid zero tem sido debatida em um duplo viés. De um lado, trata-se de saber sua eficiência em combater a transmissão do vírus. Na maioria dos outros países, o lockdown, mais ou menos restrito, foi uma prática auxiliar. Funcionou como um modo de ganhar tempo na busca de medicamentos e vacinas. Encontradas as vacinas, o lockdown foi relaxado na medida em que se avançava na imunização.

Isso deu certo. Tanto que agora, com o surgimento de novas variantes, menos graves, não foi necessário impor confinamentos. As populações estão vacinadas – em boa parte.

Daí, pergunta-se: e por que a China continua fazendo lockdown tão rigoroso? Caiu em Xangai, mas partes dessa cidade e outras menores continuam sob restrição. Em Xangai, essa medida se aplica em áreas residenciais ainda sob “médio ou alto risco” de contaminação.

A China criou vacinas, mas não parece que a maioria da população esteja imunizada. E dizemos “não parece” porque os dados do governo não são confiáveis. É certo, de todo modo, que milhões de idosos não foram vacinados.  
É certo também que a China não recorreu às vacinas “ocidentais”, mais modernas, e que poderiam oferecer uma eficiente combinação de imunização.

O que leva ao segundo ponto: essa política só é possível numa baita ditadura. E, de fato, o presidente Xi Jin Ping comanda pessoalmente o combate ao que ele chama de “vírus do diabo”. Para um materialista oficial colocar a culpa no demônio – é curioso.

Xi Jin Ping está no seu segundo mandato de cinco anos e se preparando para, neste ano, emplacar o terceiro. Isso rompe com a tradição de limitar a presidência a dois mandatos. Ele conseguirá fazer isso? É quase certo, pois o líder assumiu o comando do Partido Comunista e das Forças Armadas, e promoveu um expurgo nos quadros políticos e administrativos.

Manda e desmanda. Muito mais que os últimos presidentes. E manda também na economia que, convém registrar, é movida a capitais privados, nacionais e estrangeiros. Fazia tempo que as empresas, locais e internacionais, não sofriam tantas restrições como as aplicadas por Xi Jin Ping.

Resultado da falta de segurança, um exemplo de peso: a Apple está se preparando para retirar da China boa parte de sua produção. Pode levar iPad para o Vietnã e iPhones para a India.

É um sinal de que pouco a pouco a China vai perdendo sua condição de fábrica do mundo, paraíso das multinacionais. E para onde podem ir esses investimentos? Não para a Rússia, que era outro mercado emergente muito atraente, [será que para o capitalismo uma operação militar visando recuperar territórios é uma inconveniência??? desde que garanta a provisoriedade privada.] até a invasão da Ucrânia. Com a facilidade, agora perdida, de estar na Europa.

Os investidores precisam de um país grande, de economia medianamente desenvolvida, com organização administrativa e política. De preferência, uma democracia à ocidental, com regras seguras, garantidas em lei.

Pensaram no Brasil? Pois é. Pode, pode ser. Depende só daqui. [em nossa opinião um dos complicadores é a leniência da legislação brasileira, que não garante direitos nem Segurança Jurídica, por permitir interferências indevidas, especialmente do Poder Judiciário - certas situações surgidas na China e que estão espantando investidores, podem ocorrer no Brasil, bastando para tanto uma decisão monocrática de um ministro do Supremo. 
Outra agravante é que as condenações no Brasil, ainda que confirmadas em três instâncias e por vários juízes podem ser revistas em decisões monocráticas - quem garante ao investidor estrangeiro que um individuo condenado a uma pena severa, não pode, transcorrido alguns  alguns meses,  ser candidato ao cargo mais elevado do Brasil? 
Como bem diz o Sardenberg, depende só do Brasil - o que entendemos mudar sua legislação e propiciando SEGURANÇA JURÍDICA.]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista  

 

 Coluna publicada em O Globo - Economia 4 de junho de 2022

quinta-feira, 28 de março de 2019

Marcela Temer pede a Bretas que devolva celular apreendido pela PF

Ex-primeira-dama também quer de volta iPad e talão de cheques; segundo a defesa, os itens são de 'uso exclusivo' dela, que não é investigada na operação


A ex-primeira-dama Marcela Temer ingressou com um pedido na Justiça para reaver bens que foram apreendidos durante a Operação Descontaminação, que prendeu seu marido, o ex-presidente Michel Temer (MDB), na semana passada. Ela pediu ao juiz federal Marcelo Bretas que devolva um iPhone, um iPad, um talão de cheques e um contrato de locação.

Segundo a defesa de Marcela, os bens são de “uso exclusivo” dela, que não era investigada na operação, e, portanto, a Polícia Federal “extrapolou” os limites fixados pelo magistrado no mandato de busca e apreensão. A Descontaminação é um braço da investigação da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro que apura suspeitas de propinas milionárias na construção da usina de Angra 3.

“A despeito da clareza solar da restrição imposta ao cumprimento da medida as pessoas investigadas – e suas pessoas jurídicas –, é certo que a Autoridade Policial a frente do cumprimento da ordem judicial extrapolou os limites fixados por Vossa Excelência e, expressamente, constantes do mandado de busca e apreensão”, escreveram os advogados Átila Machado, Leonardo Peret e Luiz Castro.

Temer foi preso na quinta-feira da semana passada, dia 21. Ele foi libertado por decisão do desembargador Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), na segunda-feira 25. A medida também reverteu a prisão de outros sete acusados na operação, como o ex-ministro de Minas e Energia Moreira Franco (MDB) e o policial reformado João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, amigo do ex-presidente.

Na casa de Temer, a PF pegou pendrives, agendas, papéis manuscritos, fita cassete, celulares, revólveres e espingardas e até um cartão de aniversário para o filho do ex-presidente, assinado pelo empresário Vanderlei de Natale, também alvo da operação e a quem a Lava Jato atribui lavagem de dinheiro no esquema.

Estadão Conteúdo