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sábado, 2 de fevereiro de 2019

A hora da verdade

A lufada de ar fresco na política é benéfica. Resta saber como irão se portar deputados e senadores quando tiverem de decidir entre o desejo de seus eleitores e o que for melhor para o País

Começou, enfim, o teste da chamada “nova política”. Os congressistas que tomaram posse ontem compõem uma legislatura marcada por histórica renovação. Na Câmara dos Deputados, 243 das 513 cadeiras agora são ocupadas por parlamentares que jamais exerceram o cargo de deputado federal, uma taxa de renovação de 47,4%, a maior desde 1998. No Senado a mudança é ainda mais expressiva. Das 54 vagas disputadas no ano passado, 46 foram conquistadas por novos nomes. Tamanha renovação - 85%, o que dá aos novatos a maioria na Casa, composta por 81 senadores - é a maior desde a redemocratização.

A lufada de ar fresco no Congresso é benéfica na medida em que reflete o estado de espírito da Nação. Nada mais democrático do que um Parlamento que reproduz as vontades e disposições da sociedade que o elegeu. Nos últimos cinco anos, em especial na esteira das manifestações de junho de 2013, cresceu no seio de parcela expressiva da população o sentimento de fastio, não raro combinado com repugnância, em relação a tudo e a todos que representavam o que se passou a chamar de “velha política”. Nesta expressão cabem desde práticas de compadrio, patrimonialismo e corrupção - alijando o interesse nacional das discussões políticas - até oligarcas que vinham perpetuando um modo de fazer política que mantém o País no atraso. Desejou-se algo “novo” na política e assim se deu.

A novidade, no entanto, não é uma qualidade em si mesma. Um Congresso renovado não será, necessariamente, um Congresso melhor se, ao fim e ao cabo, novos rostos reproduzirem velhas mentalidades. A sociedade há de ser vigilante sobre os recém-empossados - novos ou não - se quiser, de fato, ver materializada a “nova política” que tanto desejou. A esmagadora maioria dos novos parlamentares foi eleita sob o signo da antipolítica, por paradoxal que isso pareça. Uma nuvem cinzenta pairou sobre o debate eleitoral havido no último ano, confundindo um legítimo anseio por mudanças na política com a sua própria negação. Essa perigosíssima confusão, em boa medida, foi provocada pelo jacobinismo de setores do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário, que por interesses nunca bem explicados disseminaram a ideia de que todos os políticos são iguais e todos são corruptos. 

Assim foi pavimentada a estrada que nos trouxe até aqui.  Fato é que tanto os calouros como os veteranos da política terão de fazer parte de legítimos esforços para sanear os hábitos perniciosos que contaminaram a atividade parlamentar e aprovar projetos de lei e emendas à Constituição sem os quais não serão debeladas as crises política, econômica, social e moral que solapam o desenvolvimento nacional.
Por “nova política”, assim como foi clamada pela sociedade, deve-se entender, antes de tudo, o exercício da representação parlamentar tendo o interesse nacional acima de tudo. Aqueles que são novos no Congresso e pretendem escrever história devem ter isso em mente, pois não serão raros os momentos em que os parlamentares desta legislatura estarão diante de um conflito entre os interesses imediatos de seus eleitores e aquilo que é melhor e essencial para o País. E esse conflito de interesses deve-se resolver, sempre, em favor do bem-estar da Nação e nunca em favor do conforto dos grupos que se organizam para obter benesses e “adquirir” direitos.

Como é sabido, as redes sociais, entre outros fatores, revolucionaram o modo de fazer campanha eleitoral. A atual composição do Congresso é um retrato bem acabado deste fenômeno. Será comum ver parlamentares transitando pelos corredores de Brasília falando “sozinhos” olhando para seus telefones celulares, praticamente exercendo seus mandatos ao vivo para os eleitores que a tudo acompanham na internet. A comunicação instantânea funcionará muito bem enquanto for bem servido o interesse nacional. Resta saber como irão se portar deputados e senadores quando tiverem de decidir entre duas coisas que nem sempre andam juntas: o desejo de seus eleitores e o que for melhor para o Brasil. Esta será a hora da verdade para antigos e novos políticos.

N. da R. - Pelos acontecimentos de ontem no Senado, conclui-se que, pelo menos naquela Casa, não haverá nada de novo.

 

 

terça-feira, 8 de maio de 2018

A mentira do foro



Povo vibrou quando prosperou a tese inconstitucional, do demagogo Barroso, aquela que criminalizava o financiamento empresarial de campanha eleitoral 

Quando um juiz fala em “dimensão simbólica” de uma decisão de corte constitucional, declara e assume, como se virtuoso, o caráter discricionário, o potencial seletivo consciente, de uma determinação do tribunal, aquele que deveria proteger a Constituição, mas que se julga, à revelia do que dispõe a Carta, educador, moralizador, da vida pública do país. Refiro-me a Roberto Barroso legislador-mor da nação, no entanto sem votos — e à vergonhosa, sem dúvida histórica, sessão em que o Supremo deliberou pela restrição à prerrogativa de foro para parlamentares federais.

A decisão é o próprio espírito do tempo. É obra do emparedamento da política. Deriva da covardia do Congresso, que ainda não compreendeu que o movimento não é contra partido A ou B, mas contra a atividade política como princípio e valor, e do medo dos ministros do STF que, não concordando com a proposta, afinal, com um ou outro senão, aderiram a ela. (Querem poder andar na rua, né?) O julgamento, uma escolha, consagra o jacobinismo e indica que já não basta ao partido do sistema judicial inviabilizar a administração pública: não se trata mais de aprofundar a ingovernabilidade (de vender a ideia de que o mecanismo, a política partidária tradicional, essencialmente bandida, não pode gerir o Estado), mas de plantar condições a um projeto de poder antipolítico.

Exagero? Pensemos, então, em Joaquim Barbosa. Que tal?  A decisão — a mentira propagandeada como “fim do foro privilegiado” — não pode ser lida sem que se lhe esmiúce a metodologia. Há método — o modus operandi por meio do qual nem mais nos incomoda que um poder assalte o espaço de outro, isso já a ponto de que admitamos como expressão de progresso a explicação que os justiceiros togados dão para o ativismo, estimulados e legitimados pela imprensa: se o Legislativo não legisla como queremos, que o Judiciário o faça. A tal caça aos corruptos fundamenta as práticas de exceção. É quando passa por bem-vindo que o relator de uma ação penal proponha uma questão de ordem instrumento de alcance modesto para assassinar (com base em estatísticas furadas) um punhado de artigos constitucionais claríssimos. E o povo vibra!

Vibrou também quando a tese inconstitucional, do mesmo demagogo Barroso, aquela que criminalizava o financiamento empresarial de campanha eleitoral, prosperou até que nos afundássemos no modelo verdadeiro sonho do crime organizado — que estabelece o financiamento público e que limita o privado somente a doações de pessoas físicas, equivalente a um laranjal de CPFs, paraíso para que traficantes, bicheiros, milicianos e outros pastores do dinheiro vivo elejam suas bancadas, conforme veremos em outubro de 2018. 

O notório saber de Barroso é mesmo em marketing. Isso já era conhecido, demonstrado desde quando um dos mais apaixonados defensores da revitalização dos tais embargos infringentes recolocados na rotina do Supremo para livrar José Dirceu de condenação por formação de quadrilha conseguiu se transformar em, juro, paladino da luta contra a corrupção e em líder da cruzada contra a morosidade de processos criminais. Não me lembro, porém, de mistificação mais influente do que a completada, no último dia 3, no STF.

Em números, a dimensão do conjunto falacioso se impõe e facilita o entendimento do engodo arbitrário por meio do qual patriotas como o outrora advogado do terrorista Cesare Battisti combatem a impunidade no Brasil: são quase 60 mil os que hoje detêmintocada — alguma prerrogativa de foro, e apenas 594, senadores da República e deputados federais, aqueles sobre os quais a decisão do STF cravou restrição. Que tal? O que isso quererá dizer, se nada tem a ver com justiça? Trata-se de investimento na desarmonia institucional; de ação disfuncional de impacto imprevisível sobre o equilíbrio entre poderes; de perigoso aval aos hábitos persecutórios em moda aqui. Janot venceu.

Exagero?  Projete-se o cenário — real. Morto pela agenda melindrada da Lava-Jato, cuja disciplina consiste em se apregoar como sob ameaça permanente, daí que nada se reformaria neste país senão para destruir a operação, enterrou-se o debate sobre a nova lei de abuso de autoridade, necessária, uma vez que a atual remete ao regime militar e em nada coíbe excessos de poder contra o indivíduo. Essa obstrução foi festejada, embora tenha por resultado, hoje, a seguinte distorção — apenas um entre dezenas de exemplos: milhares de procuradores e juízes, os que acusam e condenam, aprovados em concurso ou nomeados, mantêm intactos suas prerrogativas de foro e seguem sem marcação sobre eventuais abusos de autoridade, enquanto menos de 600 legisladores, eleitos por voto popular, passam a ter foro especial limitado, aumentada a superfície a partir da qual Ministério Público e Judiciário, absolutamente protegidos, podem lhes denunciar e sentenciar. 

A dimensão simbólica do troço é uma obviedade física: agressão à atividade política, atentado à democracia representativa, ataque — de corte preciso — a um Parlamento federal já criminalizado. E então leio, em defesa do simbolismo de Barroso: “É só não roubar nem se meter em maracutaia.” Claro... Porque é inquestionável a premissa de que procuradores e juízes agem sempre com honestidade — sem intenções políticas ao acusar e condenar. Né?

Quem tem mesmo privilégios no Brasil? Quem tem mais privilégios — poder? Renan Calheiros ou Roberto Barroso?


terça-feira, 13 de junho de 2017

Cármen recua na histeria; lembra que PGR também tem de seguir a lei; então, há muito a fazer

Em nova nota, presidente do Supremo tenta reverter o mal-estar provocado por sua destrambelhada reação de sábado. Afinal, um boato a levou ao jacobinismo oco; fatos, no entanto, não a moveram em defesa do Supremo

Sim, Cármen Lúcia me dá razão e admite, ainda que não o diga, ter emitido uma nota absolutamente destrambelhada no sábado. A presidente do Supremo procurou amenizar, nesta segunda, o texto fora do tom. Vamos ver.
Escrevi três posts muito duros em meu blog tratando da dita-cuja, motivada por reportagem da “Veja”. Segundo a revista, um auxiliar de confiança do presidente Michel Temer teria confidenciado a um repórter (a quem deve ser ainda mais fiel, né?)) que a Abin (Agência Brasileira de Informação) estaria investigando as relações do ministro Edson Fachin com o grupo J&F, de Joesley Batista, o Folgadão. Até amigos me perguntaram se eu não tinha sido duro demais com Cármen. Não! Fui absolutamente realista. Lembrei o óbvio:
a: outros ministros, comprovadamente, foram alvos de ações ilegais, e ela se calou;
b: no caso em questão, não se tem nem mesmo a comprovação de que a coisa aconteceu.

A nota de sábado, parece-me inescapável concluir, buscava criar uma blindagem em torno de Fachin, de sorte que o ministro não tenha de responder a algumas questões incômodas:
a: por que, candidato ao Supremo, ele visitou gabinetes de senadores em companhia de Ricardo Saud, o, digamos, segundo maior acusador do presidente?;
b: por que, já ministro, estendeu-se num jantar na casa de Joesley das 21h de um dia às 6h de outro?

Tenha ou não voado no jatinho da JBS, esses elementos bastam para que dê uma explicação, ora bolas! Eu acabei de sair de dois dos meus empregos para entrar em dois outros. O Saud não me ajudou. Até porque não o conheço, né? Ainda que esse caso estivesse relacionado ao petrolão e fosse Fachin o relator natural, o ministro deveria declinar de tal tarefa. Ele não pode homologar a delação dos comandantes do grupo que o ajudou a se eleger ministro do STF. A blindagem não para por aí, como se verá em outro post. Volto a Cármen Lúcia.

Hoje, uma nota na página do Supremo dizia o seguinte: “A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, disse, nesta segunda-feira (12), que não adotará qualquer providência sobre notícias veiculadas no fim de semana que apontaram haver escuta ou medida irregular contra ministros do Supremo. “O tema está, por ora, esgotado”, afirmou a ministra ao revelar que o presidente da República garantiu não ter ordenado qualquer medida nesse sentido. “Não há o que questionar quanto à palavra do Presidente da República”, ressaltou a presidente do Supremo.
Cármen Lúcia voltou a frisar, contudo, que “qualquer irregularidade vinda de qualquer órgão estatal, de qualquer dos poderes da República ou da Procuradoria Geral da República contra qualquer cidadão não será tolerada, por contrariar a Constituição Federal”.

Ah, agora, sim, as coisas parecem estar um pouco mais perto do eixo, ainda que exista muita coisa fora do lugar. O presidente Michel Temer fez um pronunciamento, que está nas redes sociais (ver outro post), em que diz com todas as letras: “Não interfiro nem permito a interferência indevida de um Poder sobre o outro. Em hipótese alguma, nenhuma intromissão foi ou será consentida.”

A propósito: que Cármen Lúcia leve a sério o que disse! E que se lembre: quando permitiu que uma gravação clandestina e marota fosse o ponto de partida de ações contra o presidente, desfechadas pela Procuradoria Geral da República e pelo Supremo, em claro desrespeito ao Inciso LVI do Artigo 5º da Constituição cláusula pétrea que proíbe o uso de prova ilícita num juízo —, estava “tolerando irregularidade vinda de um órgão estatal contra um cidadão”. Ou melhor: de dois órgãos um deles comandado por ela.
Este cidadão vem a ser o presidente da República.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo

Veja também: PELA ORDEM: Harmonia entre os Três Poderes! EFachin tem de se explicar, sim, ora essa!