Governo Bolsonaro dominado pelo Centrão é a política como sempre foi
O que é o governo Bolsonaro dominado
pelo Centrão? É a política brasileira como sempre foi nas últimas
décadas, a ponto de se duvidar se realmente tivemos uma alternância de poder de
esquerda para direita. Talvez a periodização à qual historiadores costumam
recorrer indique como último grande divisor de águas na política brasileira o
processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989 (sim, quatro anos
decisivos).[o quadriênio decisivo não para a redemocratização do Brasil e sim para a instalação e inicio da consolidação da chamada 'nova república' e da roubalheira que imperou no Brasil daquela época até janeiro 2019.]
Visto com uma distância de três décadas, o que se iniciou ali foi uma tentativa fracassada de estabelecer no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que cuidássemos que nossa economia de baixa produtividade e competitividade conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não importa qual fosse o governo. O encontro com a verdade chama-se crise fiscal.
Com maior nitidez desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente (como ocorre com a elite do funcionalismo público, espalhada por autarquias, estatais e Judiciário [o Legislativo precisa e deve ser incluído neste rol.]). A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados. Dentro de um ambiente de ideias que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de “maçaroca ideológica”.
O “desenho” do nosso sistema de governo, que opõe o vitorioso num plebiscito direto (o presidente da República) a um Legislativo fracionado e de baixa representatividade (mas cheio de prerrogativas), com partidos dominados por caciques, “funcionou” nesses moldes até a quebra dos cofres públicos. A atuação desses “donos do poder” foi muito facilitada pelo fato de os setores privados da economia brasileira não terem sido capazes de desenvolver um “projeto nacional”, uma visão de conjunto que fosse muito além do que sempre foi o “norte” para gerações de empresários e banqueiros: garantir a amizade e a proximidade do rei.
A reforma de Estado ensaiada por FHC foi tímida, assim como as privatizações. O projeto petista do “nacional-desenvolvimentismo” (para dar um rótulo aos 13 anos) era uma obra conjunta com o Centrão, entendido como esse conjunto de forças políticas setoriais, regionais, unidas apenas no intuito de se apoderar de pedaços da máquina pública. Como se constata nos índices, a tal “preocupação pelo social” tão propalada naquele período não alterou fundamentalmente o País em termos de sua desigualdade e misérias relativas.
Ironicamente, a política
brasileira parece ter mudado tanto nos últimos quatro anos (desde o impeachment
de Dilma) para desaguar no mesmo lugar: no papel essencial dessas forças do
Centrão, agora carregando consigo um presidente de escassa capacidade de
liderança e que não entendeu onde reside seu poder: na possibilidade de ditar a
agenda política, e não na tinta da caneta em suas mãos (que, aliás, encolheu
bastante nos últimos dois anos).[poder é como elástico, encolhe, mas pode voltar e quando volta vem mais forte.]
Ao celebrar o entendimento político com os dois novos homens do Centrão no comando do Legislativo, Bolsonaro voltou a escancarar o fato de não ter estratégia nem saber o que quer, além de se reeleger. Trinta e cinco prioridades entregues ao Congresso é o mesmo que dizer que não tem nenhuma. Nessa “shopping list”, em parte a pedidos de seu ministro da Economia, estão matérias prometidas desde sempre (como reformas administrativa e tributária, além de privatização de estatais) que não progrediram basicamente pela incapacidade ou falta de interesse político por parte do chefe do Executivo.
É possível que o dia 1.º de fevereiro de 2021, data da oficialização do comando do Centrão nas principais esferas da política, talvez sirva aos historiadores no futuro para marcar o fim de um intenso período nessa linha do tempo, o da onda disruptiva de 2018. É também a data da dissolução da força-tarefa da Lava Jato, sem a qual essa onda é impossível de ser entendida. Talvez os historiadores no futuro considerem que não foi mera coincidência.
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo
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