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quarta-feira, 15 de junho de 2022

Justiça brasileira x justiça democrática - Fernão Lara Mesquita

O Vespeiro

 O recall do promotor distrital de São Francisco, Chesa Boudin, aprovado terça-feira retrasada, dia 7, por 121.956 votos a 99.571, enseja uma olhada de comparação entre os sistemas judiciários de common law das democracias e o nosso.

A função dos promotores públicos nas democracias é a de decidir, com base no cotejamento da lei escrita, quais casos apurados pela polícia e submetidos a essa autoridade devem ou não ir a julgamento pelo júri, caso em que os próprios promotores se encarregarão de demonstrar aos jurados porque cada réu merece ser condenado. 

Os nossos também têm essa atribuição mas não apenas ela. Se você der uma pesquisada no Google sobre o que é o Ministério Público brasileiro vai encontrar os aleijões em camadas sucessivas que se foram acrescentando ao longo do caminho, ou para atender a esquemas ancestrais de privilégio, ou para fazer o sistema conviver com as distorções do que chamam "a democracia brasileira".

O Ministério Público da União (MPU), por exemplo, divide-se em três ramos além do original que é o Ministério Público Federal (MPF): o Ministério Público do Trabalho (MPT), [bom lembrar que a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral só o Brasil as tem.]herança do "trabalhismo" que foi a ferramenta de suborno eleitoral de Getúlio Vargas e sucessores, o Ministério Público Militar (MPM) para calar a boca dos fardados com quem sempre é perigoso mexer "de fora", e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para satisfação da alta classe da privilegiatura...

Como o único fundamento inegociável da "democracia à brasileira" é que o cidadão é e deve permanecer absolutamente impotente, num dos nossos raros momentos de febre súbita de "cidadania" como foi o da "redemocratização" e da constituinte findo o regime militar, em vez de restituir ao povo o poder de cuidar de si mesmo e mandar nos seus representantes eleitos deu-se ao Ministério Público superpoderes para "substituir o povo" nesse papel. 

Passou a ser dele a atribuição de cuidar dos "interesses sociais e individuais indisponíveis", seja isso o que se quiser que seja, coisa que por si mesmo é impossível definir com alguma precisão até hoje e para sempre, para além de "zelar", em lugar do povo e para o povo, por tudo o mais que os constituintes se lembraram de nomear, entre eles os interesses de cada um de nós em "educação, saude, meio ambiente, direitos dos incapazes, dos idosos, das crianças e dos adolescentes" e por aí afora...

A pretexto de tão nobre tarefa e para que ela pudesse ser exercida sem peias, dentro da brasileiríssima lógica da falta de lógica, deu-se ao Ministério Público uma integral e absurda "independência" dos três poderes, o Judiciário inclusive ... que começa, é claro, pela de decidir o próprio salário.

Toda essa maçaroca confusa o suficiente para permitir que a "otoridade" faça o que bem entender contra ou a favor de quem quiser, as democracias substituem pelo expediente simples de fazer com que o promotor público, do mais alto ao mais baixo da escala geográfica - federais, distritais ou estaduais - assim como todos os funcionários que ela julgue importantes o bastante para isso, sejam diretamente eleitos por sua majestade o povo, cujos interesses eles devem defender a contento para evitar perder o cargo numa votação de recallo que pode acontecer a qualquer momento e por qualquer motivo que caiba no conceito vago da insatisfação do freguês-eleitor.

Chesa Boudin, graduado em Yale e com mestrado em Oxford, Inglaterra, foi eleito promotor distrital de São Francisco em 2019. 
Mas qualquer recall, pelas leis da Califórnia, precisa apenas de uma notificação que não pode exceder 200 palavras da lavra de qualquer eleitor, individualmente, acrescentada de 10 (dez) assinaturas de residentes do distrito que o elegeu, dirigida ao funcionário visado, para começar. Uma cópia é entregue ao Secretário de Estado que organiza todas as "votações especiais" e eleições da área. O funcionário visado tem então sete dias para resumir sua defesa nas mesmas 200 palavras. 
O Secretário de Estado publicará então as duas peças e anunciará o número de assinaturas requeridas, uma porcentagem estabelecida em lei dos votos que ele teve para ganhar o cargo, para que o processo vá adiante e a data limite para a entrega dessas assinaturas. 
Seguem-se uns meses de campanha livre contra e a favor. 
Uma vez conferidas as assinaturas entregues e confirmada a sua validade, convoca-se a nova votação de todos os eleitores do seu distrito. 

Os movimentos de recall estão em alta histórica em todo o país em função da crise que pega o povo por vários flancos diferentes, especialmente o da segurança pública. O de Boudin, que requeria 51.325 assinaturas e conseguiu mais de 83 mil, foi aprovado em 25 de outubro de 2021 e votado terça passada como a "Proposition H" das eleições locais. O governador nomeará um substituto até a eleição do próximo promotor distrital que ocorrerá em novembro.

Não são só os promotores, 24 estados americanos elegem diretamente os seus juízes, e quase todos os demais, inclusive os que nomeiam os seus, provêm hoje "eleições de retenção" desses juízes a cada quatro anos. Um por um é submetido à pergunta ao eleitorado: "fica por mais quatro anos ou não"? 
Boudin, tido como "o rosto do movimento dos promotores progressistas" americano, era acusado de ser leniente com o crime, recusar-se a processar diversos ofensores da lei sob o pretexto de que "prisão não resolve", o que fez com que "assaltos, homicídios e mortes relacionadas a overdoses ganhassem proporções epidêmicas". É, tipicamente, o mesmo gênero de argumento que tem derrubado juízes. A defesa de Boudin foi genérica, na linha de declarar-se vítima da polarização entre democratas e republicanos, mas não colou.

Cabe lembrar, para a aferição exata da distância que estamos da democracia, que a função do juiz de common law não é exatamente julgar os réus e dar-lhes penas segundo o seu "alto saber jurídico", mas antes zelar pelo cumprimento de todos os passos de um julgamento justo. 

Para entrar na justiça de common law o queixoso tem de procurar nos dicionários de precedentes o caso parecido ao seu e pedir a mesma satisfação que foi dada ao anterior. Cabe ao juiz aferir se todas as partes deram o devido depoimento ao júri assistidos por todos os garantidores profissionais dos seus direitos e se aquele caso é exatamente semelhante ao precedente, e ao júri concluir, depois de ouvir todo mundo com direito a depor, se o réu é ou não culpado. Nesse caso, o juiz se limitará a confirmar que a sentença é a mesma que sempre foi dada para aquele crime.

Nas democracias sob common law todos os julgamentos são decididos por um júri de "iguais do réu". Na brasileira, só os crimes de morte porque sob tudo o mais, segundo a "autoridade" e não só ela, "o povo não tem capacidade de discernir"...

É desse manancial que mina, aos borbotões, o grosso dessa corrupção que nos devora.

O Vespeiro - O autor é jornalista.


quarta-feira, 9 de março de 2022

DESMONTAR A ARMADILHA QUE NOS CAPTUROU - Percival Puggina

Nas raras ocasiões em que ouvimos um parlamentar afirmar e sustentar algo com argumentos consistentes e benéficos à nação, usamos a expressão – “Esse me representa!”. 
O meritório conceito jamais se destina a quem esteja defendendo privilégios, favores especiais a quaisquer grupos, aumento do gasto público, cerceamento de nossas liberdades, demagogias populistas e dissimulação de posições. São vozes, raras vozes que olham a nação e os cidadãos. 
 
Por que se tornaram tão raros? Por que, ao ouvi-los, nos sobrevém o desejo de aplaudi-los, se estão simplesmente fazendo o que deveríamos esperar de todos e de cada um? 
E se tantos, a ponto de se tornarem majoritários, não correspondem às nossas expectativas, como se elegem e reelegem? 
Pois aí está a armadilha, a razão de nossa atual impotência, caro leitor. Vamos desmontá-la? 
 
Esses políticos representam grupos de interesse que, uma vez atendidos, se dão por satisfeitos. Daí os privilégios, os favores, as demagogias, o populismo e a gastança dos nossos recursos.  
Seus eleitores, sem perceber, ajudam a montar a armadilha para si e para os demais. 
Desconhecem haver neles, como em todos nós, duas dimensões – uma individual e uma social. A individual trata do interesse próprio. 
A social vê o cidadão (o sujeito da pátria, o membro da nação, o agente da história).

Nosso sistema de eleição proporcional para os parlamentos permite que dezenas de milhões de cidadãos fiquem sem representante porque votaram em candidatos não eleitos, ou porque uma semana depois não lembram em quem votaram, ou porque não têm comunicação com o eleito. E vice versa: parlamentares não conhecem seus eleitores. Todo um sistema de comunicação indispensável à democracia fica inoperante! O deputado conseguiu a verba, destinou a emenda parlamentar, foi bom despachante de questões individuais, cuidou de seus cabos eleitorais? Missão cumprida, o resto do tempo é para cuidar de grana e reeleição.

Quando vai às bases, esse político padrão conversa apenas com companheiros. A nação e a cidadania estão ausentes, fora da pauta. Há um desinteresse completo e inconsequente sobre questões que levam a sociedade às ruas, tais como prisão após condenação em segunda instância, fim da impunidade, impeachment de ministros do STF, ativismo judicial, direito de trabalhar, direito de defesa, extinção de privilégios e remunerações abusivas, liberdade de expressão, reformas institucionais e fiscais, pluralismo nas universidades. É a armadilha em silenciosa operação. Vamos desmontá-la?

O voto distrital, ao contrário do que se alega, acaba com isso! Como cada distrito elege apenas um deputado, ele será o deputado de todos, do mesmo modo como o prefeito é prefeito de quem votou e de quem não votou nele. Será cobrado por todos. E ao retornar às bases seu incontornável destino é estar entre seus representados dando explicações das quais não tem para onde fugir.

Sua vida, suas posições, ações, omissões e votos dados em plenário transcorrem sob as vistas de todos. No meio do mandato, um recall pode mandá-lo de volta para casa por mau desempenho. Com o voto distrital, a armadilha se inverte: quem é caça, vira caçador. Impossível? Quase, mas totalmente impossível se as pessoas fizerem disso um não assunto, como são hoje, entre os congressistas, os temas de nosso maior interesse. Boa informação e não votar em ladrões e picaretas em 2022 já é bom começo.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. 

 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Este homem é uma lutadora - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

A falsa inclusão de atletas transexuais em esportes femininos significa a exclusão de meninas de seus espaços no esporte

Alana McLaughlin, antes e depois da transição | Fotos: Reprodução Instagram
Alana McLaughlin, antes e depois da transição -  Fotos: Reprodução Instagram 
 
Há duas semanas, escrevi um artigo sobre o silêncio das feministas com a nova velha realidade das mulheres no Afeganistão depois da retirada das tropas norte-americanas e aliados da região. Comandadas pelo Talibã agora, as afegãs sofrerão sob um duro regime de opressão e liberdades cerceadas.
 
Mas o silêncio das feministas não é exclusivo para o assunto das mulheres do Afeganistão, agora cobertas da cabeça aos pés e sem o direito de trabalhar nem estudar.  
O feminismo de butique que diz lutar pelas mulheres continua calado em relação ao avanço absurdo de atletas transexuais, homens biológicos contemplados com anos de testosterona, competindo, invadindo e agora espancando mulheres sob os aplausos dos seguidores do politicamente correto.

Alana McLaughlin, a segunda mulher abertamente transgênero a competir no MMA nos Estados Unidos, venceu sua estreia na semana passada por finalização nas preliminares do Combate Global em Miami, Flórida. A lutadora de 38 anos usou um mata-leão contra Celine Provost para encerrar a partida aos 3 minutos e 32 segundos do segundo round. McLaughlin, que começou sua transição de gênero após deixar as Forças Especiais do Exército dos EUA em 2010, disse que espera ser uma pioneira para atletas transgêneros em esportes de combate: “Quero pegar o manto que Fallon colocou”, disse McLaughlin à Outsports antes da luta, referindo-se a Fallon Fox, que em 2012 se tornou a primeira mulher trans a lutar no MMA. “No momento, estou seguindo os passos de Fallon. Sou apenas mais um passo ao longo do caminho e é minha grande esperança que haja mais coisas para seguir atrás de mim.”

A luta terminou com um mata-leão que McLaughlin deu na adversária, Celine Provost | Foto: Reprodução

Antes da transição, McLaughlin era um soldado das Forças Especiais dos EUA, o que levou alguns usuários de mídia social e até mesmo outros lutadores a questionar a legitimidade de sua competição na seção feminina do MMA. Entre os críticos estão o lutador do UFC Sean O’Malley e o narrador de MMA Angel David Castro. Alana McLaughlin fez a transição cinco anos atrás, o que significa que “ela” viveu 33 anos de sua vida como homem e com o corpo formado em sua totalidade pelo hormônio mais proibido para as mulheres no esporte: a testosterona.

Há alguns anos venho tentando trazer um pouco de racionalidade para o debate público sobre transexuais no esporte. Essa falsa inclusão significa a exclusão de meninas e atletas femininas de seus espaços no esporte. 
A invasão de homens biológicos nos esportes femininos não é apenas errada, é um ataque frontal e um desrespeito às mulheres — a própria discussão é, em si, ultrajante e humilhante. 
O debate honesto sobre esse assunto não pode ser embasado na identidade social de um indivíduo, que, obviamente, deve sempre ser respeitada. Como as pessoas decidem viver suas vidas é um problema individual. 
Mas decisões sociais e particulares não criam direitos imediatos. Esse assunto é sobre a clara exclusão de meninas e mulheres no esporte feminino, é sobre ciência e sobre identidade biológica, pilar sagrado e justo nos esportes.

Nessa semana, a Califórnia passou por um processo de recall para o governo estadual. Dentre os candidatos a ocupar o lugar de Gavin Newson estava Caitlyn Jenner, ex-atleta olímpico de decatlo masculino como Bruce Jenner. Jenner se identificou como mulher trans em 2015, é pai das empresárias Kylie e Kendal Jenner, padrasto das Kardashians e é contra meninos biológicos trans competirem com meninas no esporte feminino. Recentemente, ela disse em um vídeo que esse assunto é apenas uma questão de justiça: “Sou contra meninos biológicos que são trans poderem competir com garotas nas escolas. Simplesmente não é justo”. E arrematou: “E nós temos de proteger o esporte feminino nas escolas”. Caitlyn foi devorada pelo tal feminismo que jura por todos os santos proteger e lutar pelas mulheres.

O assunto, para aqueles que querem apreciar a biologia humana, é vasto e muito bem estabelecido na ciência. As diversas vantagens que as mulheres trans possuem devido aos anos de testosterona desde a infância não são amenizadas ao manter a quantidade hormonal recomendada pelo Comitê Olímpico Internacional de até 10 nanomols por litro por 12 meses. 
Não existe estudo que prove que esse período reverta aspectos como o coração e os pulmões maiores, maior capacidade aeróbica e cardiorrespiratória, além de outros, como nível de oxigênio no sangue, densidade óssea e fibra muscular. Não há absolutamente nenhum estudo que mostre que a genética masculina pode ser revertida em apenas um ano, depois de passar 20 ou 30 anos com altas doses de testosterona. 
 
E não para por aí: mesmo pequenas quantidades de testosterona a mais no organismo feminino podem resultar em verdadeiros milagres no esporte, como segundos de diferença em uma prova, o que pode definir uma medalha de ouro ou um recorde olímpico. 
O teto de testosterona que uma atleta transexual pode ter chega a ser até três vezes maior do que o de uma mulher. No corpo de uma atleta, um pouquinho a mais desse hormônio, considerado o suprassumo do esporte, faz uma grande diferença.

Ao longo de 24 anos como atleta profissional, pude conhecer médicos excepcionais, engajados na proteção do esporte limpo e justo. O ortopedista Bernardino Santi, que já participou de quatro edições dos Jogos Olímpicos como profissional de saúde, foi um deles e hoje desempenha um trabalho importantíssimo na proteção das mulheres. Santi, assim como centenas de outros médicos ligados à fisiologia humana que se calam para o politicamente correto, é categórico em afirmar que ainda não há evidências científicas que levem a um consenso que garanta segurança a todos os atletas, incluindo os próprios esportistas transgêneros, durante as competições. Para ele, as definições do Comitê Olímpico sobre o tema são precipitadas: “Hoje, é muito precoce, não há consenso científico para dizer que uma atleta trans se equipara a uma mulher biológica. Pelo contrário, há muitos trabalhos científicos que rebatem essa argumentação”.

Para os esportes de contato, como o MMA, há ainda maiores inseguranças para as mulheres biológicas sobre sua integridade física

O principal ponto de todo esse debate, que é o fator hormonal e a quantidade de testosterona relacionada a maior massa muscular e óssea, parece simplesmente não existir para a turba político-ideológica que vem gritando “ciência!” ultimamente. Mas Santi ressalta outros pontos além da grande diferença hormonal na resposta muscular, na velocidade, na força e em explosão: “A capacidade pulmonar e o aspecto cardiológico são alguns dos fatores que dão vantagens físicas aos atletas que são homens biológicos. Mas se compararmos apenas a questão da bacia da mulher, por exemplo, que é preparada para a gravidez, há muitas diferenças com relação à do homem. Com isso há um centro de gravidade diferente, uma explosão muscular diferente. Por mais que se atue na parte hormonal, há aspectos que são impossíveis de ser modificados”, ressalta o médico.

Os perigos de tamanha cegueira ideológica não são relacionados apenas às mulheres que estão vendo seus espaços esportivos serem invadidos por homens biológicos. Muitos médicos, como Santi, ressaltam que não se sabe, por exemplo, até que ponto essa mudança hormonal nas mulheres trans levará a outros tipos de doença, pois não há tempo suficiente para estudos conclusivos que possam garantir que daqui a alguns anos a retirada da testosterona nessas atletas trans não possa levar a um problema cardiológico, por exemplo, ou que possa trazer algum risco de morte para a pessoa: “Há muita precipitação em torno do tema e nisso não está se pensando no ser humano”, ressalta Santi.

Para os esportes de contato, como o MMA, há ainda maiores inseguranças para as mulheres biológicas sobre sua integridade física. E mesmo diante de tamanha injustiça, muitas atletas têm sido colocadas em verdadeiras espirais de silêncio e não se pronunciam, com receio de serem rotuladas de preconceituosas ao se manifestar abertamente sobre o assunto. A verdade é que, se essas atletas não se manifestarem, o esporte feminino será tomado por uma turba que demanda que o politicamente correto seja maior até que a ciência e a biologia humana. Atletas trans baterão recordes seguidos com uma clara vantagem biológica que não pode ser ignorada — e, no Ocidente livre para as mulheres, teremos de nos comportar como as afegãs sob o Talibã.

Um homem não pode se tornar uma mulher diminuindo sua testosterona. E os direitos das mulheres não devem terminar onde os sentimentos de alguns começam.

Leia também “As mulheres invisíveis do Afeganistão”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


domingo, 25 de julho de 2021

VIGARICE PURA E SIMPLES - Percival Puggina

O cidadão precisa ser muito distraído para não perceber o quanto é mal sucedido o modelo político adotado no Brasil republicano. O sistema é fértil em gerar crises e criar problemas para si e para todos. Pela multiplicação de partidos e maus hábitos, torna cada vez mais cara, difícil e indecentemente onerosa a formação de maioria parlamentar sem a qual nenhum governo conseguiu governar e completar mandato desde 1945. 
 
Quanto mais manhosa a maioria, mais caro o voto. Quanto mais ampla ela for, mais corrupto o sistema. Quem muito atraiu ou comprou, muito haverá de pagar. Bem resumidamente, os sistemas de governo são três:
Presidencialismo, no qual o presidente é chefe de Estado e de governo e precisa, desesperadamente, compor e manter maioria parlamentar depois de eleito;
Semipresidencialismo, no qual o presidente é chefe de Estado e indica um Primeiro Ministro à aprovação do Congresso para que este exerça as tarefas de governo (a maioria que o aprovar é a maioria que vai governar e demanda “negociação” nos moldes atuais);
Parlamentarismo, no qual o presidente é chefe de Estado e a maioria do Congresso indica o Primeiro Ministro. Neste caso, o governo sempre terá maioria porque se não tiver, cai e outro governo é indicado pela nova maioria.
Dos três, o mais racional e mais utilizado nas democracias é este último porque estabiliza a governabilidade. 
 
No entanto, nenhuma alternativa ao atual presidencialismo dará certo se tudo permanecer como está na dinâmica das eleições, da política e da vida parlamentar. 
 
Quem quer dar mais poder a um parlamento como esse que temos? 
 
Antes de qualquer mudança, aprovem nossos parlamentares o voto distrital, o recall, a possibilidade de dissolução do parlamento seguida de convocação de novas eleições por ato do chefe de Estado. São regras civilizadas, próprias ao parlamentarismo, vigentes em democracias estáveis e bem sucedidas.
 
Que este venha depois, e só depois, dos preceitos saneadores do Legislativo!
 
Mas não! A proposta do semipresidencialismo em 2022 é concebida no ventre de um Congresso que em dois anos e meio, perenizando a impunidade, não votou uma PEC que permita a prisão após condenação em segunda instância. 
Não votou a CPI da Lava Toga (para não “desestabilizar” a harmonia dos poderes), mas votou a CPI da Cloroquina para “desestabilizar” o Executivo. 
Não fez andar um único pedido de impeachment contra ministros do STF. Antes, deu rédea solta ao Supremo petista. 
Homologou a absurda ordem de prisão “em flagrante” contra o deputado Daniel Silveira. 
Transformou o Pacote Anticrime em preceitos que reprimem a ação da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário. 
Mandou à nação uma conta de R$ 5,7 bilhões para o custeio de suas campanhas eleitorais do ano que vem. E por aí vão.
 
Todo o mal que tramam é produzido sem que se identifiquem os autores, à noite, à véspera de recessos, em acordos e artimanhas regimentais. 
Todo o bem que não fazem, é omissão oculta no anonimato da multidão; todos se salvam lisos, numa espécie de imunidade de rebanho, se me faço entender. 
 
Semipresidencialismo, nascido nesse parlamento onde a maioria só quer se preservar no poder, é vigarice, pura e simples
É expropriação de poder do presidente que venha a ser eleito no ano que vem. 
É artimanha para se legitimarem perante a nação e, imediatamente após o pleito, seguirem fazendo a única coisa que sabe: cuidarem de si mesmos.  
Proteja Deus e preserve em seu difícil trabalho os bons que, sim, ainda existem.
 
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

quarta-feira, 7 de julho de 2021

A DEMOCRACIA BRASILEIRA É UMA FARSA - Percival Puggina

Se fizermos uma lista de tudo que deploramos em nosso país, ela será imensa. Pouco, muito pouco, de nossas instituições políticas ficaria em pé. Por vezes, eu as vejo como espectros mal-assombrados, pousados nos telhados da pátria como aqueles demônios que dão o que pensar nos beirados de diversas catedrais medievais que visitei.

Somos contra essa democracia de embromação, essa farsa que nos concede o extraordinário privilegio de sermos “o poder soberano” (durante nove horas de votação, a cada quatro anos). Ou seja, vivemos numa falácia em que nossa fatia no poder nacional corresponde a um milésimo do tempo que dele dispõem, para próprio gozo, os poderes de Estado. Não preciso dissertar sobre a importância que dão à nossa pobre e mal vista opinião ao longo desse tempo, fazendo quase tudo ao contrário do que queremos.

Se somos conservadores e/ou liberais, somos contra o esquerdismo, o falso progressismo e suas narrativas, a Nova Ordem Mundial, a falta de pluralismo na difusão de ideias nos meios educacionais, culturais e de informação. Somos contra o empenho fanático pela implantação da  ideologia de gênero nas escolas e escolas com partido, a universidade com politburo. Somos contra a privatização das estatais pelos quadros funcionais, a corrupção política e administrativa, a impunidade, a obstrução ao nosso direito de autodefesa e os desrespeitos ao direito de propriedade. Somos contra o aborto, o “multiculturalismo” que exclui a cultura ocidental, a “diversidade” que discrimina a maioria e a põe sob severa suspeita. Somos contra o voto não auditável, não impresso, não recontável.

Como tudo isso está bem representado nesse puxadinho do PT em que se transformou o STF! 
Afinal, essa é a tenebrosa visão de mundo do "progressismo" internacional.
 Uma das causas – se não a principal delasdessa desgraceira toda está na alfaiataria constitucional brasileira. Péssima qualidade! Tudo anda assim por absoluto favorecimento das regras e do poder que desde as sombras comanda o país. Por isso, precisamos ter bem claro: naquele nosso espasmo de participação política chamado eleição, deveremos conceder nosso apoio e votos a candidatos que explicitem com muita clareza o que querem para o Brasil. Aponte a porta da rua, amigo leitor, para o candidato que lhe aparecer com o polinômio “Saúde, Educação, Trabalho e Segurança”! 
Ou, pior ainda, se lhe apresentar como credencial um sorridente selfie ao lado de quem quer que seja.

Não basta que ele apoie nosso candidato a presidente se não estiver comprometido até o fundo da alma com elevados valores morais, profunda reforma institucional, voto distrital, recall para os parlamentares com mau desempenho, redução do tamanho do Estado, direito de defesa, liberdade de opinião e expressão, direito à vida desde a concepção, direito de propriedade, reforma do ensino e da gestão universitária, desaparelhamento do Estado, privatizações, reforma geral do STF, fim do financiamento público aos partidos e campanhas eleitorais. Abençoe Deus cada eleitor brasileiro nos meses por vir, orientando-nos para o sincero e efetivo amor a Ele, ao Brasil e ao seu povo.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quinta-feira, 30 de maio de 2019

Recall, o terceiro turno do DEM

A maneira de fazer as reformas necessárias é pôr os ladrões  na cadeia e deixar os honestos votarem pelo País



O Partido da Frente Liberal (PFL) nunca foi um campeão de votos, mas sempre manteve prestígio e força no poder republicano, conquistado nas urnas por pareceiros. O grupo teve relevância nos bastidores dos palácios quando o regime militar ruiu sobre os próprios pés de barro, egresso da periferia do poder anterior, durante cujo período teve o chefão mineiro Aureliano Chaves ocupado a Vice-Presidência da República, cargo na prática honorífico, na última gestão fardada, a do general João Figueiredo. Com 18 minutos de tempo de horário “gratuito” em rádio e televisão por dia, o segundo mais longo, obteve 600.838 votos, ou seja 0,88% dos votos válidos, ficando em nono lugar na eleição presidencial de 1989. Trata-se de um vexame para quem tinha sido governador nomeado de Minas Gerais de 1975 a 1978. E perdeu até no município onde nasceu, Três Pontas.

Mesmo tendo ocupado a Presidência por longos períodos por causa das cirurgias cardiovasculares a que se submeteu o chefe do governo nos EUA, o mineiro perdeu o lugar de destaque na legenda para o baiano Antônio Carlos Magalhães, o ACM, Toninho Malvadeza para adversários ou Toninho Ternura para aliados, na transição para o governo civil eleito pelo colégio eleitoral. O chefão da Bahia ganhou projeção nacional ao divulgar uma nota duríssima em resposta ao discurso do então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim de Matos, na inauguração do Aeroporto 2 de Julho (hoje com o nome do filho dele, Luiz Eduardo Magalhães), em Salvador, em 4 de setembro de 1984, data de seu aniversário. Antes, quando ainda governador da Bahia, havia participado da reunião do conselho da Sudene que sagrara Tancredo Neves, do PMDB (hoje MDB), então governador de Minas, como oponente de Paulo Maluf, indicado pelo PDS, que derrotara o pretendente de Figueiredo, Mário Andreazza, na convenção do partido governista.

O pernambucano Marco Antônio de Oliveira Maciel, outro cacique do mesmo partido, entrou para a História da República como o vice ideal de qualquer presidente. Ao contrário da tradição dos antecessores no cargo, que se tornaram pedras no sapato dos presidentes, desde o marechal Floriano Peixoto, que derrubou o primeiro presidente e colega de armas, Deodoro da Fonseca, até Itamar Franco, que ocupou o lugar do cabeça da chapa Fernando Collor de Mello depois do impeachment. Afinal, ele nunca tirou a paz de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, mantendo-se sossegado no Palácio do Jaburu até o tucano passar a faixa a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, em 1.º de janeiro de 2003.

Desde sua criação, que tornou possível a eleição indireta de Tancredo Neves, o PFL teve atuação eleitoral muito apagada. Tanto é que se viu obrigado a mudar a denominação para Democratas (DEM), partido de sigla tão pouco inspirada como a anterior e de baixo apelo popular similar. Sua insignificância é retratada pelo cargo ocupado pelo dono atual, que o recebeu de herança familiar: ACM Neto, prefeito de Salvador. A decadência do clã e da sigla pode ser denotada por uma circunstância: o neto de Antônio Carlos, muito popular na capital, preferiu ficar na cadeira a sair para disputar o legado do avô com o novo capitão-mandatário da Bahia de Todos os Santos, o petroleiro e sindicalista carioca Jaques Wagner, que se deu ao luxo de se reeleger senador e manter no palácio de governo seu compincha petista Rui Costa.

No entanto, graças à atuação do correligionário gaúcho Onyx Lorenzoni, bolsonarista de primeira hora e escolhido para ocupar a chefia da Casa Civil do presidente eleito em outubro de 2018, Jair Bolsonaro, o DEM acaba de atingir os píncaros da República e sonha agora alçar voos mais ambiciosos. O Estadão de domingo deu conta de que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá (assim como Romero Jucá manda no MDB de Roraima), quer convocar, por emenda à Constituição, do alto do melhor lugar da Mesa da Câmara Alta, um recall para avaliar o pulso do presidente da República com o estetoscópio do povo.

recall (em tradução literal, segunda chamada) é mais conhecido em seu uso comercial. É usado para substituição de peças defeituosas em lançamentos de automóveis ou outros produtos comerciais com defeito. O sistema é usado com eficácia em democracias com voto distrital, como na maior de todas, a americana. No Brasil não chega propriamente a ser original. José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, quando era vice-presidente da Província de São Paulo, em 1822, influenciou, segundo a Wikipedia, a promulgação do decreto de 16 de fevereiro de 1822 que criou o Conselho dos Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, estabelecendo “a possibilidade de destituição dos eleitos, por iniciativa dos eleitores, caso não cumprissem suas obrigações; embora sua curta duração, esse mecanismo de 1822 foi a primeira forma de intervenção direta do eleitor na representação política de que se tem notícia. Era um misto dos conceitos traçados pelo mandato imperativo com os do recall, que viria a ser instalado nos Estados Unidos“. Na verdade, sê-lo-ia apenas em alguns municípios no Estado da Califórnia.

De acordo com a mesma fonte, em 1889, com a proclamação da República, repetiram-se tentativas de incluir a fórmula em Constituintes estaduais, caso das do Rio Grande do SulSanta CatarinaGoiás e São Paulo. Pelo Projeto de Emenda à Constituição n.º 76/2005, o então senador Eduardo Suplicy tentou instituir essa forma de encurtamento de mandatos. Mas, de acordo com especialistas, não se tratava propriamente de recall, e sim de uma Abberufungsrecht, isto é, da possibilidade de revogação coletiva, e não só individual, de mandatos políticos tanto no Legislativo quanto no Executivo.

O projeto que o Centrão pretende aprovar para domesticar o ímpeto punitivo do presidente da República é apenas um pretexto para chegar ao poder sem voto, dada a dificuldade histórica do PFL/DEM de vencer disputas majoritárias desde seu surgimento. A essa fome ancestral do DEM de exercer o mando político sem vencer eleições juntou-se agora a vontade de comer que o Centrão, ao qual o partido de ACM Neto se uniu para integrar o latifúndio de tempo em TV e rádio do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, na campanha presidencial do ano passado. Alckmin teve 44,4% do horário disponível aos 14 candidatos, tendo sido exposto 39 vezes mais do que Jair Bolsonaro, com 8 segundos e meio. Como já faz parte da História, o tucano obteve 5 milhões 96 mil e 349 sufrágios (4,7% dos votos válidos) no primeiro turno e o candidato do PSL, 49 milhões 276 mil e 990 (46,03%), dez vezes mais.
Atualmente, o partido de ACM Neto só tem força para ocupar, como ocupa, os cargos mais altos do Legislativo porque está associado ao chamado Centrão, espécie de polo de união da fisiologia, que governou na meia gestão do  emedebista Michel Temer, primeiro sob a égide de Eduardo Cunha, que o comandou até ser preso pela Operação Lava Jato. Hoje ele é substituído pela troica Rodrigo Maia, Paulinho da Força (SD-SP) e Valdemar Costa Neto, sem mandato, mas com muita influência enquanto, beneficiado por indulto, está dispensado de cumprir sete anos e meio de pena sob acusação de ter recebido propina quando exercia a propriedade do PL, que, a exemplo dos outros sócios do empreendimento partidário, mudou a sigla para PR.

Convém anotar, por questão de justiça, que esse poder do Centrão, que as multidões bolsonaristas execraram nas ruas, tem a poderosa contribuição da caneta Bic de Bolsonaro. Afinal, este nomeou um expoente do DEM, o veterinário gaúcho Onyx Lorenzoni, que deixou Rodrigo Maia vencer a reeleição na Câmara, embora espalhem à boca pequena que são inimigos. E também inspirou e articulou a vitória do amapaense Davi Alcolumbre à presidência do Senado. Entre todos eles há o ponto comum da suspeição de terem cometido ilícitos. Lorenzoni, de caixa 2, que seu colega de Ministério Sergio Moro tenta criminalizar; Alcolumbre, de malversação de verbas eleitorais em dois processos que, perdoados em seu Estado, estão sob julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF); e Rodrigo Maia, citado como Botafogo nas delações premiadas da Odebrecht.

Alcolumbre venceu Renan Calheiros numa eleição fraudada, que, como presidente da Mesa, ele deixou de investigar com a cumplicidade do relator, Roberto Rocha (PSDB-MA). O chefe do Executivo terá de conviver com ele e Maia por pelo menos mais uns dois anos, pois essa é a duração de seus mandatos. E apesar de todas as evidências de traição acima citadas, Lorenzoni não parece ameaçado de perder o endereço VIP de seu gabinete, ao lado do presidencial, no Palácio do Planalto.

Do trio, Maia é o mais ameaçado de um futuro inglório. Toda a Câmara tem mandato novo, mas não estendido. Assim sendo, não tem foro (privilegiado?) sobre crimes cometidos em outros mandados. É necessário parar de chamar roubalheira de velha política. A roubalheira nem é nova nem velha. É roubalheira, e se o passado não for punido, continuará no futuro. A maneira de fazer as reformas necessárias é pôr os ladrões  na cadeia e deixar os honestos votarem pelo País. O melhor jeito de resolver os obstáculos liderados por Rodrigo Maia é deixá-lo a cargo do juiz Marcelo Bretas no que tange às denúncias a que já responde na Operação Lava Jato do Rio.
 
José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)