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domingo, 8 de maio de 2022

Sobrenatural da Silva - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo 

Cada vez mais, Lula fala com a arrogância de quem vive uma paixão incontrolável por si mesmo  

O ex-presidente Lula armou em torno de sua imagem internacional o que pode estar sendo o maior embuste da história política deste País. Aqui dentro, onde a população tem a oportunidade de saber melhor quem ele é, principalmente porque experimentou na própria pele as consequências de suas passagens pelo governo, sua vida não é tão fácil - entre outras coisas, no momento, precisa ganhar uma eleição para presidente da República. Lá fora, porém, vive em estado de graça. Graças à lavagem cerebral operada pela mídia do Primeiro Mundo, as elites "globalistas" e a militância mundial de esquerda, Lula se transformou numa pessoa que não existe

Virou um mártir das "causas progressistas", um resumo de tudo o que há de mais sublime no ser humano - e, segundo a imprensa, "está de volta do exílio", para reassumir o governo e livrar os 200 milhões de brasileiros do "pesadelo" que estariam vivendo hoje.
 
Lula nunca esteve no exílio. Esteve na cadeia, pela prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, condenado em terceira e última instância por nove juízes diferentes.  
É mentira, também, que tenha sido absolvido e que a "Justiça brasileira" tenha reconhecido "erros judiciais" ao condená-lo. Lula não foi inocentado de nada.  
O que houve foi uma decisão demente do STF, que anulou as quatro ações penais existentes contra ele com uma justificativa reconhecidamente fútil, sem dizer uma sílaba sobre culpa ou inocência. 
 
 
Pior ainda é a ficção de que foi "absolvido pela ONU" - uma vigarice que Lula está usando como prova mundial de sua inocência. 
Um desses comitês controlados pela esquerda e que aprova qualquer coisa declarou, há pouco, que Lula foi "injustiçado" - mas e daí? 
O comitê central do PT, a CUT e a associação dos bispos também disseram. 
Fazem de conta, aí, que "a ONU" pode, de fato, absolver alguém; não pode, assim como não poderiam a Fifa ou o júri do Miss Universo, porque não é um tribunal de Justiça. A "absolvição da ONU", porém, está aí; é um dos argumentos-chave do seu marketing internacional.
O curioso, nisso tudo, é que Lula parece acreditar, realmente, que é a entidade sobrenatural criada na mídia estrangeira; fala cada vez mais, aqui no Brasil, com a arrogância de quem vive uma paixão incontrolável por si mesmo. Já disse que, por causa da inocência que lhe foi conferida "pela ONU", o Brasil teria de anular as eleições de 2018 e que ele, Lula, deveria ser nomeado presidente da República
Recusa-se a revelar seu programa para a economia; diz que o eleitor tem de votar nele sem saber disso. Garante que resolveria a guerra da Ucrânia com "uma cerveja". Não dá sinais de que vá parar.

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 17 de março de 2022

Duas ferramentas básicas da democracia - Fernão Lara Mesquita

Transcrito do site Percival Puggina

O confronto que está ocorrendo neste momento no campo da educação pública nos Estados Unidos envolve o cerne da definição de democracia que, ao contrário do que pensa a maioria dos brasileiros, não gira em torno da questão "o quê deve ser feito", mas sim de "quem tem o legitimo direito de determinar o que deve ser feito".

A instituição do school boardde par com a do júri, é seminal para o estabelecimento da soberania do povo nas democracias de DNA saxônico. Nem cultura, nem estágio de desenvolvimento econômico são obstáculos para a compreensão da sua importância a quem é oferecida a oportunidade de adotá-las. Elas existem, firmes e fortes, em todos os países de colonização inglesa, dos africanos aos asiáticos, passando pela Índia, pela Austrália e o mais.

Mas, como sói acontecer em tudo, deus ou o diabo estão é nos detalhes. A "democracia brasileira", aquela que parece mas não é, por exemplo, inclui um pedaço da instituição do júri, exclusivamente para processos criminais. Tocqueville, que mesmo antes de visitar os Estados Unidos em 1830, já louvava a importância da instituição do júri na educação do povo inglês para a democracia, conhecia bem a diferença.

O júri nos processos criminais só exige julgamentos sobre questões primárias, dizia. E, além do mais, quase todas as pessoas esperam passar a vida inteira sem sofrer um processo criminal. Quando no juri julgam "os outros". Nos julgamentos civis ocorre o contrário. Todo mundo espera, na vida, enfrentar processos civis. E eles envolvem conceitos muito mais sutis. O juri nesses julgamentos faz com que o direito privado tenha de ser expresso numa linguagem acessível a todos os mortais e que os advogados especializem-se em traduzir as nuances de cada caso para o jurado nas suas argumentações.

Assim, cada membro de cada júri considera, ao exercer esse papel, que amanhã pode estar ele sentado na cadeira de quem está julgando hoje. "O júri, e sobretudo o júri civil serve para dotar todo e qualquer cidadão da experiência de ser juiz, e essa experiência é a que melhor o prepara para ser livre. Ela reafirma, em todas as classes sociais, o respeito pela coisa julgada e pela idéia do Direito. É a maneira mais eficaz de, ao mesmo tempo, fazer o povo exercer o seu poder e aprender a exercer o seu poder numa democracia. Sem essas duas coisas, o amor pela independência transforma-se numa paixão destrutiva".

O juri, mais que uma ferramenta da Justiça, é portanto, para Tocqueville, sobretudo uma instituição política. 

Cabe melhor ainda nessa categoria a instituição do school board. Ele é a representação eleita da menor célula do sistema de voto distrital puro, a única maneira de instituir a verdadeira democracia representativa, e a mais direta e explícita das ferramentas de submissão do Estado à vontade do povo. Refere-se a cada bairro que elege, obrigatoriamente entre seus residentes, os 7 membros do conselho de pais de alunos que controlará, pelos 4 anos seguintes, sempre sujeitos a recall, a escola pública nele instalada. É ele, e não o político de plantão ou o partido que "aparelhou" o sistema quem contrata e demite o diretor de cada escola, aprova ou não os seus orçamentos, os seus programas curriculares, as suas metas anuais e o desempenho de seus professores.

Neste particular momento a esfera dos school boards está francamente conflagrada nos Estados Unidos. A fronteira que separa os contendores é a dos que negociam suas questões com os professores através de sindicatos e os que não aceitam esse sistema e negociam diretamente com seus funcionários, professores incluídos. 

Lá, como em toda parte o setor da educação é o primeiro dos alvos visados pela luta ideológica e os sindicatos de professores os mais abertamente comprometidos com partidos e movimentos radicais. Seu principal argumento de expansão como contrapartida dos school boards é o de toda entidade corporativa: a sua "especialização" em formular e fazer tramitar projetos de educação. O seu principal ponto fraco o de toda representação corporativa: a incoercível tendência de desviar-se da finalidade alegada para a satisfação dos interesses dos encarregados de atingi-la, que faz com que todo o sistema acabe "apropriado" pelos professores em detrimento dos alunos das escolas públicas. 

National School Board Association (NSBA), instituição criada em 1940 para zelar pela qualidade da educação pública transformou-se, com o tempo, na grande impulsionadora dos sindicatos de professores como contraparte dos school boards na gestão das escolas públicas. Suas bandeiras vão na linha de extrair salários e aposentadorias cada vez mais altos e menos dependentes de critérios de mérito e banir todas as tarefas paralelas impostas aos professores pelos school boards. Além desse viés para a "insustentabilidade", e do conflito subjacente à ação de sindicatos de funcionários públicos que disputam, com o concurso de outros funcionários públicos, fatias crescentes de dinheiro de impostos e não participações maiores em lucros que contribuíram para que fossem obtidos, seus antagonistas apontam, também, a crescente contaminação do currículo escolar por material e discursos ideológicos. 

Nada, portanto, a que um ouvido brasileiro não esteja totalmente acostumado. No ambiente de extrema polarização que desaguou na derrota de Donald Trump e na eleição de Joe Biden, entretanto, a NSBA cruzou, num rompante, a sagrada fronteira da soberania do povo. E foi só aí que quebrou fragorosamente a cara. 

Enviou uma carta aberta ao presidente eleito em que, alegando "ameaças à segurança dos alunos e dos professores nas escolas públicas", afirmava que "alguns pais deveriam ser considerados como terroristas domésticos" e pedia "legislação federal e outras providências" para impor decisões a todas as escolas públicas independentemente do que pensassem os pais de alunos. O resultado foi que, mesmo tendo-se retratado do erro, e apesar das greves de professores em alguns locais, desde outubro de 2021 (a carta foi publicada em 29 de setembro daquele ano) 20 associações estaduais de school boards já romperam seus contratos de adesão à NSBA. 

Por grave que seja a doença que a afeta a partir do âmbito federal, esta é uma importante medida da saúde da democracia americana, essa ilustre desconhecida de populações isoladas pela língua e submetidas a séculos de "censura estrutural" como a brasileira. Suas raízes estão solidamente plantadas nos equipamentos de materialização dos poderes do povo nas instâncias estadual e municipal. São quase dois países. E pelo menos num deles o debate sobre o que fazer é livre, infindável, inconclusivo e sujeito às intempéries da conjuntura como deve ser em toda democracia. Mas o preceito de que só o povo tem o legitimo direito à decisão final é sagrado.                                                                          Pela mesma razão que quem escolhe a comida é quem está pagando por ela e vai comê-la e não o garçom, quem escolhe o que as escolas públicas e o sistema judiciário vão servir, na democracia americana ainda são o júri popular e os pais dos alunos.

O Vespeiro - Fernão Lara Mesquita 

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

De olho comprido - Merval Pereira

O Globo
A mais longa campanha presidencial já havida no país entra em seu segundo ano em plena efervescência. Sim, porque o próprio presidente Bolsonaro inaugurou uma nova maneira de lutar pela reeleição, assim como já havia, com sucesso, criado uma de vencer eleição presidencial sem partido, sem dinheiro, sem base política. Semelhante a ele só Fernando Collor em 1989, com uma diferença gritante: Collor saiu de governador de Alagoas para a campanha presidencial, também sem partido, e base política, mas com dinheiro e conexões sociais nos grandes grupos empresariais dos principais centros urbano, como Rio e São Paulo.

Sobretudo com uma exposição pública pelos factoides que criou como caçador de marajás e adversário dos usineiros, representantes regionais dos privilegiados Brasil afora. A farsa que se descobriu depois é da mesma categoria da que vai sendo descoberta em relação a Bolsonaro.  Este teve a seu favor a exposição nos novos meios digitais, entendeu a nova fase das campanhas assim como Collor foi o primeiro a fazer do programa eleitoral gratuito um espaço de criações tecnológicas inéditas naquele tipo de mídia.  Os dois governaram sem apoio congressual, mas Collor levou mais tempo a entender que não podia prescindir dele. Quando entendeu, já era tarde demais. Dilma cometeu o mesmo erro. Bolsonaro está sendo mais sagaz que seus antecessores que se deram mal, mas tem mais sorte também.

Este Congresso é o mais reformista já eleito nos últimos anos, e tem em Rodrigo Maia um presidente versado em economia, o que lhe permite entender a importância das reformas e dá condições de discutir com a equipe de Paulo Guedes sobre o melhor encaminhamento das discussões. Pelo menos enquanto não organiza seu futuro partido, o presidente Bolsonaro vai deixando que Maia e talvez Davi Alcolumbre, presidente do Senado, sejam protagonistas das ações políticas. Até quando, não se sabe. Talvez o enfrentamento para valer aconteça se Bolsonaro conseguir formar uma base de apoio com base no Aliança pelo Brasil que lhe dê controle de uma maioria relativa maioria da Câmara. Quem sabe até mesmo elegendo um presidente de sua total confiança, na sucessão de Maia.

O Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram das férias com as pautas para o primeiro semestre praticamente definidas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é quem determina o ritmo das discussões, estipulou que a reforma tributária é a prioridade, e garantiu a sua aprovação ainda no primeiro semestre, o que será um fato político muito bom com efeito relevante na economia.  As outras reformas devem ficar para o próximo ano, pois o segundo semestre será de campanha para as eleições municipais. No STF, uma das discussões importantes será a do juiz de garantias. O ministro Fux, relator da matéria, é contra, mas é minoria, e deve apresentar seu voto logo para ser colocado em discussão no plenário. Outro assunto importante será a votação sobre se a condenação por júri popular precisa do trânsito em julgado para ser cumprida.

A maioria parece já estar formada a favor do cumprimento imediato da pena, diante da definição constitucional de que as decisões do júri são soberanas.Tudo indica que os recursos continuarão sendo possíveis, mas com o condenado na cadeia, como aconteceria se à prisão em segunda instância ainda fosse permitida.
Essa agenda politica e judicial dominará os debates no primeiro semestre, e depois será engolida pela campanha municipal que dará indicações sobre a presidencial que virá em seguida. Bolsonaro, evitando expor-se, não está muito preocupado em criar seu novo partido a ponto de disputar as eleições municipais. Parece convencido de que depois poderá arrebanhar os vencedores nos municípios sem se arriscar a perder.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Desabafo de uma promotora criminal de execução enfrentando a bandidolatria de cada dia

Sou Promotora de Justiça há 23 anos! Sempre trabalhei “no crime”: Júri, Crimes e Execução Criminal. Nunca fui nem sou raivosa, mas não sou tola e tampouco faço parte da turma mimizenta. Nunca trabalhei em nenhuma administração da minha instituição. Sou promotora operacional. 
 Debora Balzan, promotora de Justiça do MP-RS. Foto: Arquivo Pessoal
Tenho certeza absoluta de que o crime compensa. Não creiam na baboseira (não tenho expressão melhor) de que o criminoso não teve oportunidade. Existe manipulação ideológica fortíssima. Ninguém me disse. Odeio audiência de custódia. Odeio semiaberto. Odeio Justiça Restaurativa. Odeio APACs (local para cumprir pena onde os próprios presos administram o cárcere). A princípio pode encantar, pois a reincidência seria menor  e a disciplina é a base. Mas disciplina não é favor, e como é liberalidade, se descumprirem voltam para o sistema comum. Está na discricionariedade do preso, e não na força do Estado. 

Para mim, o caso é de não haver nenhum lugar privilegiado, mas de se tomar as rédeas do sistema convencional. O convencional não faliu, nunca foi aplicado. Ele foi falido. O que dizer de um lugar onde os lemas estão escritos na entrada, do tipo: aqui entra o homem, e o crime fica lá fora!  Como assim? A sociedade que se lasque e fique com as consequências do crime! Mesmo que consideremos o que os próprios defensores desse sistema dizem querer ressocializar – não é o que penso – como ressocializar quando ao entrar a culpa já fica lá fora! Sem peso é fácil, né? Não! É impossível. Me poupe! 

Aqui em Porto Alegre, a frase inspiradora é a de que se fosse possível examinar o homem por dentro e por fora não haveria inocentes! Como assim? Assim: você que nunca cometeu crime ou que furou uma fila é tão culpado quanto um latrocida! Que desrespeito às vítimas! Sinceramente, como Promotora de Justiça é um enorme desconforto. Relativismo total! Vitimização de criminoso. Isso nos fez e faz um dos países mais violentos do planeta! A incapacidade de discernir o certo do errado e de nenhum senso de proporcionalidade. Ainda, os tais índices de menor reincidência são feitos pelos próprios organizadores e defensores do método e não consideram os que desistiram dele. 

Alonguei-me não por ser mais o importante ponto que odeio, mas porque é  um dos queridinhos do momento. Odeio alternativos, de qualquer instituição. E não estou cometendo “crime de ódio”, usando expressão canhota (aliás, o que seria crime de ódio? Nada, apenas pressão na tentativa de dominar a linguagem, de tanta repetição de expressão politicamente correta). Por outro lado, o ódio ao mal é o amor ao bem, como disse Rui Barbosa. É mentira que se prende demais.  

Prende-se pouco (Bruno Carpes e Felipe Moura Brasil comprovam com números) e solta-se mal. No cárcere, não há disciplina e o trabalho (remição) na imensa maioria é fraude. Falta grave na cadeia quase sempre dá em nada.   Mais uma vez: me disseram? Redondo não! Eu vejo! A esquerda nos governos e nas instituições (marxismo=alternativos) criou e alimenta isso.  Lamento que a maioria dos “especialistas” estejam desconectados totalmente da realidade. Também vale procurar saber se as instituições  estão trabalhando bem ou se mais preocupadas com a obesidade infantil e com os direitos dos apenados. Deus nos proteja e dê forças. 

*Debora Balzan é promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, na Promotoria de Justiça de Execução Criminal de Porto Alegre.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Saudades de Antonin Scalia

Um paradoxo da vida: foi bom que esse conservador tenha existido, e o mundo ficará melhor depois dele

Em 1953, o juiz Felix Frankfurter, da Suprema Corte dos Estados Unidos, voltava do funeral do presidente do tribunal, Fred Vinson, fulminado por um ataque cardíaco, e disse a um jovem advogado: “Esta foi a primeira prova que tive da existência de Deus”.

Estava na agenda da Corte a decisão sobre a discriminação racial nas escolas. O presidente Eisenhower nomeou Earl Warren para o lugar, e ele marcou a história do país. A segregação foi derrubada.  O comentário de Frankfurter aplica-se à morte repentina do juiz Antonin Scalia. O líder de uma revolução no pensamento jurídico americano vagou a cadeira no último ano de um presidente democrata, permitindo-lhe reequilibrar uma Suprema Corte que, com sua ajuda, tornou-se mais conservadora.

Scalia morreu aos 79 anos. Fará falta porque não é todo dia que aparecem pessoas cultas, inteligentes, corajosas e bem-humoradas como ele. Basta lembrar sua condenação à lei que determina a divulgação de velhos documentos secretos: “É o Taj Mahal da Doutrina do Desprezo pelas Consequências, a Capela Sistina da desatenção pela análise de custos e benefícios”.

“Nino”, como era chamado pelos colegas, foi um católico fervoroso (nove filhos) e um conservador nos anos 60, quando quase todo mundo achava que era de esquerda. Afora ser rígido nos costumes, seu ponto era simples: a Constituição americana deve ser lida e cumprida, não deve ser interpretada pelo Judiciário. [interpretação a ser seguida pelos ministros do STF - com certeza muitas injustiças e mancadas deixarão de existir.
Tipo o artigo 226, parágrafo 3º tem uma redação e o STF impôs uma interpretação totalmente divergente.
O mais bizarro é que a Suprema Corte não teve a coragem de determinar que o artigo fosse reescrito.] Quando Scalia começou a dizer isso, parecia um troglodita. Passou o tempo, a Suprema Corte mudou de composição e hoje parece-se mais com ele do que com a de Earl Warren. Nem se pode dizer que ele estivesse na extrema-direita do tribunal, pois esse lugar é ocupado por Clarence Thomas, acumulando a primazia do extremismo com a da mediocridade.

Antonin Scalia ficou 29 anos na Suprema Corte. Seu temperamento levou-o a perder amigos na banda conservadora. A republicana Sandra O’Connor, por exemplo, tomou horror a ele. Surpreendentemente, fazia-os entre os liberais. Ruth Bader Ginsburg, a rainha da bancada, com quem ele ia à ópera e montou num elefante na Índia, explicou: “Eu gosto dele, mas às vezes gostaria de estrangulá-lo.” (Quando ela cochilou durante um discurso de Obama, ele lhe disse: “Foi a coisa mais inteligente que você fez.” A senhora tinha tomado um copo a mais.)

Ele pertenceu a uma cepa de homens públicos comum nos Estados Unidos, porém rara no Brasil: aqueles que estão sempre na mesma posição fundamental.  Scalia não entendia como os brasileiros diziam que algo podia ser legal, mas não era legítimo.   Parecia-lhe conversa de papagaio. Quando lhe explicaram que em Pindorama houvera uma coisa chamada Ato Institucional, cujas consequências não podiam ser submetidas à apreciação judicial, espantou-se e mudou de assunto.

Passou o tempo, e, em Curitiba, um procurador disse que não seria conveniente confrontar dois depoentes que diziam coisas conflitantes, pois isso seria mexer em “bosta seca”. Num caso em que defendia o direito de um acusado ser confrontado com a testemunha, Scalia ensinou:
“Dispensar o confronto porque o testemunho é obviamente confiável é o mesmo que dispensar um júri porque o réu é obviamente culpado”.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari é jornalista