Nota do
editor: Uma inteligência rara, uma bravura inaudita, uma inabalável
convicção moral, fizeram-na cativar amores e ódios, admiração e inveja,
mas sempre num respeitável pedestal, desses em que certos seres humanos
estão porque ali é seu lugar natural. Em homenagem a ela, transcrevo
este artigo que tinha bem guardado na memória porque sempre quis poder
assinar embaixo.
Sandra Cavalcanti
Quem quiser
se escandalizar, que se escandalize. Quero proclamar, do fundo da alma,
que sinto muito orgulho de ser brasileira. Não posso aceitar a tese de
que nada tenho a comemorar nestes quinhentos anos. Não aguento mais a
impostura dessas suspeitíssimas ONGs estrangeiras, dessa ala atrasada da
CNBB e dessas derrotadas lideranças nacional-socialistas que estão
fazendo surgir no Brasil um inédito sentimento de preconceito racial.
Para começo
de conversa, o mundo, naquela manhã de 22 de abril de 1500, era
completamente outro. Quando a poderosa esquadra do almirante português
ancorou naquele imenso território, encontrou silvícolas em plena idade
da pedra lascada. Nenhum deles tinha noção de nação ou país. Não existia
o Brasil.
Os atuais
compêndios de história do Brasil informam, sem muita base, que a
população indígena andava por volta de cinco milhões. No correr dos anos
seguintes, segundo os documentos que foram conservados, foram
identificadas mais de duzentos e cinquenta tribos diferentes. Falando
mais de 190 línguas diferentes. Não eram dialetos de uma mesma língua.
Eram idiomas próprios, que impediam as tribos de se entenderem entre si.
Portanto, Cabral não conquistou um país. Cabral não invadiu uma nação.
Cabral apenas descobriu um pedaço novo do planeta Terra e, em nome do
rei, dele tomou posse.
O
vocabulário dos atuais compêndios não usa a palavra tribo. Eles adotam a
denominação implantada por dezenas de ONGs que se espalham pela
Amazônia, sustentadas misteriosamente por países europeus. Só se fala em
nações indígenas.
Existe uma
intenção solerte e venenosa por trás disso. Segundo alguns integrantes
dessas ONGs, ligados à ONU, essas nações deveriam ter assento nas assembleias mundiais, de forma independente. Dá para entender, não? É o
olho na nossa Amazônia. Se o Brasil aceitar a ideia de que, dentro dele,
existem outras nações, lá se foi a nossa unidade.
Nos debates
da Constituinte de 88, eles bem que tentaram, de forma ardilosa, fazer a
troca das palavras. Mas ninguém estava dormindo de touca e a Carta
Magna ficou com a palavra tribo. Nação, só a brasileira.
De repente,
os festejos dos 500 anos do Descobrimento viraram um pedido de
desculpas aos índios. Viraram um ato de guerra. Viraram a invasão de um
país. Viraram a conquista de uma nação. Viraram a perda de uma grande
civilização.
De repente,
somos todos levados a ficar constrangidos. Coitadinhos dos índios! Que
maldade! Que absurdo, esse negócio de sair pelos mares, descobrindo
novas terras e novas gentes. Pela visão da CNBB, da CUT, do MST, dos
nacional-socialistas e das ONGs europeias, naquela tarde radiosa de
abril teve início uma verdadeira catástrofe.
Um grupo de
brancos teve a audácia de atravessar os mares e se instalar por aqui.
Teve e audácia de acreditar que irradiava a fé cristã.
Teve a audácia de
querer ensinar a plantar e a colher.
Teve a audácia de ensinar que não
se deve fazer churrasco dos seus semelhantes.
Teve a audácia de garantir a vida de aleijados e idosos.
Teve a audácia de ensinar a cantar e a escrever.
Teve a audácia de pregar a paz e a bondade. Teve a audácia de evangelizar.
Mais tarde,
vieram os negros. Depois, levas e levas de europeus e orientais. Graças
a eles somos hoje uma nação grande, livre, alegre, aberta para o mundo,
paraíso da mestiçagem. Ninguém, em nosso país pode sofrer discriminação
por motivo de raça ou credo.
Portanto,
vamos parar com essa paranoia de discriminar em favor dos índios. Para o
Brasil, o índio é tão brasileiro quanto o negro, o mulato, o branco e o
amarelo.Nas nossas veias correm todos esses sangues. Não somos uma
nação indígena. Somos a nação brasileira.
Não sinto
qualquer obrigação de pedir desculpas aos índios, nas festas do
Descobrimento.
Muitos índios hoje andam de avião, usam óculos, são donos
de sesmarias, possuem estações de rádio e TV e até COBRAM pedágio para
estradas que passam em suas magníficas reservas. De bigode e celular na
mão, eles negociam madeira no exterior.
Esses índios são cidadãos
brasileiros, nem melhores nem piores.
Uns são pobres. Outros são ricos.
Todos têm, como nós, os mesmos direitos e deveres.
Se começarem a querer
ter mais direitos do que deveres, isso tem que acabar.
O Brasil é nosso. Não é dos índios. Nunca foi.