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quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Falta articulação - Nas entrelinhas

O governo corre o risco de ser atropelado pelos líderes da Câmara, que pretendem aprovar a admissibilidade da PEC 423/18, que também altera a regra de ouro dos gastos públicos”


As primeiras reações ao pacote de reformas encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso entre os parlamentares do Senado e da Câmara foram mais cautelosas do que esperava o ministro da Economia, Paulo Guedes. A iniciativa é elogiada nos seus objetivos, mas sofre restrições à amplitude e pela forma como foi apresentada, principalmente na Câmara, para onde deveria ter sido encaminhada pelo governo se fosse seguido o rito legislativo tradicional.

São três propostas básicas: PEC do Pacto Federativo, que dá mais recursos e autonomia financeira para estados e municípios; PEC Emergencial, que cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e municípios; e a PEC dos Fundos Públicos, que extingue a maior parte dos 281 fundos públicos e permite o uso de recursos para pagamento da dívida pública.

Mesmo no Senado, algumas propostas são consideradas polêmicas. O texto cria gatilhos que já estavam previstos na regra de ouro dos gastos públicos. Na proposta de Guedes, porém, a mudança da regra de ouro pode engessar completamente os orçamentos da União, dos estados e dos municípios, impedindo investimentos e promovendo cortes nos gastos sociais, enquanto houver deficit fiscal, o que, para a oposição, pode provocar uma tragédia social.

Na Câmara, a reação das principais lideranças foi muito negativa quanto à forma como a proposta foi apresentada, apesar das declarações favoráveis à iniciativa. Bolsonaro entregou as propostas ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como sugestão. Transformada em projetos pelo líder do governo, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), e outros senadores, isso foi interpretado pelos líderes da Câmara como uma tentativa de anular o natural protagonismo do presidente Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), [medida adequada quando considerado a conveniência de conter Rodrigo Maia, que apesar de, eventualmente, exercer protagonismo político, é um indiciado em inquérito conduzido pela Polícia Federal;
só que, politicamente, não foi acertado, por gerar uma certa ciumeira entre os deputados.] na aprovação das reformas pelo Congresso, ou seja, o Palácio do Planalto perdeu a colaboração do principal articulador da reforma da Previdência nos debates iniciais dos novos projetos de Guedes.

PEC Emergencial
Como a avaliação entre os senadores é de que dificilmente os projetos serão votados neste ano, inclusive a chamada PEC Emergencial, que todos consideram prioritária, o governo corre o risco de ser atropelado pelos líderes da Câmara, que pretendem aprovar, na próxima semana, a admissibilidade da PEC 423/18, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que também altera a regra de ouro dos gastos públicos, com medidas voltadas à limitação das despesas obrigatórias.


Instituída pela Constituição, a regra de ouro estabelece que o volume de recursos com operações de crédito (emissão de títulos públicos) não pode superar as despesas de capital (investimentos e amortização da dívida pública). O objetivo da regra é evitar que o governo se endivide para pagar gastos correntes, como despesas com servidores e manutenção da máquina administrativa.

Deficits orçamentários crescentes iniciados em 2014, consequência da queda da receita e do crescimento das despesas obrigatórias, tornaram mais difícil o atendimento da norma. Na prática, a proibição do governo de emitir dívida para bancar despesas correntes (como gastos administrativos) não vem sendo cumprida há dois anos.

Pré-sal
O governo estuda mudanças nas regras do pré-sal, inclusive a volta do sistema de concessão, em razão do resultado do megaleilão de ontem, que arrecadou R$ 69,96 bilhões. Das quatro áreas oferecidas na Rodada de Licitações do Excedente da Cessão Onerosa, duas foram arrematadas e duas não receberam propostas. Se todos os blocos tivessem sido arrematados, a arrecadação chegaria a R$ 106,5 bilhões. O fracasso não foi total porque a Petrobras arrematou os dois lotes, um deles com participação de apenas 10% do capital de duas petroleiras chinesas.


Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


 

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

E assim vai a economia - O Globo


Reformas virão mais por necessidade do que por virtude. Todo mundo já percebeu que o sistema tributário é ruim

Mostre os dados econômicos a um estrangeiro não versado em assuntos brasileiros, e ele dirá algo assim: o crescimento está abaixo do necessário, mas sem dúvida há boas chances de aceleração. E estará mais certo do que errado.
Mas se o gringo perguntar — e a política? e a capacidade de gestão do governo? — ficará em dúvida. E de novo, estará mais certo que errado.


E o que podemos dizer, nós, brasileiros, para nós mesmos? Que, de fato, há um risco político. O cenário econômico melhorou muito com a aprovação da reforma da Previdência. Não apenas porque a reforma afastou o risco de colapso das contas públicas, mas porque mostrou a capacidade do sistema político de aprovar medidas complexas em tempo relativamente curto. Podem questionar: curto? São 30 anos de debate dessa reforma. Verdade, mas a coisa andou em poucos meses com este novo governo e novo Congresso. Aqui a mudança crucial. 

Reparem: o presidente Bolsonaro anda às turras com seu próprio partido e com lideranças da base que se elegeu com ele. A reforma da Previdência e todas as que são necessárias na sequencia dependem de votos qualificados na Câmara e no Senado. Ou seja, as coisas só andaram e só vão andar se lideranças do Congresso assumirem as reformas. A nova agenda pré-anunciada pelo ministro Guedes é extremamente ambiciosa. Propõe uma reforma radical no sistema público brasileiro, em todos os níveis. Exige a aprovação de emendas constitucionais, além de ampla legislação ordinária.

Tudo isso com o presidente Bolsonaro querendo ou mudar de partido ou formar um novo. E sem ter organizado uma base parlamentar. Certo, mas não foi em circunstâncias assim que passou a reforma da Previdência? Por que o processo não pode se repetir? A resposta nos meios econômicos, nacionais e internacionais, é que pode, sim, se repetir. 

O risco Brasil (medido pelo Credit Default Swap, seguro contra calotes) estava no início da semana em 117 pontos. Isso significa que os compradores que adquirem títulos do governo brasileiro acham que a chance de um calote é inferior a 2%.
De onde tiram isso? Da firmeza da equipe econômica em implementar o ajuste das contas públicas. E mais: inflação muito baixa, e com jeito de persistentemente baixa. O que permite esperar taxas de juros cada vez mais baixas, por um longo período. 

A notar: com juros baixos, cai a despesa financeira do governo. E se estimula a expansão do crédito para pessoas e empresas. Por isso, também, a Bolsa está em alta. Empresas têm colocado cada vez mais ações no mercado, obtendo assim financiamento saudável para novos investimentos.  E aqui aparece uma dúvida. Por que ainda não decolaram os investimentos na economia real? Em novas fábricas, infraestrutura, construção civil?

Eis a diferença: no mercado financeiro, posições podem ser formadas e desmanchadas muito rapidamente. Na economia real, iniciar um novo negócio, ampliar o atual, depende de confiança em futuro razoavelmente longo. É isso que ainda não tomou embalo. Há, porém, um poderoso instrumento: as privatizações e concessões, a começar pelo megaleilão do pré-sal. Sabem como é, negócio puxa negócio, um poço de petróleo demanda um monte de equipamentos e gente.Tudo considerado, está aí a variável-chave, se admitido que a reforma do setor público tomará seu curso, ainda que não tão ambiciosa como pretende o ministro Guedes. 

Investimentos de peso, necessariamente privados, já que o governo está cortando gastos, dependem de um maior grau de confiança.
Aqui entra a política.
Essas crises e confusões criadas e/ou estimuladas pelo presidente Bolsonaro têm sido relativamente ignoradas. O pessoal acha que até aqui não tem nada que ameace o mandato. E acredita que reformas virão mais por necessidade do que por virtude. Por exemplo: todo mundo já percebeu que o sistema tributário é ruim para todo mundo. Logo, algo deve sair e, como é impossível piorar, deve ajudar as empresas.
É mais ou menos assim o espírito geral. Serve para acelerar a recuperação. Mas não aceita muitos desaforos seguidos.
A ver.
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Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo - Opinião

 

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Vem aí a reforma administrativa - Nas entrelinhas

“Em conversas privadas e declarações públicas intempestivas,  Guedes deu demonstrações de insatisfação e ameaçou cuidar da vida se as coisas não acontecerem como deseja”

 Um dos problemas do governo Bolsonaro é o fato de que o presidente da República não sabe aproveitar em seu favor as críticas ao governo, encara tudo como se fosse ofensa pessoal grave, ainda mais quando tem razão. Foi o caso, por exemplo, da notícia que a equipe econômica estuda acabar com a estabilidade dos servidores federais, atribuída ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). [clique aqui e saiba sobre a procedência da responsabilização do 'primeiro-ministro' Maia em mais um atentado contra o servidor público.]

A expectativa é que o governo encaminhe ao Congresso, nos próximos dias, o projeto da reforma administrativa, que deve prever o fim da estabilidade para servidores públicos. Em outra proposta, o Executivo vai propor mudanças na regra de ouro, mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública. O acerto teria sido feito domingo entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Jair Bolsonaro, em um encontro fora da agenda no Palácio da Alvorada.

Bolsonaro ficou bravo, na manhã de ontem, em entrevista quebra-queixo (aquela de improviso, em que os repórteres se amontoam com microfones e celulares nas mãos), acusou o Correio e a Folha de São Paulo, que também divulgou a proposta, de publicar mentiras. Segundo ele, a proposta não passou pelo seu crivo e não se mexe na estabilidade dos servidores. Mais tarde a equipe econômica atuou nos bastidores para dizer que a mudança atingiria somente os que ingressarem no serviço público após a sua aprovação, o que também foi retificado por Maia.


Muito pior para o governo, porém, foi a nota publicada na coluna Esplanada, do jornalista Leandro Mazzini, do jornal carioca O Dia, especulando sobre a possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que provocou pânico no mercado, derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou a menos 1,93%, e provocou alta do dólar, cotado no fechamento a R$ 4,10. Uma simples nota especulativa de jornal, por mais credibilidade que tenha uma coluna, só deixa o mercado em pânico quando coincide com os rumores que circulam nesse meio. Esses rumores são provocados por comentários em conversas privadas e declarações públicas intempestivas do ministro Guedes, que já deu várias demonstrações de insatisfação e ameaçou cuidar da vida se as coisas não acontecerem como deseja.

Não é assim que as coisas funcionam na economia política. Guedes é homem do mercado financeiro, agora está tendo que lidar com a política concreta, que alguém já disse que é a economia concentrada. Aproveitando a onda “americanista”oficial, vale lembrar uma frase famosa do presidente Woodrow Wilson, dos Estados Unidos, em seu discurso de posse, em 1913: “Devemos lidar com o nosso sistema econômico como ele é e como pode ser modificado, e não como se tivéssemos uma folha de papel em branco para escrever”. Esse parece ter sido o erro do ministro da Economia.

Contrariados
Maia revelou que o governo pretende mexer na regra de ouro do teto de gastos, com gatilhos para controlar as despesas obrigatórias. Neste ano, a meta só poderá ser cumprida graças a uma autorização extraordinária do Congresso para o governo contrair empréstimos de R$ 249 bilhões, de modo a não suspender programas sociais e subsídios. O mercado não gostou. Também revelou que foi acertado ainda um novo texto para tratar da partilha dos recursos do megaleilão do pré-sal, marcado para 6 de novembro, garantindo a participação de 15% dos estados do total arrecadado, e igual fatia para os municípios.

A proposta da equipe econômica era dividir os R$ 106,5 bilhões que devem ser arrecadados da seguinte forma: depois do pagamento de R$ 33,6 bilhões à Petrobras, estados, municípios e parlamentares ficariam, cada um, com 10%, o que corresponderia a R$ 7,3 bilhões. O Rio teria R$ 2,19 bilhões e a União, a fatia maior de R$ 48,9 bilhões. Maia afirmou a Bolsonaro que a proposta da equipe econômica não tem chance de passar no Congresso. Os governadores, prefeitos e parlamentares não gostaram, Bolsonaro recuou e Guedes ficou pendurado no pincel.

Finalmente, a reforma administrativa, que ficaria a cargo da Câmara, acabaria com a estabilidade para a maior parte dos servidores públicos, reduziria a quantidade de carreiras, imporia travas a promoções automáticas, avaliação de desempenho e aproximaria os salários do funcionalismo dos pagos na iniciativa privada. Seria uma espécie de plano B em razão do fracasso de Guedes na condução da reforma tributária, que já custou a cabeça do ex-secretário da Receita Marcos Cintra. A divulgação da proposta, supostamente sem seu aval, irritou Bolsonaro, porque mexe com corporações cujos interesses sempre defendeu. É mais uma fricção com o ministro da Fazenda, corroborando os boatos de que Guedes estaria quase pedindo o chapéu.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense

 

terça-feira, 9 de abril de 2019

Agenda nova na economia - Agenda econômica já tem uma nova série de propostas

Equipe econômica tem pronta agenda pós-Previdência, com divisão de receita de petróleo, reforma tributária, desvinculação e abertura comercial

A área econômica tem uma série de propostas para os próximos meses. A avaliação feita é que a reforma da Previdência vai ser aprovada neste primeiro semestre e depois virá a agenda que eles acham que será nova e positiva. O governo pretende propor a reforma tributária, a abertura comercial, o chamado “pacto federativo”, que tem como ponto mais atraente para estados e municípios a descentralização dos recursos. Essa nova divisão do bolo começaria com algo concreto, que é a distribuição de 70% dos recursos do pré-sal do megaleilão previsto para outubro.

A Previdência é sempre um assunto difícil,
e por isso tanto o presidente Bolsonaro quanto o ex-presidente Lula começaram com ela. Mas já está em preparação o cardápio das próximas medidas. Na visão dos economistas do governo, todas serão assuntos mais populares do que a reforma da Previdência. A verdade não é tão simples. Algumas podem provocar muito debate, divisão e polêmica. Não é assim que a agenda é vista na área econômica.  O que eles chamam de novo pacto federativo inclui a desvinculação das receitas e a redistribuição de recursos. Para estados e municípios, falar em nova divisão das receitas é, de fato, muito atraente até porque começa pela divisão da renda do petróleo que fica com a União. O argumento na equipe é que quem centralizou foi o governo militar e que o ideal é fortalecer a Federação.

Já a desvinculação, que o ministro Paulo Guedes sempre apresenta como a devolução ao Congresso do poder de decidir sobre os recursos, sempre será polêmica. As bancadas temáticas que têm recursos carimbados, como educação e saúde, não vão querer, evidentemente, abrir mão da garantia constitucional à parcela dos recursos. Se realizado, dará mais poderes ao Congresso, de fato. Hoje, o Orçamento é feito por técnicos do Planejamento e a decisão está nas mãos de poucas pessoas. Antes eram o ministro da Fazenda e do Planejamento que decidiam o Orçamento. Hoje, os dois ministérios estão na mão de Paulo Guedes. Ele, por sua vez, tem um falso poder, já que tudo está definido previamente por regras, muitas vezes, estabelecidas na Constituição. O discurso de que desengessar será bom para os políticos acaba de ter um sinal contrário, porque a Câmara e o Senado votaram a favor de engessar ainda mais a destinação das receitas. Mas, nas conversas com os líderes do Congresso, o ministro Paulo Guedes repete sempre que essa agenda é positiva porque aumenta os poderes do parlamento.

A reforma tributária é outro tema que já estará ocupando a pauta nos próximos dias. Ideias começaram a ser discutidas. O próprio presidente Jair Bolsonaro falou recentemente em taxação de dividendos, sem entrar em detalhes. Esse é um ponto que esteve em quase todos os programas da última campanha eleitoral, do PT ao PSL. A ideia é reduzir o imposto sobre as empresas e aumentar a taxação sobre o acionista através do tributo sobre dividendos.  A reforma incluirá também alguns pontos que têm estado em todos os estudos sobre a estrutura de impostos brasileira: a de unificação de vários tributos num só para redistribui-los pelos estados e municípios. A grande vantagem é a da simplificação, e quando se tratar apenas de impostos federais, haverá acordo em todas as unidades da federação. Quando envolver o ICMS, estadual, ou o ISS, municipal, a avaliação das cidades e dos estados poderá ser bem diferente.

Outro ponto da agenda econômica de Paulo Guedes é a abertura comercial, que o ministério acredita que terá um efeito “exponencial”. Se, por um lado, essa reforma tem a chance de elevar a competitividade dos produtos brasileiros, por outro, tem perdedores e mexe com lobbies cristalizados. É apresentada na área econômica como agenda positiva, mas ela provocará muito debate, pressão e divisão. A última vez que o Brasil fez um forte movimento de abertura foi no governo Fernando Collor. O Brasil precisa se abrir e integrar-se a outros mercados. O fechamento nos trouxe até aqui: a uma indústria que encolhe como percentual do PIB a cada ano. A indústria tem dito é que antes de abrir será necessário mudar a economia. Essa nova agenda será apresentada aos poucos. No governo se diz que não tirará o foco da Previdência, que continuará sendo a primeira das reformas.


Miriam Leitão - O Globo