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sábado, 10 de julho de 2021

O QUE EU DIRIA AO PRESIDENTE

Presidente, pense eleitoralmente, mas pense, também, politicamente.

Acho que já referi que falei com Bolsonaro uma única vez na vida. Não sou próximo e não tenho interesse em ser próximo aos espaços de poder. De qualquer poder. Este cantinho do mundo onde vivo me dá um bom ângulo de visão sobre o que acontece em meu país e isso me basta para seguir fazendo o que gosto junto à parcela da opinião pública com interesse em saber o que penso sobre o que vemos.

Por isso escrevo estas linhas sem a pretensão de ser lido pelo presidente da República. Dirijo-me aos meus leitores. Segundo muitos, Bolsonaro teria, na real, obtido votos para vencer a eleição de 2018 no primeiro turno. Disso nada sei, mas não duvido que pesquisas eleitorais honestas, não elaboradas com o intuito de manter viva a disputa no primeiro turno, talvez tivessem produzido essa consequência. Vi acontecer o mesmo no segundo turno, quando as pesquisas apresentaram margens de erro tão descomunais que pareciam elaboradas no aconchego de algum comitê eleitoral adversário.

O fenômeno já está novamente em curso, favorecido pelas reiteradas negativas no sentido da adoção do voto impresso auditável. Repete-se o cenário. O presidente só tem o apoio que falta aos outros – o apoio do povo. E poderia dizer, bem sinteticamente – do povão. Como em 2018, partidos e meios de comunicação trabalham para derrotá-lo, com ainda maior afinco.

O presidente precisa lembrar-se de que naquela eleição  o candidato Geraldo Alckmin foi apoiado por 9 partidos de peso. Suas bancadas na Câmara dos Deputados representavam mais da metade das cadeiras. Ele tinha em tese, um exército de congressistas para agir por si. E fez menos de 5% dos votos. A maior parte daqueles parlamentares migrou em apoio a Bolsonaro e o abandonou após a eleição como havia abandonado Alckmin na campanha de primeiro turno.

Com isso, estou querendo dizer que não se pode amarrar cachorro com linguiça. Ele não pode correr o risco de enfrentar mais quatro anos com as mesmas dificuldades com que convive hoje. O modelo precisa de correções. Se não ainda não constitucionais, ao menos que o sejam de negociação política e não ao sabor dos abraços. O presidente precisa de um partido forte, de acordos sólidos com outros partidos fortes. Para uma campanha feita com segurança e que inspire confiança.

O presidente está fazendo um bom governo; só os desajuizados da política, em suas “narrativas”, afirmam o inverso. No entanto, a impressão deixada pela falta de uma base partidária e parlamentar sólida é de instabilidade política a inspirar desabafos presidenciais, necessários, mas pouco produtivos. Os adversários baterão nessa tecla, pisarão nesse calo. E ele dói. O xadrez da construção da estabilidade é mais difícil, mas bem mais eficiente.

A política é como essas modernas “plataformas” tecnológicas que a toda hora precisam de atualizações. E nós estamos desatualizadíssimos. Será um erro enfrentar tudo e todos confiando, ali na frente, que os melhores chegarão ao Congresso em número suficiente para, com eles, formar uma sólida maioria. Não vai funcionar. Política, presidente. E o Supremo  é tóxico demais para o senhor fazer política.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sábado, 20 de junho de 2020

Colhendo a tempestade -Nas Entrelinhas


“Weintraub é o terceiro ministro que deixa o governo com projeção na base eleitoral de Bolsonaro. Mandetta, da Saúde, e Moro, da Justiça, passaram à oposição


Nas circunstâncias atuais, qualquer presidente da República já estaria diante de uma grande borrasca, em razão da pandemia de coronavírus e da recessão econômica dela decorrente. Jair Bolsonaro, porém, conseguiu transformar a crise sanitária e econômica numa tempestade perfeita, ao agregar às contingências exógenas de seu governo uma crise política multifacetada, que, ontem, resultou na saída do polêmico ministro Abraham Weintraub, da Educação. O 10º ministro a deixar o governo, o segundo da pasta, que agora virou objeto dos desejos dos partidos do Centrão.

[Imperioso lembrar que o silêncio do presidente  Bolsonaro é a conduta mais adequada para que a crise atual seja amainada.
É uma postura que o presidente deveria ter tornado regra em seu governo, começando por ele, e já em 1º jan 2019.
Entrevistas devem ser a exceção e não a regra, conversas com apoiadores de forma eventual, fora isso o canal adequado é o porta-voz.
Falando nele por onde anda o atual porta-voz?
O poder de uma autoridade, bem como seu desempenho, eficiência são medidos por obras, ações e não por discursos.
O presidente Geisel, a quem sempre recomendamos que o presidente Bolsonaro adote como modelo, juntamente com seu ministro da Justiça,Armando Falcão, transformaram declarações e entrevistas em algo extremamente valioso, especialmente por administrarem tais eventos,com parcimônia.
Geisel editou o pacote de abril/77, que depois foi engolido sem direito a reclamações, em silêncio.
O general Geisel foi o segundo melhor presidente do Brasil - o primeiro foi o general Médici.]

A saída do Weintraub — histriônico, incompetente e politicamente trapalhão —, desde a semana passada, era pedra cantada. Para a turma do deixa disso, serviria para desanuviar as relações do Palácio do Planalto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, foi eclipsada pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro e ex-assessor parlamentar e motorista do seu filho, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que estava escondido num sítio em Atibaia (SP). O caso Queiroz tira Bolsonaro do sério, pois o amigo e ex-assessor do filho é um homem-bomba: além de suspeito de ser operador financeiro do clã, é peça-chave nas históricas relações do presidente com as milícias do Rio de Janeiro.

Há três dias, Bolsonaro alterna momentos de apatia e grande irritação. Com o apoio dos ministros militares do Palácio do Planalto, bateu de frente com o Supremo Tribunal Federal (STF) e tentou intimidar os ministros da Corte. Nesta semana, deu tudo errado: por 10 a 1, o Supremo resolveu dar prosseguimento ao inquérito das fake news presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, que Bolsonaro considera um desafeto. O magistrado vem promovendo sucessivas ações contra os bolsonaristas radicais.

Moraes determinou a prisão da ativista Sara Winter e outros militantes do grupo autodenominado 300 do Brasil, que defendem uma intervenção militar e realizavam protestos contra o Supremo e Congresso, com ameaças a magistrados e parlamentares. Também mandou realizar operações de busca e apreensão em residências e escritórios de empresários, blogueiros, dez deputados e um senador supostamente ligados ao chamado Gabinete do Ódio, a máquina de propaganda bolsonarista nas redes sociais.

Bolsonaro está numa saia justa. Não pode dobrar a aposta contra os demais Poderes sem provocar uma crise institucional sem precedentes desde a democratização. A própria saída de Weintraub havia se tornado imperativa, em razão de suas declarações contra o Supremo na reunião ministerial do dia 22 de abril, quando chamou os ministros da Corte de vagabundos e disse que eles deveriam ser presos. No domingo, a gota d’água foi sua participação numa manifestação proibida na Esplanada, sem máscara, o que lhe valeu uma multa de R$ 2 mil aplicada por ordem do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Investigações
O Palácio do Planalto temia a prisão de Weintraub, a qualquer momento, por desafiar o STF. Ao mesmo tempo, o ministro se tornou referência para a ala ideológica do bolsonarismo, por causa dos ataques ao Supremo. Sua despedida do cargo, ontem, foi um constrangimento para Bolsonaro, que lhe ofereceu um cargo de diretor do Banco Mundial. É o terceiro ministro importante que deixa o governo com projeção política na base eleitoral de Bolsonaro. Os outros foram Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça, que passaram à oposição. Não é o caso de Weintraub, que ganhou um cargo no exterior como prêmio de consolação.


Bolsonaro sentiu o golpe: “É um momento difícil, todos meus compromissos de campanha continuam de pé e busco implementá-los da melhor maneira possível. A confiança você não compra, você adquire. Todos que estão nos ouvindo, agora, são maiores de idade e sabem o que o Brasil está passando. O momento é de confiança. Jamais deixaremos de lutar por liberdade. Eu faço o que o povo quiser”, disse Bolsonaro, na gravação da despedida de Weintraub. Agora, a dificuldade se chama Fabrício Queiroz. Ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa fluminense, é apontado como operador de um esquema de rachadinha, que supostamente ocorria no gabinete do filho do presidente da República, quando era deputado estadual no Rio. O policial militar reformado foi preso em um imóvel do advogado Frederick Wassef, que atua na defesa de Flávio, mas não é advogado de Queiroz, acusado de manipular provas e pressionar testemunhas, pelos procuradores do Rio de Janeiro que investigam o caso. O Palácio do Planalto tenta se desvincular, mas o fato de Queiroz ter se escondido numa propriedade do advogado de Flávio, mesmo que isso não seja crime, cria um tremendo problema político.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


quinta-feira, 14 de maio de 2020

Equilíbrio precário e perigoso - William Waack

O Estado de S.Paulo

Uma combinação de fatos não deixa prosperar, por enquanto, ações para derrubar Bolsonaro

A rigor, o que já se sabe do que está no vídeo da reunião ministerial trazido à tona por Sérgio Moro não surge ainda como prova, mas comprova. Criminalistas experientes lembram que até provas materiais do tipo “conclusivo” são, nos procedimentos judiciais, passíveis de “interpretações”. E são poucas aquelas “provas técnicas” que, neste momento, poderiam produzir a “interpretação” necessária para sustentar uma denuncia pelo procurador-geral da República contra o presidente da República.

Do ponto de vista político, porém, o vídeo é uma comprovação didática de que o governo é comandado sem foco e preso ao que o chefe do Executivo acha que lhe é vantajoso dos pontos de vista político de curto prazo e pessoal. Além daquilo que ele vocifera como se comandasse um bando, as vozes mais eloquentes nesse vídeo são de ministros incompetentes, apegados a teorias malucas, dispostos a pronunciar frases de lacração na internet do tipo “prendam ministros do STF”, “prendam governadores”, como se decidissem na mesa de um bar quem brada estupidezes de forma mais contundente.

Sozinho, o vídeo não é uma bala de prata e, para compor a “interpretação” que levaria a uma denúncia da PGR que levaria a Câmara a aprová-la e afastar o presidente, é preciso avaliar se e como se daria um rompimento do precário equilíbrio com o qual hoje Bolsonaro se mantém no poder. Esse equilíbrio é dado, por um lado, pelo Congresso, obviamente desinteressado no momento em um processo de impeachmentmas disposto a lucrar no sentido literal da palavra com a fragilização política de um presidente cujas opções de ação e popularidade vão diminuindo, mas que mantém um núcleo duro de cerca de 20% do eleitorado.

De outro, está ação motivada institucional e politicamente por integrantes do STF, hoje o principal perigo para Bolsonaro. O presidente conseguiu unir integrantes da cúpula do Judiciário, notoriamente divididos entre si, na convicção de que ele, Bolsonaro, é o maior perigo institucional por se recusar a aceitar que não é detentor do “poder imperial” para fazer o que bem entender. Alguns desses ministros viram no inquérito solicitado pelo PGR para investigar interferência ilícita do chefe do Executivo na Polícia Federal – um evento que não estava no radar de ninguém apenas um mês atrás – a oportunidade de desencadear um processo político a partir de um procedimento judicial.

Do jeito que as coisas estão, esse impulso não vai prosperar, por conta da combinação dos fatos de que o Congresso, por enquanto, não quer, [não quer? ou não pode? no caso por não ter os 342 votos contra o presidente Bolsonaro.] os ministros militares continuam dando suporte ao presidente e a PGR não vê, ainda, motivos para oferecer uma denúncia. De onde eventualmente viria, então, o empurrão que alteraria o precário equilíbrio atual? Um grande risco para Bolsonaro é Bolsonaro mesmo, como demonstra a situação que criou ao demitir Moro ou, por exemplo, ao levar governadores e desafiá-lo e desobedecê-lo abertamente, tornando ainda mais difícil falar de “pacto federativo” na já gravíssima crise econômica e de saúde pública.

Esses dois últimos fatores (crise econômica e de saúde pública), que estão fora do controle de qualquer agente político, têm condições de alterar o equilíbrio e criar ambiente propício para “interpretações” de provas que levem rapidamente a juízos políticos. A evolução da crise de saúde pública indica que o País viverá em prazo breve o triste placar de mil mortos por dia pelo coronavírus, conta que será associada a um governo que passou os momentos iniciais da tragédia afirmando que ela não aconteceria. Os efeitos negativos da recessão virão em “time delay”, isto é, a devastação trazida pela inédita retração da atividade econômica deve se fazer sentir com mais força a partir do segundo semestre. É difícil imaginar que Bolsonaro e seu governo saiam intactos do outro lado dessa dupla catástrofe. [o que frustra os que são contra Bolsonaro é que apesar de todos os esforços dele, Bolsonaro, para munir os adversários de provas contra ele, não tem êxito.
MOTIVO DO FRACASSO:  nem o próprio presidente, ainda que se esforçando, pode fornecer provas de que cometeu crimes de qualquer tipo - provar crimes não ocorridos, é complicado por demais.]

William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo