Povo vibrou quando prosperou a tese inconstitucional, do demagogo Barroso, aquela que criminalizava o financiamento empresarial de campanha eleitoral
Quando um
juiz fala em “dimensão simbólica” de uma decisão de corte constitucional,
declara e assume, como se virtuoso, o caráter discricionário, o potencial
seletivo consciente, de uma determinação do tribunal, aquele que deveria
proteger a Constituição, mas que se julga, à revelia do que dispõe a Carta,
educador, moralizador, da vida pública do país. Refiro-me a Roberto Barroso —
legislador-mor da nação, no entanto sem votos — e à vergonhosa, sem dúvida histórica,
sessão em que o Supremo deliberou pela restrição à prerrogativa de foro para
parlamentares federais.
A decisão
é o próprio espírito do tempo. É obra do emparedamento da política. Deriva da
covardia do Congresso, que ainda não compreendeu que o movimento não é contra
partido A ou B, mas contra a atividade política como princípio e valor, e do
medo dos ministros do STF que, não concordando com a proposta, afinal, com um
ou outro senão, aderiram a ela. (Querem poder andar na rua, né?) O julgamento,
uma escolha, consagra o jacobinismo e indica que já não basta ao partido do
sistema judicial inviabilizar a administração pública: não se trata mais de
aprofundar a ingovernabilidade (de vender a ideia de que o mecanismo, a
política partidária tradicional, essencialmente bandida, não pode gerir o
Estado), mas de plantar condições a um projeto de poder antipolítico.
Exagero?
Pensemos, então, em Joaquim Barbosa. Que tal? A decisão
— a mentira propagandeada como “fim do foro privilegiado” — não pode ser lida
sem que se lhe esmiúce a metodologia. Há método — o modus operandi por
meio do qual nem mais nos incomoda que um poder assalte o espaço de outro, isso
já a ponto de que admitamos como expressão de progresso a explicação que os
justiceiros togados dão para o ativismo, estimulados e legitimados pela
imprensa: se o Legislativo não legisla como queremos, que o Judiciário o faça.
A tal caça aos corruptos fundamenta as práticas de exceção. É quando passa por
bem-vindo que o relator de uma ação penal proponha uma questão de ordem —
instrumento de alcance modesto — para assassinar (com base em estatísticas
furadas) um punhado de artigos constitucionais claríssimos. E o povo vibra!
Vibrou
também quando a tese inconstitucional, do mesmo demagogo Barroso, aquela que
criminalizava o financiamento empresarial de campanha eleitoral, prosperou até
que nos afundássemos no modelo — verdadeiro sonho do crime organizado — que
estabelece o financiamento público e que limita o privado somente a doações de
pessoas físicas, equivalente a um laranjal de CPFs, paraíso para que
traficantes, bicheiros, milicianos e outros pastores do dinheiro vivo elejam
suas bancadas, conforme veremos em outubro de 2018.
O notório
saber de Barroso é mesmo em marketing. Isso já era conhecido, demonstrado desde
quando um dos mais apaixonados defensores da revitalização dos tais embargos
infringentes — recolocados na rotina do Supremo para livrar José Dirceu de
condenação por formação de quadrilha — conseguiu se transformar em, juro,
paladino da luta contra a corrupção e em líder da cruzada contra a morosidade
de processos criminais. Não me lembro, porém, de mistificação mais influente do
que a completada, no último dia 3, no STF.
Em
números, a dimensão do conjunto falacioso se impõe e facilita o entendimento do
engodo arbitrário por meio do qual patriotas como o outrora advogado do
terrorista Cesare Battisti combatem a impunidade no Brasil: são quase 60 mil os
que hoje detêm — intocada — alguma prerrogativa de foro, e apenas 594,
senadores da República e deputados federais, aqueles sobre os quais a decisão
do STF cravou restrição. Que tal? O que isso quererá dizer, se nada tem a ver
com justiça? Trata-se de investimento na desarmonia institucional; de ação
disfuncional de impacto imprevisível sobre o equilíbrio entre poderes; de
perigoso aval aos hábitos persecutórios em moda aqui. Janot venceu.
Exagero? Projete-se
o cenário — real. Morto pela agenda melindrada da Lava-Jato, cuja disciplina
consiste em se apregoar como sob ameaça permanente, daí que nada se reformaria
neste país senão para destruir a operação, enterrou-se o debate sobre a nova
lei de abuso de autoridade, necessária, uma vez que a atual remete ao regime
militar e em nada coíbe excessos de poder contra o indivíduo. Essa obstrução
foi festejada, embora tenha por resultado, hoje, a seguinte distorção — apenas
um entre dezenas de exemplos: milhares de procuradores e juízes, os que acusam
e condenam, aprovados em concurso ou nomeados, mantêm intactos suas
prerrogativas de foro e seguem sem marcação sobre eventuais abusos de
autoridade, enquanto menos de 600 legisladores, eleitos por voto popular,
passam a ter foro especial limitado, aumentada a superfície a partir da qual
Ministério Público e Judiciário, absolutamente protegidos, podem lhes denunciar
e sentenciar.
A
dimensão simbólica do troço é uma obviedade física: agressão à atividade
política, atentado à democracia representativa, ataque — de corte preciso — a
um Parlamento federal já criminalizado. E então leio, em defesa do simbolismo
de Barroso: “É só não roubar nem se meter em maracutaia.” Claro... Porque é
inquestionável a premissa de que procuradores e juízes agem sempre com
honestidade — sem intenções políticas — ao acusar e condenar. Né?
Quem tem
mesmo privilégios no Brasil? Quem tem mais privilégios — poder? Renan Calheiros
ou Roberto Barroso?
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