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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Este homem é uma lutadora - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

A falsa inclusão de atletas transexuais em esportes femininos significa a exclusão de meninas de seus espaços no esporte

Alana McLaughlin, antes e depois da transição | Fotos: Reprodução Instagram
Alana McLaughlin, antes e depois da transição -  Fotos: Reprodução Instagram 
 
Há duas semanas, escrevi um artigo sobre o silêncio das feministas com a nova velha realidade das mulheres no Afeganistão depois da retirada das tropas norte-americanas e aliados da região. Comandadas pelo Talibã agora, as afegãs sofrerão sob um duro regime de opressão e liberdades cerceadas.
 
Mas o silêncio das feministas não é exclusivo para o assunto das mulheres do Afeganistão, agora cobertas da cabeça aos pés e sem o direito de trabalhar nem estudar.  
O feminismo de butique que diz lutar pelas mulheres continua calado em relação ao avanço absurdo de atletas transexuais, homens biológicos contemplados com anos de testosterona, competindo, invadindo e agora espancando mulheres sob os aplausos dos seguidores do politicamente correto.

Alana McLaughlin, a segunda mulher abertamente transgênero a competir no MMA nos Estados Unidos, venceu sua estreia na semana passada por finalização nas preliminares do Combate Global em Miami, Flórida. A lutadora de 38 anos usou um mata-leão contra Celine Provost para encerrar a partida aos 3 minutos e 32 segundos do segundo round. McLaughlin, que começou sua transição de gênero após deixar as Forças Especiais do Exército dos EUA em 2010, disse que espera ser uma pioneira para atletas transgêneros em esportes de combate: “Quero pegar o manto que Fallon colocou”, disse McLaughlin à Outsports antes da luta, referindo-se a Fallon Fox, que em 2012 se tornou a primeira mulher trans a lutar no MMA. “No momento, estou seguindo os passos de Fallon. Sou apenas mais um passo ao longo do caminho e é minha grande esperança que haja mais coisas para seguir atrás de mim.”

A luta terminou com um mata-leão que McLaughlin deu na adversária, Celine Provost | Foto: Reprodução

Antes da transição, McLaughlin era um soldado das Forças Especiais dos EUA, o que levou alguns usuários de mídia social e até mesmo outros lutadores a questionar a legitimidade de sua competição na seção feminina do MMA. Entre os críticos estão o lutador do UFC Sean O’Malley e o narrador de MMA Angel David Castro. Alana McLaughlin fez a transição cinco anos atrás, o que significa que “ela” viveu 33 anos de sua vida como homem e com o corpo formado em sua totalidade pelo hormônio mais proibido para as mulheres no esporte: a testosterona.

Há alguns anos venho tentando trazer um pouco de racionalidade para o debate público sobre transexuais no esporte. Essa falsa inclusão significa a exclusão de meninas e atletas femininas de seus espaços no esporte. 
A invasão de homens biológicos nos esportes femininos não é apenas errada, é um ataque frontal e um desrespeito às mulheres — a própria discussão é, em si, ultrajante e humilhante. 
O debate honesto sobre esse assunto não pode ser embasado na identidade social de um indivíduo, que, obviamente, deve sempre ser respeitada. Como as pessoas decidem viver suas vidas é um problema individual. 
Mas decisões sociais e particulares não criam direitos imediatos. Esse assunto é sobre a clara exclusão de meninas e mulheres no esporte feminino, é sobre ciência e sobre identidade biológica, pilar sagrado e justo nos esportes.

Nessa semana, a Califórnia passou por um processo de recall para o governo estadual. Dentre os candidatos a ocupar o lugar de Gavin Newson estava Caitlyn Jenner, ex-atleta olímpico de decatlo masculino como Bruce Jenner. Jenner se identificou como mulher trans em 2015, é pai das empresárias Kylie e Kendal Jenner, padrasto das Kardashians e é contra meninos biológicos trans competirem com meninas no esporte feminino. Recentemente, ela disse em um vídeo que esse assunto é apenas uma questão de justiça: “Sou contra meninos biológicos que são trans poderem competir com garotas nas escolas. Simplesmente não é justo”. E arrematou: “E nós temos de proteger o esporte feminino nas escolas”. Caitlyn foi devorada pelo tal feminismo que jura por todos os santos proteger e lutar pelas mulheres.

O assunto, para aqueles que querem apreciar a biologia humana, é vasto e muito bem estabelecido na ciência. As diversas vantagens que as mulheres trans possuem devido aos anos de testosterona desde a infância não são amenizadas ao manter a quantidade hormonal recomendada pelo Comitê Olímpico Internacional de até 10 nanomols por litro por 12 meses. 
Não existe estudo que prove que esse período reverta aspectos como o coração e os pulmões maiores, maior capacidade aeróbica e cardiorrespiratória, além de outros, como nível de oxigênio no sangue, densidade óssea e fibra muscular. Não há absolutamente nenhum estudo que mostre que a genética masculina pode ser revertida em apenas um ano, depois de passar 20 ou 30 anos com altas doses de testosterona. 
 
E não para por aí: mesmo pequenas quantidades de testosterona a mais no organismo feminino podem resultar em verdadeiros milagres no esporte, como segundos de diferença em uma prova, o que pode definir uma medalha de ouro ou um recorde olímpico. 
O teto de testosterona que uma atleta transexual pode ter chega a ser até três vezes maior do que o de uma mulher. No corpo de uma atleta, um pouquinho a mais desse hormônio, considerado o suprassumo do esporte, faz uma grande diferença.

Ao longo de 24 anos como atleta profissional, pude conhecer médicos excepcionais, engajados na proteção do esporte limpo e justo. O ortopedista Bernardino Santi, que já participou de quatro edições dos Jogos Olímpicos como profissional de saúde, foi um deles e hoje desempenha um trabalho importantíssimo na proteção das mulheres. Santi, assim como centenas de outros médicos ligados à fisiologia humana que se calam para o politicamente correto, é categórico em afirmar que ainda não há evidências científicas que levem a um consenso que garanta segurança a todos os atletas, incluindo os próprios esportistas transgêneros, durante as competições. Para ele, as definições do Comitê Olímpico sobre o tema são precipitadas: “Hoje, é muito precoce, não há consenso científico para dizer que uma atleta trans se equipara a uma mulher biológica. Pelo contrário, há muitos trabalhos científicos que rebatem essa argumentação”.

Para os esportes de contato, como o MMA, há ainda maiores inseguranças para as mulheres biológicas sobre sua integridade física

O principal ponto de todo esse debate, que é o fator hormonal e a quantidade de testosterona relacionada a maior massa muscular e óssea, parece simplesmente não existir para a turba político-ideológica que vem gritando “ciência!” ultimamente. Mas Santi ressalta outros pontos além da grande diferença hormonal na resposta muscular, na velocidade, na força e em explosão: “A capacidade pulmonar e o aspecto cardiológico são alguns dos fatores que dão vantagens físicas aos atletas que são homens biológicos. Mas se compararmos apenas a questão da bacia da mulher, por exemplo, que é preparada para a gravidez, há muitas diferenças com relação à do homem. Com isso há um centro de gravidade diferente, uma explosão muscular diferente. Por mais que se atue na parte hormonal, há aspectos que são impossíveis de ser modificados”, ressalta o médico.

Os perigos de tamanha cegueira ideológica não são relacionados apenas às mulheres que estão vendo seus espaços esportivos serem invadidos por homens biológicos. Muitos médicos, como Santi, ressaltam que não se sabe, por exemplo, até que ponto essa mudança hormonal nas mulheres trans levará a outros tipos de doença, pois não há tempo suficiente para estudos conclusivos que possam garantir que daqui a alguns anos a retirada da testosterona nessas atletas trans não possa levar a um problema cardiológico, por exemplo, ou que possa trazer algum risco de morte para a pessoa: “Há muita precipitação em torno do tema e nisso não está se pensando no ser humano”, ressalta Santi.

Para os esportes de contato, como o MMA, há ainda maiores inseguranças para as mulheres biológicas sobre sua integridade física. E mesmo diante de tamanha injustiça, muitas atletas têm sido colocadas em verdadeiras espirais de silêncio e não se pronunciam, com receio de serem rotuladas de preconceituosas ao se manifestar abertamente sobre o assunto. A verdade é que, se essas atletas não se manifestarem, o esporte feminino será tomado por uma turba que demanda que o politicamente correto seja maior até que a ciência e a biologia humana. Atletas trans baterão recordes seguidos com uma clara vantagem biológica que não pode ser ignorada — e, no Ocidente livre para as mulheres, teremos de nos comportar como as afegãs sob o Talibã.

Um homem não pode se tornar uma mulher diminuindo sua testosterona. E os direitos das mulheres não devem terminar onde os sentimentos de alguns começam.

Leia também “As mulheres invisíveis do Afeganistão”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O recado de Marco Aurélio à Câmara - O Globo - [Destaque ao óbvio foi uma ameaça velada aos deputados?]

Lauro Jardim

Durante a sessão do STF que terminou agora há pouco e confirmou por unanimidade a prisão do deputado Daniel Silveira, o ministro Marco Aurélio Mello passou um recado à Câmara.
Disse, em referência a decisão que a Câmara terá que tomar se mantém o deputado preso:
Mantenho o ato de sua excelência (Alexandre de Moraes). E agora a Câmara do Deputados, e não vejo nisso qualquer pressão, terá que apreciar não só um ato individual, mas um ato do colegiado, que imagino, formalizando uma só voz. [insistimos em lembrar que a decisão da Câmara, seja qual for, será tomada por determinação da Constituição Federal.]
 
Na porta da PF, apoiadores de Daniel Silveira agridem homem que segurava placa de vereadora do Psol, morta em 2018
Apoiadores do deputado Daniel Silveira agrediram um homem em frente à sede da Polícia Federal no Rio de Janeiro — onde o parlamentar está preso. A vítima segurava uma placa com o nome de Marielle Franco.

LEIA MAIS: Deputado preso que diz não temer 'vagabundo' banca segurança com dinheiro público

Como todos sabem, a primeira confusão pública protagonizada por Silveira deu-se em 2018, quando ele quebrou uma placa [placa ilegal, pirata, fake - é competência das prefeituras decidir sobre a nomenclatura das ruas e confecção de placas.] com o nome da vereadora assassinada.

Defronte à PF, enquanto os apoiadores gritavam o nome do deputado, um homem retirou a placa das mãos do dono, que estava com a perna imobilizada e andando de muletas, e a jogou para o alto. O dono da placa foi jogado ao chão após receber um golpe mata-leão.
 
O Globo 
 
 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

A paciência acabou - Augusto Nunes

Os brasileiros começam a reagir à cassação dos direitos individuais

A Constituição informa que o Supremo Tribunal Federal deve cuidar apenas de questões constitucionais
Hoje, o STF decide qual time de futebol foi o campeão brasileiro em alguma temporada do século passado, se o presidente da República pode preencher cargos que sempre foram preenchidos pelo chefe de governo ou se parlamentares bandidos têm o direito de deixar em casa a tornozeleira eletrônica para participar de sessões do Congresso, fora o resto. 
 
Quem conhece o Timão da Toga não se surpreendeu ao saber que também o combate ao vírus chinês, que já sobrevoava em formação de esquadrilha numerosas regiões do país, fora anexado ao vastíssimo buquê de atribuições da corte cujo codinome em juridiquês ultracastiço é Pretório Excelso.  
No fim da tarde de 15 de abril do mais estranho dos anos, o STF resolveu que caberia aos governadores e prefeitos a montagem e a execução da estratégia da guerra, a definição do que seria fechado ou continuaria funcionando enquanto durasse a crise sanitária ou como deveriam comportar-se os governados.  
Ao governo federal restaria socorrer financeiramente Estados e municípios, arranjar dinheiro para sustentar os desvalidos, não se meter em assuntos alheios e rezar para que a economia sobrevivesse à paralisia.

Os ministros nem haviam guardado no armário a capa preta e os incumbidos de liderar a guerra contra o antagonista invisível já agiam com a prepotência de quem se acha munido de superpoderes. Com a arrogância de quem convivera desde criancinha com o inimigo que ninguém conhecia, governadores e prefeitos suprimiram o direito de ir e vir por tempo indeterminado, ordenaram que todo mundo ficasse em casa, fecharam todas as escolas, públicas e privadas, bloquearam acessos às cidades que administravam, interditaram estabelecimentos comerciais e indústrias. [lembravam no agir os tempos dos fiscais do Sarney, só que se intitulavam os fiscais dos supremos e fracassaram tal qual aqueles.] Avisaram que só deveriam usar máscara os profissionais de saúde (voltaram atrás quando a Organização Mundial da Saúde mudou de ideia e inaugurou uma nova palavra de ordem: use máscara), tornaram obrigatório o uso de luvas para impedir a disseminação do vírus que acampava em qualquer superfície. Em poucas horas, o autoritarismo epidêmico contaminou os escalões inferiores e se intensificou o confisco de direitos individuais indissociáveis do Estado Democrático de Direito.  

Amedrontados com um inimigo onipresente e invisível, aturdidos com o noticiário dos jornalistas de velório [estes e estas, que possuíam algum renome, se especializaram via mestrado em contagem de cadáveres,  ´foram discretamente lembrados que quando a pandemia cessasse a permanência deles, ou delas, na função de âncora dependeria da precisão na contagem dos falecidos e do quanto  compungida fosse a 'cerimônia' do encerramento do noticioso e suas fisionomias; houve até uma suprema decisão estabelecendo como deveria ser a contagem e apresentação pelo Ministério da Saúde, dos números dos defuntos de cada dia milhões de brasileiros demoraram quase nove meses para compreender que a preservação da liberdade não é menos importante que a defesa da vida, e que o combate à pandemia pode ser travado sem que a economia se submeta à falência epidêmica. Ficou evidente que a fome e o desemprego também matam. E então a paciência do povo chegou ao fim.

Em 13 de dezembro de 1968, ao justificar seu voto contrário à aprovação do Ato Institucional nº 5, o vice Pedro Aleixo explicou ao presidente Costa e Silva que não o atormentava o uso do duro instrumento político-jurídico pelo chefe do governo militar ou por seus ministros. “O problema é o guarda da esquina”, advertiu o jurista mineiro. Faltou um Pedro Aleixo na sessão do Supremo que transformou governantes e prefeitos em tiranetes de ópera-bufa. Os guardas municipais, primos dos guardas de esquina, entraram em ação no minuto seguinte. 

Em Araraquara, atiçados pela insolência do prefeito Edinho Silva (PT, naturalmente), quatro deles protagonizaram cenas de selvageria explícita no cumprimento da missão patriótica: prender uma mulher pelo crime de sentar-se no banco de uma praça deserta sem trajes de astronauta.  
Em Niterói, duas brasileiras foram capturadas quando caminhavam na orla. 
Em Maringá, o dono de um lava-jato desmaiou depois de imobilizado por guardas municipais com um golpe conhecido como “mata-leão”. Ao recuperar os sentidos, foi engaiolado por violar um decreto do prefeito Ulisses Maia (PSD). 
Em São Paulo, Henrique Fogaça, chef do restaurante Sal, foi impedido pela polícia de distribuir marmitas a moradores de rua. Tudo isso sob o silêncio da plateia nacional.
“Cuidado”, advertiu J. R. Guzzo, colunista de Oeste. “Não é certo que lhe devolvam depois tudo o que estão lhe tirando agora.” Passados nove meses, os alvos dos surtos de autoritarismo vão enfim percebendo que as coisas foram longe demais. Cada vez mais brasileiros agora sabem que o isolamento horizontal permitiu que o sistema hospitalar em escombros se equilibrasse sobre as pernas mirradas, e livrou de congestionamentos paralisantes a rede de UTIs. Mas não reduziu significativamente o número de infecções e mortes, não deteve o avanço da pandemia
As previsões catastróficas não se consumaram: os porta-vozes de necrotério tiveram de conformar-se com um total de óbitos muito menor que o milhão de vítimas imaginado por cientistas de manicômio como Atila Iamarino. Esvaziado o baú de profecias terroristas, cresceu a multidão de brasileiros convencidos de que a sensatez recomenda a combinação de cautelas preventivas com a retomada das atividades econômicas.

Também chegara a hora de encerrar a quarentena escolar mais rigorosa, extensa e absurda do mundo. Em São Paulo, não há aulas presenciais desde março. Até recentemente, o isolamento da geração covid era defendido a socos e cotoveladas por professores e funcionários do sistema educacional, e endossado pela imensa maioria dos pais de alunos. A primeira rachadura na muralha foi produzida por grupos de pediatras e psicólogos aflitos com os danos impostos à saúde física e mental de crianças e adolescentes. 

Os ventos viraram de vez com o surgimento do movimento Escolas Abertas, criado por mães inconformadas. Amparadas em 35 mil assinaturas, e em argumentos irrefutáveis divulgados nas redes sociais e em grupos de WhatsApp, as militantes acuaram a prefeitura de São Paulo com uma ação popular. Uma vitória em primeira instância obrigou a prefeitura e o governo do Estado a apresentar um relato oficial sobre o pouco que até agora fizeram e o muito que terão de fazer para que as escolas sejam reabertas em 1º de fevereiro. A mobilização dos pais também induziu o governador João Doria a alterar o plano de combate à pandemia, permitindo que as escolas permaneçam abertas mesmo que a curva desenhada pela pandemia oscile para cima. “Nenhum país permaneceu com as escolas fechadas durante tanto tempo”, registra a empresária Lana Romani, uma das fundadoras do Escolas Abertas. “Dezenas de estudos científicos mostram que manter as aulas presenciais não aumenta a contaminação pelo vírus e que a transmissão, tanto de criança para criança quanto de criança para adulto, é muito pequena. Estamos tirando de uma geração a chance de ter um futuro melhor.” 

Em território paulista, o governador só acredita no que lhe dizem os integrantes do Centro de Contingência, formado por sumidades de distintas tribos da ciência e da medicina. Aconselhado por eles, Doria encomendou a vacina chinesa, marcou para 25 de janeiro o início da imunização e, sem revelar os estudos que medem o grau de eficácia do que chama de vacina do Butantan, passou a acusar a Anvisa de fazer o diabo para retardar a invencível ofensiva contra a covid. Foi certamente esse conselho de sábios que recomendou a Doria o endurecimento da guerra contra a pandemia. Ignora-se se também o aconselharam a anunciar a má notícia só depois das eleições municipais. “Uma definição de loucura é continuar fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”, constata a frase atribuída a Albert Einstein. Sobram evidências de que o lockdown e as políticas de isolamento (mais ou menos severas) não ajudaram a salvar uma única vida. 

Um estudo do banco norte-americano J. P. Morgan divulgado em junho demonstrou que medidas drásticas não alteraram o curso da pandemia. “Embora costumemos ouvir que os lockdowns são guiados por modelos científicos e que existe uma relação exata entre o nível de atividade econômica e a propagação do vírus, isso não é amparado pelos dados”, afirmou o físico Marko Kolanovic, coordenador da pesquisa. “Em quase toda parte os números de infecção diminuíram após a reabertura econômica.” 
O Peru foi um dos primeiros países a adotar um radical lockdown.  
No momento, amarga a sétima posição entre as nações com mais mortes por milhão de habitantes. 
A Argentina também apostou no confinamento eterno e promoveu o mais longo lockdown do planeta. A estratégia desastrada garantiu-lhe, ao longo de outubro, a liderança no ranking das mortes por milhão.

Na contramão dos loucos por um lockdown, as autoridades japonesas abdicaram do confinamento horizontal e se dedicaram a convencer a população de que o essencial era evitar os “3Cs”. C é a inicial das três expressões do idioma japonês que, em português, significam espaços fechados, aglomerações e locais que dificultam o distanciamento. Ao percorrer o caminho do meio, a nação asiática, cuja população idosa é proporcionalmente a maior do mundo, transformou-se num caso exemplar de sucesso no controle da pandemia: 26 mortos por milhão de habitantes, de acordo com os dados registrados na terça-feira, 29. É um número extraordinariamente baixo se comparado às cifras da Bélgica (1.657), da Itália (1.190) ou da Espanha (1.066). 

Avesso a examinar com boa vontade opiniões que contrariem os especialistas de estimação, Doria avançou com determinação pelo caminho que leva ao penhasco. Dias depois de qualificar de fake news a informação correta — a quarentena para todos seria ressuscitada assim que terminasse a apuração do segundo turno —, Doria anunciou o retorno à fase vermelha de todos os municípios e comunicou que os brasileiros de São Paulo deveriam ficar em casa nos feriados do Natal e do Ano-Novo.

O descontentamento causado pela volta dessa espécie de prisão domiciliar tornou-se um pote até aqui de cólera com uma das mais curtas, mais desastradas e mais inoportunas viagens internacionais planejadas por um político. Como revelou Oeste com exclusividade, no dia seguinte ao do decreto que intensificou o confinamento o governador mandou os três filhos para Trancoso, no litoral da Bahia, e embarcou para Miami com a mulher, Bia. Pretendia ficar dez dias por lá. Voltou horas depois do desembarque, tangido pela tempestade de críticas que varreu as redes sociais. O pretexto para o regresso indesejado foi o providencial ataque de um pelotão de coronavírus ao vice Rodrigo Garcia. Num vídeo gravado já no Palácio dos Bandeirantes, Doria pediu desculpas pelo erro. Mas o estrago estava feito. A viagem que não houve favoreceu a mobilização de prefeitos que, pressionados por comerciantes e empresários locais, resolveram ignorar ostensivamente as ordens do rei nu.

Cerca de 20 governantes municipais, vários deles filiados ao PSDB, mantiveram o comércio aberto entre 25 e 27 de dezembro. E prometem reprisar o desafio de 1º a 3 de janeiro de 2021. “Nesse período, temos o maior fluxo de turistas”, justificou Alexandre Barbosa, prefeito de Santos. “E discordamos da forma como a medida foi implementada.” Prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto avalizou a discordância: “Temos uma condição diferenciada e a cidade está protegida”, afirmou. “Todas as vezes que o governo anunciou que iria mudar de fase e criar restrições aos comerciantes e empresários nós seguramos a onda.” Durante uma entrevista ao programa Os Pingos nos Is, da Rádio Jovem Pan, Everton Sodario, prefeito de Mirandópolis, foi taxativo: “A população precisa e quer trabalhar”.

João Doria não foi o único a descobrir que os governados chegaram ao ponto de exaustão. Em 26 de dezembro, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PDS), decretou o fechamento do comércio, que passaria a atender apenas por meio de delivery ou drive-thru. Na manhã daquele dia, manifestantes ocuparam as principais avenidas da capital, gritando a palavra de ordem: “Queremos trabalhar!”. “Não é justo que em plena festa de fim de ano o governador aplique um golpe desses nos comerciantes e varejistas do Centro e de toda Manaus”, resumiu Givanildo Marcos Maia, presidente da Associação dos Trabalhadores de Comércio. Wilson Lima recuou no dia seguinte. 

Sobrou até para autoridades do Judiciário. Há duas semanas, o juiz Raphael Campos, da 2ª Vara de Búzios, resolveu impor um lockdown ao município no litoral fluminense. Determinou o fechamento de estabelecimentos comerciais, limitou o acesso às praias e exigiu que todos os turistas dessem o fora em 72 horas. Imediatamente, a população foi às ruas exigir a revogação do surto autoritário, que acabou suspenso por Claudio de Mello Tavares, presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

O deputado Ibsen Pinheiro, que presidiu a Câmara durante a tramitação do impeachment de Fernando Collor, vivia avisando que “o Congresso sempre faz o que o povo quer, e nenhum político ousa contrariar o que o povo claramente exige”. 
 
Silenciados durante meses pela ofensiva conjunta de governadores autoritários, prefeitos insolentes e doutores arrogantes, os brasileiros vão recuperando a voz e a vez. Já não aceitam decretos imperiais; querem ouvir argumentos e ser persuadidos. Já não admitem a supressão unilateral de direitos constitucionais irrevogáveis. Perderam a paciência com donos da verdade. E vão aprendendo que todo país será o que os seus habitantes quiserem que seja.
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

Colaboraram Artur Piva, Branca Nunes, Cristyan Costa e Paula Leal

 


terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Arábia Saudita: balada forte num dia, decapitações no outro - VEJA - Mundialista


Condenação à morte dos peixes pequenos pelo assassinato de Jamal Khashoggi culmina um ano delirante que só comprovou: o dinheiro compra tudo

Por Vilma Gryzinski
Por trás da máscara: jovens curtem festival eletrônico, adaptando exigência religiosa, e príncipe acha que resolveu questão de assassinato de opositor Fayez Nureldine/AFP

Dar a vida pelo chefe é uma força de expressão que ganhou uma interpretação sinistra na Arábia Saudita.  Cinco dos operadores que receberam a missão de matar Jamal Khashoggi, desafeto do príncipe herdeiro, e a cumpriram de forma excepcionalmente estúpida, foram condenados à morte.  Na Arábia Saudita, a sentença máxima é executada como prega a tradição islâmica, por decapitação.
Não é impossível que a pena seja eventualmente comutada, tendo cumprido a encenação de castigo exemplar.

Os cinco condenados à morte, mais onze a penas de prisão, são os paus mandados da equipe de assassinos enviada ao consulado saudita em Istambul, em 2 de outubro do ano passado. Inclui-se entre eles o médico legista que aparece numa gravação dizendo: “Agora, vamos separar as juntas”. Ao som de uma serra elétrica. Sim, o consulado era todo, obviamente, grampeado. A Turquia é um dos maiores rivais da Arábia Saudita – mesmo que não fosse, todo mundo grampeia todo mundo, uma regra amplamente conhecida.

O desembarque, os deslocamentos e a viagem de volta dos assassinos trapalhões, incluindo um trajeto de despiste feito por um dos agentes com as roupas tiradas do corpo provavelmente ainda quente do morto, foram todos registrados em câmeras de segurança. A única coisa que fizeram direito, por assim dizer, foi encarregar um colaborador local de sumir com o corpo desmembrado. O cadáver não foi encontrado até hoje – e não por falta de buscas.

Autoridades turcas, uma investigadora especial da ONU e até a CIA, todos chegaram à mesma conclusão: a ordem de matar Khashoggi, mesmo desproporcional ao dano que podia causar à imagem construída a peso de petrodólares pelo príncipe Mohammed bin Salman, partiu do mais alto nível.  Justamente o eximido no julgamento de resultado encomendado. Por “falta de provas”, livraram-se Saud al-Qathani, íntimo assessor de imagem do príncipe, e Ahmed al-Assiri, o vice-diretor do serviço de inteligência. Para não mencionar o próprio príncipe.

Ah, sim, a operação toda era apenas para “conduzir” Khashoggi de volta à Arábia Saudita, para ouvir uns bons conselhos e mudar de vida. Escapou ao controle porque ele começou a gritar, recebeu uma injeção tipo mata-leão, a coisa deu errado etc etc. Mais um pouco, seria condenado pelo próprio assassinato.
Confiante no seu taco, na relevância do petróleo saudita para manter a economia mundial andando e na importância geoestratégica do país como contrapeso ao Irã, Mohammed bin Salman manteve o sangue frio, a cara de pau e os cofres abertos. Vários de seus projetos ambiciosos foram prorrogados, diante do repúdio a um ato de barbárie tão escandaloso.

Mas menos de um ano depois do assassinato a Aramco, a estatal do petróleo, fez um IPO – não tão bem sucedido como o planejado. Mesmo assim, saiu dele como a empresa mais valiosa do mundo, coisa de 1,7 trilhão de dólares.  A abertura de capital da Aramco faz parte de um grande plano do príncipe para reestruturar a economia saudita, contando inclusive com uma futura era pós-petróleo. Há coisas que fazem sentido no ambicioso plano, há coisas puramente malucas. Exemplo: transformar um país onde reina a corrente mais fundamentalista da religião muçulmana num polo turístico e cultural.

Se um vizinho menor como o Dubai consegue manter exigências como o véu completo, com o rosto coberto, para as mulheres locais, conciliando-as com grandes hotéis e atrações turísticas para estrangeiros, onde biquínis e bebidas são aceitos, por que não a Arábia Saudita, muito mais rica? Há uma longa lista de respostas negativas, inclusive a influência dos religiosos e de setores da própria população mais extremamente conservadores.

Sempre é bom lembrar que Osama Bin Laden foi gerado no coração do sistema saudita. O próprio Jamal Khashoggi teve simpatias pela Al Qaeda, em sua versão original, antes de se transformar em defensor de uma versão islâmica da democracia.
Em compensação, a população mais jovem apoia em massa a política de abertura do príncipe e releva deslizes eventuais como matar e esquartejar um opositor.  Abrir o país a eventos esportivos e shows de música é uma novidade quase inimaginável.

(...)
Ah, sim, nesse ano alucinante, o Irã, acuado pelas sanções americanas, aumentou a pressão e atacou instalações petrolíferas na Arábia Saudita com drones.  Como sempre, os sauditas pediram guerra, desde que travada pelos Estados Unidos com o sacrifício de vidas americanas, claro. Donald Trump achou melhor não. No momento, a situação está temporariamente amornada. Mas todas as condições de alta tensão continuam valendo e 2020 vai ser um ano de arrepiar.

O Irã avança aceleradamente para um portal bem mais próximo da bomba atômica, esperando assim forçar os Estados Unidos a retomar o acordo nuclear renegado.  A resposta da Arábia Saudita sempre foi fazer sua própria bomba caso o Irã não seja contido. Dinheiro para isso, tem.

MATÉRIA COMPLETA em  Blog Mundialista, Vilma Gryzinski, jornalista  - VEJA