O Estado de S.Paulo
Uma combinação de fatos não deixa prosperar, por enquanto, ações para derrubar Bolsonaro
A rigor, o que já se sabe do que está no vídeo da reunião ministerial
trazido à tona por Sérgio Moro não surge ainda como prova, mas comprova.
Criminalistas experientes lembram que até provas materiais do tipo
“conclusivo” são, nos procedimentos judiciais, passíveis de
“interpretações”. E são poucas aquelas “provas técnicas” que, neste
momento, poderiam produzir a “interpretação” necessária para sustentar
uma denuncia pelo procurador-geral da República contra o presidente da
República.
Do ponto de vista político, porém, o vídeo é uma comprovação didática de
que o governo é comandado sem foco e preso ao que o chefe do Executivo
acha que lhe é vantajoso dos pontos de vista político de curto prazo e
pessoal. Além daquilo que ele vocifera como se comandasse um bando, as
vozes mais eloquentes nesse vídeo são de ministros incompetentes,
apegados a teorias malucas, dispostos a pronunciar frases de lacração na
internet do tipo “prendam ministros do STF”, “prendam governadores”,
como se decidissem na mesa de um bar quem brada estupidezes de forma
mais contundente.
Sozinho, o vídeo não é uma bala de prata e, para compor a
“interpretação” que levaria a uma denúncia da PGR que levaria a Câmara a
aprová-la e afastar o presidente, é preciso avaliar se e como se daria
um rompimento do precário equilíbrio com o qual hoje Bolsonaro se mantém
no poder. Esse equilíbrio é dado, por um lado, pelo Congresso,
obviamente desinteressado no momento em um processo de impeachment – mas
disposto a lucrar no sentido literal da palavra com a fragilização
política de um presidente cujas opções de ação e popularidade vão
diminuindo, mas que mantém um núcleo duro de cerca de 20% do eleitorado.
De outro, está ação motivada institucional e politicamente por
integrantes do STF, hoje o principal perigo para Bolsonaro. O presidente
conseguiu unir integrantes da cúpula do Judiciário, notoriamente
divididos entre si, na convicção de que ele, Bolsonaro, é o maior perigo
institucional por se recusar a aceitar que não é detentor do “poder
imperial” para fazer o que bem entender. Alguns desses ministros viram
no inquérito solicitado pelo PGR para investigar interferência ilícita
do chefe do Executivo na Polícia Federal – um evento que não estava no
radar de ninguém apenas um mês atrás – a oportunidade de desencadear um
processo político a partir de um procedimento judicial.
Do jeito que as coisas estão, esse impulso não vai prosperar, por conta
da combinação dos fatos de que o Congresso, por enquanto, não quer, [não quer? ou não pode? no caso por não ter os 342 votos contra o presidente Bolsonaro.] os
ministros militares continuam dando suporte ao presidente e a PGR não
vê, ainda, motivos para oferecer uma denúncia. De onde eventualmente
viria, então, o empurrão que alteraria o precário equilíbrio atual? Um
grande risco para Bolsonaro é Bolsonaro mesmo, como demonstra a situação
que criou ao demitir Moro ou, por exemplo, ao levar governadores e
desafiá-lo e desobedecê-lo abertamente, tornando ainda mais difícil
falar de “pacto federativo” na já gravíssima crise econômica e de saúde
pública.
Esses dois últimos fatores (crise econômica e de saúde pública), que
estão fora do controle de qualquer agente político, têm condições de
alterar o equilíbrio e criar ambiente propício para “interpretações” de
provas que levem rapidamente a juízos políticos. A evolução da crise de
saúde pública indica que o País viverá em prazo breve o triste placar de
mil mortos por dia pelo coronavírus, conta que será associada a um
governo que passou os momentos iniciais da tragédia afirmando que ela
não aconteceria. Os efeitos negativos da recessão virão em “time delay”,
isto é, a devastação trazida pela inédita retração da atividade
econômica deve se fazer sentir com mais força a partir do segundo
semestre. É difícil imaginar que Bolsonaro e seu governo saiam intactos do outro lado dessa dupla catástrofe. [o que frustra os que são contra Bolsonaro é que apesar de todos os esforços dele, Bolsonaro, para munir os adversários de provas contra ele, não tem êxito.
MOTIVO DO FRACASSO: nem o próprio presidente, ainda que se esforçando, pode fornecer provas de que cometeu crimes de qualquer tipo - provar crimes não ocorridos, é complicado por demais.]
William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo
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