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quarta-feira, 10 de agosto de 2022

As verdades inconvenientes de Jordan Peterson - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Jordan Peterson | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Jordan Peterson | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Na edição da semana passada, escrevi aqui em Oeste sobre a mais recente tentativa de cancelamento de uma figura pública, o ator Juliano Cazarré, por defender a família, as tradições, o Cristianismo e o exemplo de figuras paternas como São José. Cazarré não se abateu diante de xingamentos e ofensas que recebeu durante uma live em seu Instagram, e o ocorrido serviu para mostrar — mais uma vez — quanto as pessoas estão exaustas de tantas guilhotinas covardes e do cerceamento de opiniões livres. 

Durante seu desabafo, o ator mencionou outra figura pública constantemente atacada pela atual turba de jacobinos, um dos maiores pensadores contemporâneos, Jordan Peterson. O psicólogo canadense tem alertado já há alguns anos sobre o perigo da demonização da masculinidade e o enfraquecimento proposital das qualidades de homens de bem.

Para Peterson, um dos prováveis campeões de cancelamentos de toda a internet, a receita é a mesma: assassinato de reputação e destruição de seus livros. Foi assim com 12 Regras para a Vida: um Antídoto para o Caos e, recentemente, com Além da Ordem: Mais 12 Regras para a Vida, sequência de seu best-seller anterior. Entre tantas verdades inconvenientes que o professor canadense insiste em apontar, Peterson, que já foi acusado de “defender a supremacia branca”, “encampar discursos de ódio” e “transfobia”, afirma com todas as palavras que a masculinidade está sob ataque, e que isso é um perigo sem precedentes não apenas para nossa sociedade, mas para o Ocidente como um todo.

A vida cotidiana, regada a altas doses de dopamina, não nos possibilita o entendimento de que existe uma cadeia de ordem e aceitação do caos

Para aqueles que querem se aventurar em águas intensas com Jordan Peterson, sua primeira publicação é o espetacular Mapas do Significado: a Arquitetura da Crença, sua verdadeira obra-prima, escrita em 1999. O livro aborda de maneira profunda as crenças humanas e como elas influenciam nosso comportamento diário. Mergulhando na neurociência, na psicanálise e nas comparações das religiões, Peterson defende como uma estrutura biopsíquica nos impele ao conhecimento e à ordem, necessários para o autoconhecimento, o autocontrole e o crescimento, e nos protege do estado latente de caos. Articulando com habilidade a psicologia junguiana, a filosofia de Nietzsche e as criações literárias de George Orwell (mais atual do que nunca!) e Dostoiévski, Jordan Peterson demonstra a inevitabilidade do sentimento religioso e expõe as raízes obscuras da perversão totalitária. Suas descobertas e estudos, catalogados diante de centenas de pacientes ao longo de décadas, são chocantes e têm relevância tanto para a condução da vida cotidiana como para a análise das disputas político-ideológicas.

Mas você não precisa mergulhar nas quase 700 páginas de Mapas do Significado: a Arquitetura da Crença para entender a importância e a profundidade das lições da obra de Jordan Peterson. A simplicidade de seus argumentos em textos, artigos e centenas de vídeos espalhados pela internet bate espetacularmente forte em nossa atual vidinha protegida por plástico bolha que não quer enxergar o óbvio: “Arrume o seu quarto antes de querer consertar o mundo”. A vida cotidiana, regada a altas doses de dopamina, não nos possibilita o entendimento de que existe uma cadeia de ordem e aceitação do caos. Na era do prazer, Jordan Peterson mostra que, embora seja importante que não nos afundemos no caos, devemos aceitar que é impossível escapar dele. Precisamos, por isso, “manter um pé na ordem enquanto experimentamos esticar o outro para além dela”.

Para uma geração viciada no imediatismo, forjada em estruturas tênues de amizades, parceiros, namorados, empregos… envolta em um círculo de memórias efêmeras, Jordan Peterson provoca com um tapa de realidade: “Tenhamos alguma humildade. Arrumemos o quarto. Cuidemos da família. Sigamos a consciência. Endireitemos a vida. Encontremos uma coisa produtiva e interessante para fazer e comprometamo-nos com ela. Quando conseguirmos fazer isso tudo, então procuremos um problema maior para resolver, se nos atrevermos. Se também isso funcionar, avancemos para projetos ainda mais ambiciosos. Mas comece arrumando seu quarto primeiro”.

Seria impossível escrever apenas em um artigo sobre todas as portas que as lições incômodas de Jordan Peterson abrem. No entanto, seu mais recente vídeo colocou o dedo em mais feridas abertas que precisam de curativos. Uma delas foi a maldita sinalização de virtude que saiu dos perfis dos justiceiros sociais da internet e infestou igrejas cristãs, minando outro pilar importante de sustentação do Ocidente. Eu não faria justiça explicando apenas os pontos-chave de um vídeo espetacular de quase dez minutos e que desnuda — mais uma vez e de maneira brilhante e honesta — a hipocrisia do politicamente correto e da vil agenda de intimidações. Amigos queridos, com vocês, mais uma espetacular e necessária mensagem de um dos maiores filósofos de nosso tempo, Jordan Peterson:

“No Ocidente, devido ao peso da culpa histórica que está sobre nós, uma variante do sentido do pecado original, em um sentido muito verdadeiro e devido a uma tentativa muito real por parte daqueles em posse do que poderia ser descrito como ‘ideias inúteis’ para instrumentalizar essa culpa, nossos jovens enfrentam uma desmoralização que talvez não tenha paralelo.

Isso ocorre de maneira particular aos homens jovens, embora qualquer coisa que devastar os homens jovens acabará fazendo o mesmo às mulheres jovens. E, nessa era de antinatalismo e de niilismo igualmente repreensível, essa é precisamente a intenção. Quando crianças, os meninos são agredidos pelas suas preferências de brinquedos, que muitas vezes incluem armas de brinquedo, como armas de fogo. É seu estilo de brincar mais agitado, já que garotos demandam brincadeiras mais ativas, crespas e indelicadas, bem mais que as meninas — para as quais essa também é uma necessidade.

Quando na escola primária, os rapazes são admoestados, envergonhados e controlados de maneira muito semelhante por aqueles que acham que o lúdico é desnecessário, especialmente se for competitivo, e que valorizam uma obediência dócil e inofensiva acima de tudo. Some-se a isso — porque tudo isso ainda não é suficiente, mesmo quando praticado assiduamente, para uma desmoralização completa — a pregação de uma ideologia extremamente prejudicial, que consiste essencialmente em três acusações:

— Acusação número um: A cultura humana, particularmente no Ocidente, é melhor interpretada como um patriarcado opressivo, motivado pelo desejo, vontade e capacidade de usar o poder — “poder” definido como a compulsão dos outros contra suas vontades — para atingir fins puramente egoístas que servem para si. Isso seria tido como verdade em todos os níveis de análise. O casamento seria comparado à escravidão. A amizade à exploração. Discordância política à guerra. E acordos comerciais a enganos e roubo. E isso seria a verdade não apenas dos atuais arranjos sociais que caracterizam nossa cultura, especialmente no Ocidente, mas também a própria realidade fundamental da História em si.

Jordan Peterson | Foto: Gage Skidmore/Flickr

— Acusação número dois: A atividade humana, em particular a empreendida no Ocidente, é fundamentalmente caracterizada por iniciativas de espoliação do planeta. A raça humana seria uma ameaça à “utopia ecológica” que existia antes de nós, e que hipoteticamente poderia existir em nossa ausência. Podemos ser interpretados até mesmo como um câncer, que ameaça a própria viabilidade dos complexos sistemas que compõem o ecossistema da terra que nos abriga e sustenta. Estaríamos diante de uma catástrofe malthusiana de superpopulação e degradação da biosfera, e temos de impor limites extremos a nossos desejos, até mesmo às nossas necessidades, para que nossa própria sobrevivência, ainda que em escala muito reduzida, possa ser ‘garantida’.

— Acusação numero três: O principal colaborador, tanto da tirania que engendra o patriarcado opressivo e estrutura todas as nossas interações sociais, passadas e atuais, quanto da imperdoável espoliação de nossa amada “Mae Terra”, seria a maldita “ambição masculina” — competitiva e dominante, fanática por poder, egoísta, abusadora, estupradora e usurpadora.

Você pode pensar que eu esteja exagerando. Pense de novo, florzinha.

Nós, do Ocidente, estamos enfrentando um ataque desenfreado nos níveis mais profundos daquilo que o velho brincalhão Jacques Derrida considerava a ‘estrutura conceitual falogocêntrica’ da própria civilização. Vamos esmiuçar isso: essa seria uma sociedade centrada no espírito encorajador, aventureiro e masculino. E que dá ‘privilégio’ — essa palavra odienta —, acima de tudo, ao logos divino. E o que exatamente nós deveríamos adorar e venerar ao em vez disso, desconstrucionistas? As palavras daquele genocida, Karl Marx?

E são precisamente esses jovens homens, dotados de consciência profunda, capazes de culpa e arrependimento, que passaram a acreditar, doloridos, que cada impulso profundo que nos move mundo afora para a aventura de suas vidas, mesmo aquele impulso que os atraía para as mulheres, nada mais é do que a manifestação de um espírito que seria essencialmente satânico por natureza. Isso não está somente errado em campo teológico, moral, psicológico, empírico e científico, como também é literalmente uma antiverdade.

Não é mero equívoco acerca da natureza da realidade, um leve deslize conceitual, mas algo que literalmente não poderia estar mais longe da verdade. E algo tão distante assim da verdade vem de um lugar indistinguível do inferno. A igreja cristã existe para lembrar as pessoas, inclusive os jovens homens — e talvez até mesmo primeira e principalmente eles —, que eles têm uma mulher a buscar, um jardim a entrar, uma família a ser sustentada, uma arte a ser praticada, uma terra a conquistar, uma escada para os Céus a ser erguida… e a absolutamente terrível catástrofe da vida a ser enfrentada, impassivelmente, em verdade, devotados ao amor e sem temor.

Convidem os homens jovens de volta. Digam, literalmente, a esses homens jovens: ‘Vocês são bem-vindos aqui. Se ninguém mais deseja o que vocês têm a ofertar, nós queremos. Queremos chamá-los para o mais alto propósito de suas vidas. Queremos seu tempo, energia e esforço, sua vontade — e sua boa vontade. Queremos trabalhar com vocês para tornar as coisas melhores; para produzir vida mais abundante para você, para sua esposa e filhos, para sua comunidade, e para seu país e o mundo. E nós temos nossos problemas na nossa igreja cristã. Somos moribundos e às vezes — às vezes demais — corruptos, por vezes até mesmo profundamente. Estamos atrasados, tal qual todas as instituições que têm suas raízes nos que estão mortos — mas, de qualquer forma, ficamos para trás em muitos casos. Portanto, junte-se a nós. Nós te ajudaremos a se levantar, e você pode ajudar a nos levantar. E, juntos, levantaremos nosso olhar para o alto.’

E aqui vai uma mensagem a esses jovens homens, céticos quanto a tais coisas. O que mais você tem? Você pode abandonar as igrejas em seu cinismo, sua descrença. Você pode dizer para si mesmo, de modo narcisista e solipsista: ‘A igreja não representa o que eu acredito de maneira apropriada’. Quem se importa com o que você acredita? Por que tudo precisa tratar de você? Você realmente quer que tudo trate a respeito de você? Mas e se for a respeito dos outros? E se fosse a respeito do seu dever para com o passado e para com a comunidade mais ampla que o cerca no presente? E se fosse incumbência sua, vital para a sua saúde e para sua vontade até mesmo de viver, resgatar o seu pai morto da barriga do monstro na qual ele se encontra desde sempre, e restaurar-lhe a vida?

Uma vez mais, uma mensagem às igrejas — protestantes (vocês são os piores no momento), católica, ortodoxa: convidem os homens jovens. Afixem cartazes em quadros de avisos. Digam: ‘JOVENS HOMENS SÃO BEM-VINDOS AQUI!’. Imprimam panfletos e coloquem-nos numa caixa ao lado do quadro de avisos. Sinalizem a existência de tais panfletos com uma seta contendo os dizeres: ‘Saiba mais sobre como participar aqui’. Diga àqueles que nunca estiveram em uma igreja como proceder, exatamente. Os trajes a se vestir, quando devem comparecer, quem devem contatar. E, mais importante, o que eles podem fazer. Exijam MAIS, não menos, daqueles que vocês convidam. Exijam mais do que qualquer um que já exigiu deles. Lembrem-nos de quem eles são, no sentido mais profundo, e os ajudem a se tornarem quem podem ser.

Vocês são igrejas, pelo amor de Deus. Parem de militar por ‘justiça social’. Parem de tentar salvar o maldito planeta. Auxiliem as almas. É para isso que vocês servem. É só seu dever sagrado. Façam-no. Agora. Antes que seja tarde demais, pois a hora está próxima.”

Salve, Jordan Peterson!

Você pode encontrar esse vídeo sob o título Mensagem às Igrejas Cristãs (Message to the Christian Churches) em qualquer ferramenta de busca. Se você puder, mostre-o para um padre, um pastor, para um amigo pai de meninos e até mesmo para um jovem que parece se encontrar em um transe causado pelo bombardeio imediatista da felicidade instantânea — seja ela provida pela falsa aceitação das redes sociais ou pela moda dos antidepressivos. Para todos nós, Peterson deixa a vital mensagem aos pais:

“É na responsabilidade que a maioria das pessoas encontra o sentido que as sustenta ao longo da vida. Não é na felicidade. Não é um prazer impulsivo. Adotar a responsabilidade por seu próprio bem-estar, tentar reunir sua família e tentar servir sua comunidade e buscar as verdades eternas para vivê-las. Esse é o tipo de coisa que pode ancorar você em sua vida o suficiente para que você possa suportar as dificuldades da vida. Vocês querem fazer com que seus filhos estejam seguros ou que sejam fortes?”

Em um mundo alterado por egos inflados, amizades por interesse e até conflitos supérfluos que estão desmantelando famílias inteiras, há um fio da obra de Peterson que nos convida a uma reflexão honesta em explorar e absorver o que é significativo, não o que é conveniente.

Leia também “Vai ter bandeira, sim!”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste

 

domingo, 10 de outubro de 2021

Shownalismo - Pobreza menstrual, a era dos factoides e o PT xingando Tabata Amaral - VOZES

Gazeta do Povo - Madeleine Lacsko

É inadmissível uma menina não ter um absorvente em pleno século XXI. Infelizmente, o projeto parcialmente vetado não resolvia isso.

Depois de ver o circo que virou um tema tão delicado e importante como a pobreza menstrual, eu havia decidido não escrever sobre. Já estava tentada a enfrentar a questão depois de ler a excelente entrevista da Maria Clara Vieira com o Peter Boghossian. Daí, uma publicação da Helen Pluckrose que me levou a escrever hoje:
Vejo muitas pessoas se desesperando com nossa situação atual e cometendo o erro de pensar que temos apenas duas opções:
1) Siga as abordagens dos justiceiros sociais para questões de raça, sexualidade, gênero, etc.
2) Oponha-se aos justiceiros sociais maneiras que nos impeçam de abordar essas questões.
Não se desesperem. Há razões para ser otimista.

 

Pobreza menstrual, a era dos factoides e o PT xingando Tabata Amaral -  Foto: Bigstock


Juntei todo meu otimismo e farei uma abordagem de jornalismo opinativo sobre o tema. É a modalidade em que temos direito à nossa própria opinião mas não aos nossos próprios fatos. A modalidade em que os fatos são modificados para coincidir com a opinião chama-se SHOWNALISMO, está em alta no mundo todo e agrada muito o público e os algoritmos de rede social. É assim que temos debatido a pobreza menstrual.

Eu sinceramente não tenho a menor ideia se são ou não verdadeiros os números de mulheres que deixam de trabalhar ou estudar durante o período menstrual porque não têm absorvente. Não imaginava que isso existisse, não fazia parte do meu universo. Fucei aqui e acolá. Acabei descobrindo no meu círculo de relacionamentos uma meia dúzia de casos reais. Jamais reclamaram por vergonha, é muito delicado. Eu fiquei de coração partido.

Um único caso de menina que fique sem ir à escola porque não tem absorvente já é inadmissível.  
Como isso pode acontecer num país presenteado por Deus com abundância? 
Não pode existir isso na nossa sociedade. E hoje podemos falar disso abertamente nos grandes centros. Conheço gente no interior que não fala publicamente de menstruação. Lembro da vergonha que eu tinha décadas atrás, jamais falaria disso na frente de um homem. Superada essa barreira, podemos resolver um problema cruel, que deixa marcas psicológicas horríveis.

A questão é COMO evitar que continuemos a ser uma sociedade que convive com a crueldade da perda de oportunidades educacionais e profissionais por falta de absorvente? É uma situação grotesca, que precisa de solução. O projeto aprovado pelo Congresso e parcialmente vetado pelo Executivo resolveria? Não. Ele não faria o absorvente chegar a todas as meninas que precisam porque gestão de Saúde e Educação é compartilhada entre as 3 esferas de governo. Serve para abrir discussão.

Lembra daquela história do Governo Federal tentando reverter medidas sobre COVID tomadas por prefeitos e governadores que foi parar no STF? Falo dessa decisão específica porque virou uma lenda urbana na máquina de moer fatos das redes sociais. Uma coisa foi fato: Governo Federal não pode tomar medida de Saúde que contrarie decisão de Estados e Municípios porque a gestão é compartilhada. É assim na Educação também. Nem pode mandar distribuir absorvente como previa o projeto via Governo Federal.

Seja no sistema de Saúde ou de Educação, a decisão é nos 3 âmbitos. Governo Federal define para o Federal, governos Estaduais para os Estados e governos municipais para os municípios. [lembrando que pela suprema decisão sobre Covid-19, o Governo Federal não pode tomar decisão que contrarie decisão de Estados e Municípios - como aplicar no Brasil, formado por estados e municípios, uma decisão que contrarie decisão dos prefeitos e governadores? ] Aqui em São Paulo, já há lei municipal regendo distribuição de absorventes por órgãos municipais e programa estadual de distribuição de absorventes por órgãos estaduais. Ah, mas não foi isso que o Bolsonaro alegou para vetar. Também foi, só ler o Diário Oficial.

Vivemos a Economia da Atenção. É interessante no ano pré-eleitoral atacar Bolsonaro por negar até absorvente a adolescente pobre. Também é interessante para o governo alegar que vetou mesmo e foi por responsabilidade fiscal. Mentir está sendo muito frutífero para os dois lados e a imprensa embarcou com vontade. O fato é que nem o projeto foi vetado - o programa foi criado ontem - e nem a derrubada do veto parcial garantirá absorvente para mulher que não tem como comprar. Danem-se os fatos, importa capturar a sua atenção. Vai deixar?

Direito seu deixar que o debate público seja dominado por mentiras que engajam muito, mas vou insistir no otimismo. Além de colocar o link, faço questão de transcrever o projeto e mostrar a você que já é lei e foi criado um "Programa de Promoção e Proteção da Saúde Menstrual":

"LEI Nº 14.214, DE 6 DE OUTUBRO DE 2021

Institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual; e altera a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, para determinar que as cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) deverão conter como item essencial o absorvente higiênico feminino.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º  (VETADO).
Art. 2º É instituído o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que constitui estratégia para promoção da saúde e atenção à higiene e possui os seguintes objetivos:
I - combater a precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários ao período da menstruação feminina, ou a falta de recursos que possibilitem a sua aquisição;
II - oferecer garantia de cuidados básicos de saúde e desenvolver meios para a inclusão das mulheres em ações e programas de proteção à saúde menstrual.
Art. 3º (VETADO).
Art. 4º O Programa instituído por esta Lei será implementado de forma integrada entre todos os entes federados, mediante atuação, em especial, das áreas de saúde, de assistência social, de educação e de segurança pública.
§ 1º O Poder Público promoverá campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a saúde da mulher.
§ 2º Os gestores da área de educação ficam autorizados a realizar os gastos necessários para o atendimento do disposto nesta Lei.
Art. 5º (VETADO).
Art. 6º(VETADO).
Art. 7º (VETADO).
Art. 8º Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial."

O veto parcial
Você pode ver que há quatro artigos inteiros vetados. Não podia deixar nem uma partezinha? Não. Quando o Executivo analisa projeto aprovado pelo Legislativo, ou sanciona ou veta o artigo ou o inciso completos. Ou entra do jeito que foi escrito pelos parlamentares ou é inteiramente anulado. E há vários artigos com vícios técnicos incontornáveis.
Sei que muita gente vai chiar pelo que eu estou falando porque vale tudo para bater em Bolsonaro. Da mesma forma, muita gente chiava quando eu dizia que o trabalho insuficiente do Ministério Público ia acabar soltando todo mundo na Lava Jato e no Mensalão.  
Se o que é dito em entrevista não estiver no papel, não vale, tem de trabalhar e fazer o documento direito. "Ah, mas se fosse projeto de governista, ele teria aprovado". 
Sem dúvida e político de oposição sabe disso. Excelência técnica é o pedágio cobrado no Brasil para quem não é do governo da vez.

Vamos aos artigos vetados, um por um. Sei que tem gente séria dizendo que a justificativa do governo é balela. Fazem por comparação. É verdade que projetos com muito mais problemas e com custo provavelmente mais alto foram sancionados mesmo sem ter a menor condição técnica. Como exemplo, temos os bônus de hoje e o sarapatel de coruja do orçamento secreto. Só que isso não tira os problemas técnicos do projeto da pobreza menstrual.

Vetado: "Esta Lei institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual."

Como uma lei assegura algo? Ela não assegura, ela institui e espera que seja suficiente para assegurar ou estabelece penalidade para o descumprimento. De que "outros cuidados básicos" estamos falando? Quanto custa isso? Quem paga o quê e qual a previsão orçamentária? 
E se houver município que não precisa da gratuidade, vai ter de ofertar o gratuito porque a lei assegura?

Vetado: "Art. 3º São beneficiárias do Programa instituído por esta Lei:
I - estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino;
II - mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema;
III - mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e
IV - mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
§ 1º Os critérios de quantidade e a forma da oferta gratuita de absorventes e outros itens necessários à implementação do Programa serão definidos em regulamento."
Este artigo é do tipo que me irrita porque esfrega na cara que ninguém pensou em como implementar o projeto, só em como dar entrevista. Quando você fala da rede pública de ensino ou do SUS, não pode dividir usuários. Ou é universal ou não faz. Só pode dividir por razões científicas e técnicas.

A qualidade da divisão de público quero acreditar que seja apenas pueril ou desleixada, não mal intencionada. Explico com perguntas:

- Se a estudante de baixa renda ganhar uma bolsa de estudos de uma escola particular, ela não pode receber absorvente? 
- A moça de baixa renda que não estuda ou a mãe de baixa renda da tal estudante também não recebem? 
- Ou só recebem se estiverem presas ou forem morar na rua?
- De onde tiraram a definição "vulnerabilidade social extrema"? O que define, segundo esse critério, quem pode ou não receber absorvente? A mulher rica que apanhou do marido e fugiu de casa sem levar nem a bolsa pode receber?
- Se a mulher estiver em prisão domiciliar não recebe? Só se estiver internada ou presa? A mulher no regime aberto recebe? Presa enviada para casa para cuidar de filhos pequenos recebe?
- Se os critérios de quantidade não têm parâmetro e forem decididos depois, um prefeito que der um absorvente para cada mulher nessa situação está dentro da lei.


Vetado: Art3 - § 2º Os recursos financeiros para o atendimento das beneficiárias de que trata o inciso III do caput deste artigo serão disponibilizados pelo Fundo Penitenciário Nacional.

Ah, mas então o projeto disse de onde vem o dinheiro, né? Disse, só que não combinou com os russos. O dinheiro do Funap não pode ser usado para isso. Poderia ser usado? Sim, era só modificar a Lei Complementar 79 antes de fazer a outra. Isso foi feito? Não, ninguém nem tentou. 
Quanto o Funap teria disponível para isso? Ninguém sabe porque o custo não foi estimado. Aliás, não se estimou nem a quantidade necessária para as presidiárias, o que seria muito mais fácil de medir porque os governos têm os dados.

Vetado: Art. 6º As despesas com a execução das ações previstas nesta Lei correrão à conta das dotações orçamentárias disponibilizadas pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) para a atenção primária à saúde, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento da programação orçamentária e financeira anual.
Esse artigo foi assassinado pelo anterior. Se o atendimento não é universal, não pode pagar pelo SUS. E o próprio projeto estipulou que não é universal. Fora isso, o SUS só pode comprar o que tem lei autorizando, existe uma lista indicando para qual finalidade pode comprar. Fizeram lei para atualizar a lista? Não. Quanto isso custaria e quanto seria o limite de pagamento via Ministério da Saúde? Não pode fazer pelo Ministério da Educação? E pelo da Ação Social? Da Mulher e dos Direitos Humanos também não pode? E se tiver parceria público-privada? Suponha que em uma cidade pequena alguém doe absorventes a todo mundo que precisar. 

Vai ter de comprar pelo SUS mesmo assim?                                          Os governadores e prefeitos perderam a autonomia sobre os orçamentos estaduais e municipais? 
Se eles decidirem pagar com verba que não seja a da atenção primária à saúde porque sempre falta, então estariam fora da lei?

Vetado: "O Poder Público adotará as ações e as medidas necessárias para assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos às beneficiárias de que trata o art. 3º desta Lei e, no âmbito do Programa de Proteção e Promoção da Saude Menstrual, os absorventes higiênicos femininos feitos com materiais sustentáveis terão preferência de aquisição, em igualdade de condições, como critério de desempate, pelos órgãos e pelas entidades responsáveis pelo certame licitatório."
A Lei Geral de Licitações foi mudada? Agora pode decidir, via projeto de lei, critérios de desempate para um certame específico, à revelia de Estados e Municípios que têm autonomia na área?
O Estado de São Paulo tem, desde 2020, uma lei específica para licitações sustentáveis e colocar sustentabilidade, sem especificar critérios, como quesito para desempate não foi previsto porque não é sustentável. Não têm mais autonomia a Assembleia Legislativa e o Governo do Estado?
Por que só os "feitos com materiais sustentáveis" se já é pacífico na legislação que a sustentabilidade contempla toda a cadeia e a atuação ambiental, social e de governança de todos os fornecedores? Estamos de volta ao século passado e não avisaram?

Vetado: Art. 7º O art. 4º da Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
'Art. 4º ...................................................................................................................
Parágrafo único. As cestas básicas entregues no âmbito do Sisan deverão conter como item essencial o absorvente higiênico feminino, conforme as determinações previstas na lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.'
Você sabe o que é SISAN? Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Absorvente é para comer? Não. Então ou não pode entrar aí ou tem de modificar direito a lei, instituindo mais uma finalidade para o SISAN. Foi feito? Não.

Agora tem uma ampla campanha de derrubada do veto, com muita gente informada embarcando. 
Se cair o veto, vai ter absorvente para as mulheres pobres? Não. É mais um projeto que vai parar no STF e virar frisson na mídia, reunindo gente indignada para alimentar algoritmo de político e influencer. O SUS não tem como pagar da forma estabelecida, o próprio projeto exclui mulheres que estão em situação de pobreza menstrual e a lei não pode determinar como isso seria implementado em Estados e Municípios.

O fator Tábata Amaral x soberba é bicho que come o dono
O Congresso Nacional só tem um parlamentar. Chama-se Tábata Amaral. Claro que a adolescência de meia-idade da esquerda passou o dia bradando nas redes sociais que a deputada tentou apropriar-se de um projeto de Marilia Arraes, do PT. A petista vem a ser prima e arquiinimiga do namorado de Tábata Amaral, filho de Eduardo Campos. Os dois se digladiaram como adversários na eleição para a prefeitura de Recife, que ele levou.

Só citei a quizila familiar porque o Brasil nunca é um país, sempre oscilamos entre novela e meme. Claro que sempre as mesmas famílias estão envolvidas. Marilia Arraes apresentou seu projeto em 2019, uma espécie de piora técnica no projeto do vereador carioca Leonel Brizola, transformado em lei no Rio de Janeiro em 2019. No ano seguinte, Tabata Amaral apresentou um projeto corrigindo os vícios técnicos. Claro que não seria aprovado. Todo mundo que acompanha novela sabe direitinho esses trâmites.

Comecemos por Leonel Brizola. Calma que não é o original, é descendente. Não seria estranho a essa altura do campeonato aparecer um espírito na história, mas devo ser fiel aos fatos. O projeto dele respeita o princípio de universalização do sistema público de saúde e dá margem para que o custeio seja decidido pelo executivo sem criar o custo imediatamente. Propõe regulamentação em 120 dias e a fonte de recursos poderá ser prevista para o próximo orçamento municipal, em qualquer secretaria, projeto ou fundo. Sabe quem sancionou? O Crivella.

LEI Nº 6603, DE 3 DE JUNHO DE 2019.
Dispõe sobre o fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro e dá outras providências.
Art. 1º Fica instituído o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro.
Parágrafo único. O programa a que se refere esta Lei consiste no fornecimento de absorventes higiênicos para estudantes do sexo feminino, visando à prevenção e riscos de doenças, bem como a evasão escolar.
Art. 2º O Poder Executivo promoverá o fornecimento e a distribuição dos absorventes higiênicos em quantidade adequada às necessidades das estudantes, por meio de máquinas de reposição, instaladas nos banheiros das escolas da Rede Pública Municipal.
Art. 3º A presente Lei será regulamentada pelo Poder Executivo no prazo de cento e vinte dias, contados da sua publicação.
Art. 4º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 3 de junho de 2019.


Era só fazer pequenos retoques estendendo para outras mulheres e retirando o Artigo 2o. Mas não, tem que florear. Onde já se viu ir atrás de projeto de vereador. Federal tem de ser mais robusto, certo? Não. Também não é o primeiro projeto sobre distribuição de absorventes a aparecer na Câmara Federal. Já havia mais de uma dezena. Nos Estados e Municípios há centenas de leis semelhantes. Várias soluções são pensadas, como distribuir em postos de saúde, fazer parcerias para doação, distribuir nas empresas com um número determinado de empregados. Talvez cada localidade tenha sua forma de solucionar.

Já há distribuição gratuita de absorventes em muitos pontos do Brasil, algumas por iniciativa do governo, outras de entidades da sociedade civil, ONGs, parcerias público-privadas, doações, descontos em impostos, forma de acerto fiscal. Nos Estados de São Paulo e Minas, por exemplo, foi feito por lei estadual e várias leis municipais. Em Florianópolis, há parcerias com entidades que ensinam confeccionar absorventes sustentáveis e acolhem meninas com dúvidas sobre o período menstrual. Todas são iniciativas mais eficazes que o projeto federal.

Suponhamos que a Câmara tirasse os vícios técnicos do projeto e fizesse um sem os problemas que esse teria, daria certo? Não. Cada Estado e cada Município têm autonomia para operacionalizar diretrizes federais sobre este tema. Um projeto federal garantiria que tivéssemos o tema no radar dos orçamentos estaduais e municipais, mas não seria capaz de assegurar que todas as mulheres em situação de necessidade conseguissem absorventes. A efetivação das políticas depende de leis estaduais e municipais.

Apenso, logo existo
Quem já trabalhou em casas legislativas conhece a máxima. Quando alguém já apresentou um projeto sobre um tema que é bandeira de um parlamentar, ele apresenta outro. Pode ser um complemento ou uma correção. Projetos sobre o mesmo tema são "apensados", ou seja, passam a tramitar em conjunto por decisão da Mesa Diretora. É possível que um seja escolhido, que sejam fundidos ou que um deles torne-se a base de uma emenda substitutiva, um novo projeto agregando ideias.

Por que alguém faz um projeto de tema sobre o qual já existe projeto? Ou para corrigir vícios do anterior ou para fazer marketing. O deputado federal Baleia Rossi apresentou um projeto para que o trabalho em casa conte como tempo de serviço na Previdência, a exemplo da legislação argentina. Deputados do PSOL apresentaram a mesma proposta, que tornou-se apenso, mas propiciou ampla divulgação, likes, engajamento e hashtags em redes sociais. A imprensa tende a divulgar esses movimentos. Apenso, logo existo.

Também há casos nobres e um eu acompanhei de perto. A senadora Leila do Vôlei apresentou um projeto de criminalização do stalking, a exemplo das legislações que países civilizados têm desde a década de 1990. A aplicação das penas, no entanto, tinha falhas técnicas. O deputado Fabio Trad, professor de Direito, apresentou um projeto que foi apenso àquele, submetido antes a associações de juízes, promotores e defensores. A lei do stalking é a da senadora, mas o conteúdo é aquele produzido pelo deputado. Modificou-se o texto final e os louros foram cedidos. Nem todos topam isso.

Voltemos aos absorventes. Ano passado, a deputada Tabata Amaral apresentou um projeto sucinto eliminando todos os vícios técnicos do projeto da deputada Marilia Arraes. Não vou repetir os quesitos todos porque, apesar de saber que sou chata com essas coisas, você não é obrigado. Transcrevo:

PROJETO DE LEI Nº , DE 2020 (Da Sra. TABATA AMARAL)
Dispõe sobre a distribuição de absorventes higiênicos em espaços públicos
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a distribuição de absorventes higiênicos em espaços públicos.
Art. 2º. Será realizada a distribuição de absorventes higiênicos em espaços públicos de acordo com as normas regulamentadoras.
Parágrafo único. Será estimulada a oferta de absorventes sustentáveis.
Art. 3º. Esta lei entra em vigor cento e oitenta dias após sua publicação.

O projeto de Tabata Amaral não tem nenhum dos vícios técnicos que justificaram o veto pelo Governo Federal. Mas também não tinha a menor chance de tornar-se o projeto principal. Se você, como eu, é fã de "A Usurpadora", "Avenida Brasil", "Rainha da Sucata" e "Star Wars" sabe todas as razões. O projeto de Marilia Arraes passou a ser a referência e todos os demais viraram apensos. A deputada colocou uns 30 nomes de colegas como coautores.

O projeto não foi mantido na íntegra, foi modificado por uma "emenda substitutiva". Isso quer dizer que formou-se uma comissão de análise e foi escolhida uma relatora para apresentar a redação final, com base nas observações de todos os envolvidos e de mais de uma dezena de projetos semelhantes. Tem o barato que sai caro e o caro que sai mais caro ainda. É o caso. O novo projeto manteve quase todos os vícios técnicos que ensejariam um veto.

"Tem dinheiro para o Fundão Eleitoral mas não tem para absorvente". "Tem dinheiro para bônus de servidor público mas não tem para absorvente". 
"Tem dinheiro para propaganda do governo mas não tem para absorvente". Tudo isso é verdade sim. Nada disso, no entanto, faz com que o projeto troncho torne-se viável. Ser governista talvez bastasse, estamos no Brasil. Mas todos os envolvidos suponho que já sabiam ser oposição ao governo, o que significa um escrutínio técnico minucioso de todas suas ideias.

Política e Economia da Atenção
Tudo isso que eu pesquisei, analisei e escrevi foi pela inspiração da Helen Pluckrose e por amor à causa. Sei que fatos e ações custam caro e têm pouquíssimo retorno na era da Economia da Atenção. Eu ganharia muito mais se topasse mentir. Sairia bradando que Bolsonaro é tão insensível que nega absorvente para mulheres pobres. Ou sairia bradando que a esquerda tem obsessão por esculhambar a responsabilidade fiscal. Imagino quantos cliques e likes. Mas sou um dos poucos imbecis que lê documento e preocupa-se com fatos. Talvez seja masoquismo.

A imprensa está rendida à dinâmica das redes sociais. Importa o engajamento. Este artigo aqui tem baixíssimo potencial. Peço antecipadamente desculpas e já agradeço o privilégio aos meus editores na Gazeta do Povo. Imaginem quanto custa um Lucio Vaz, fiscal dos políticos. Leia o blog dele. Quanto tempo ele leva em cada apuração de gastos públicos? Isso sem contar o tempo investido em técnica e networking para irritar poderosos todos os dias e continuar fazendo a mesma coisa. Nem sei mais se informação é business ou luxo.

O Lucio Vaz só divulga informação depois de obter fontes oficiais, documentos, fazer contas precisas, checar o orçamento. Demorou décadas para ter a habilidade de olhar tudo isso e traduzir para a gente. É caro demais. Daria muito mais retorno pegar um adolescente de meia idade qualquer para ficar gritando sobre lagosta do STF e pedindo para você demonstrar sua indignação. Era só pegar o levantamento que o Lucio Vaz demorou sabe Deus quanto tempo para fazer e criar um factoide. Teria muito mais retorno na Economia da Atenção.

Diante da inspiração vinda da Helen Pluckrose, sabia ter dois caminhos de sucesso na Economia da Atenção. Poderia fazer um artigo demolindo Bolsonaro pela crueldade de negar absorventes a mulheres pobres e derir a uma das hashtags do #BolsonaroEuPrecisoMenstruar. Também poderia fazer um artigo detonando a esquerda por insistir em demolir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Hashtag #CadaUmaQuePagueSeuAbsorvente. Explosão de cliques. Mas sou masoquista.

Jornalistas e políticos foram adestrados pelas redes sociais. Muitos renderam-se à valorização pessoal por cliques e likes. Isso só é possível oferecendo soluções fáceis e necessariamente erradas para problemas complexos. Não vou fingir que não é tentador, é muito. Sei que a condição humana e a realidade são completamente desinteressantes diante das fantasias que podemos alimentar. Fariam muito mais sucesso.

Não é por julgar-me esperta ou fazer avaliações racionais que decidi esmiuçar este assunto, é por profissão de fé mesmo. Dizem que fé move montanhas e vai que, né? Eu morro por dentro quando imagino a menina que eu fui, envergonhada de falar sobre menstruação, tendo de dizer que precisa de absorvente. Nós, como sociedade, não podemos aceitar algo tão cruel e tão injusto. Quanto nos custa isso? Sabe Deus que chagas emocionais e psicológicas são empilhadas sobre a perda objetiva de oportunidades e dinheiro. Ocorre que essas meninas e mulheres precisam de solução, não de boas intenções.

Madeleine Lacsko, colunista - Gazeta do Povo - VOZES    


domingo, 28 de fevereiro de 2021

Partido Comunista Chinês inaugura plano de resgate da masculinidade - Madeleine Lackso

Gazeta do Povo

O governo culpa professoras e a cultura pop pela geração de homens mimados e não assume os resultados da política de filho único.

Com toda certeza você já ouviu por aí reclamações de que a cultura pop e os avanços sociais das últimas décadas deixaram os homens "efeminados" e que precisamos urgentemente de um resgate da masculinidade. Agora descobrimos de onde vem essa ideia, diretamente do coração do Partido Comunista Chinês. O Ministério da Educação da China criou até um programa de fortalecimento da masculinidade nas escolas. A ideia é aumentar o número de professores homens e de atividades físicas dos meninos.

O Ministério da Educação da China acredita que o país passa por uma "crise de masculinidade", tema que foi abordado em maio na Conferência Consultiva do Partido Comunista Chinês. É de lá que saiu a ideia de um programa oficial para "prevenção da feminização de homens jovens". Os culpados agora são a cultura pop e mulheres professoras. Em outras ocasiões, já foram videogames, masturbação e falta de exercícios físicos.

Não é só na China que existe o fenômeno da instrumentalização política de características como masculinidade ou feminilidade, trata-se de algo comum em grupos autoritários de todos os tipos. Controlar a sexualidade alheia impondo padrões de certo e errado é uma fórmula certeira para manipular pessoas. É óbvio que o problema não é uma crise de masculinidade, é uma crise de gente querendo entrar para o exército chinês.

Os influencers aliados do governo fizeram publicações na rede social Weibo defendendo a ideia, mas até a mídia do próprio governo, a Xinhua News trouxe reportagens críticas. É difícil imaginar que meninos tão afeminados possam defender seu país quando uma invasão externa se aproxima”, postaram vários influencers. Foi criada até uma hashtag para debater o tema. Já faz alguns anos que o governo tem visto o fitness como boa alternativa de esporte nas escolas porque fortalece os jovens.

A China está colhendo frutos inesperados da política do filho único. O controle populacional foi o racionalmente esperado, mas o lado emocional das pessoas não foi levado em conta. A situação esdrúxula de poder ter apenas um filho mudou os relacionamentos familiares, criou pais apegados demais e filhos que os próprios chineses chamam de "geração mimada". Há, por exemplo, universidades que providenciam quartos para os pais ficarem hospedados ao lado dos filhos no campus.

 As aulas particulares de masculinidade, coaches de masculinidade e até acampamentos para aprender masculinidade já existem há tempos na China. Em Beijing, há até um acampamento que promete trazer a masculinidade perdida em até 7 dias. O modelo se espalhou pelo país e é especialmente popular entre os homens considerados mais mimados. Nem os especialistas chineses, que vivem num regime comunista rígido, têm coragem de chancelar a pataquada.

O que as famílias e os próprios jovens apontam objetivamente como sinônimo de "falta de masculinidade" é, por exemplo, ser lento para fazer lição de casa. Aliás, principalmente isso e preguiça de trabalhar. Uma pesquisa feita pelo governo em 2014 com 20 mil crianças mostrou que 2/3 dos meninos estavam abaixo da média acadêmica. Entre as meninas, a taxa é de 1/3. A diferença de performance pode ter relação também com as distorções da política de filho único.

Na cultura chinesa, é muito mais status ter um menino do que uma menina. Enquanto houve a lei restringindo o número de filhos a um por casal, eram muito comuns os abortos quando se sabia que era menina e até mesmo o abandono ou morte da criança recém-nascida. Existe um desequilíbrio no número de homens e mulheres na China, tendo muito mais homens, ao contrário de toda a história da humanidade, em que há uma pequena diferença de mulheres a mais. Mesmo assim, as mulheres são maioria nas universidades, 52%. Há 40 anos, eram 23% dos alunos.

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Homens mimados acham ser melhores do que realmente são, o Partido Comunista já sabe disso. O Exército chinês tem agora a geração mais mimada que já passou por lá, fruto de uma longa linhagem sob a política do filho único. Um regime populista sabe bem como lidar com homem mimado: finge que ele está certo e diz que o problema é um ataque generalizado à masculinidade. Por se achar melhor que os outros, o homem mimado vai espalhar a ideia e fazer de tudo para mostrar que ele é exceção, tem masculinidade sim.

As aulas no Beijing Real Boy's Club custam US$ 2 mil por semestre. Os meninos fazem atividades coletivas ao ar livre, lutam, cantam o hino nacional, louvam o partido comunista e entoam mantras como: "Eu sou um homem de verdade! O principal portador da família e da responsabilidade social no futuro! A espinha dorsal do povo chinês!". Também há jogos de palavras entre aluno e professor, como:
- Quem é o melhor? - grita o professor.
- Eu sou o melhor! - responde o aluno.
- Quem é o mais forte?
- Eu sou o mais forte!
- Quem você é?
- Um homem de verdade.

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Madeleine Lacsko, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES  - MATÉRIA COMPLETA

 

sábado, 7 de novembro de 2015

O grito das mulheres

A voz feminina se impõe nas ruas e nas redes sociais e se torna protagonista na luta pelos direitos civis, pelo fim do assédio, da intolerância e até pela cassação do deputado Eduardo Cunha

[somos totalmente favoráveis a que os direitos das mulheres sejam respeitados - exceto o que algumas mentalmente perturbadas desejam que é a liberação do aborto e com isso a permissão do assassinato covarde de seres humanos inocentes e indefesos.

Outro aspecto da luta das mulheres que assusta o Brasil é a ideia de um certo partido - cujo nome não recordamos - de que sejam estabelecidas cotas para um determinado percentual de cargos eletivos serem ocupados por mulheres.

Por favor, não façam isso. Vejam o estrago que uma única mulher - Dilma Rousseff - fez e continua fazendo ao Brasil. Imagine se estabelecer que metade dos parlamentares tem que ser do sexo feminino.

Será o fim do Brasil. Mulheres,  cabe até mesmo a vocês, lutar pela rejeição desse projeto estúpido. A Dilma, uma única mulher, destruiu o Brasil.] 

SAIBA MAIS SOBRE O HORROR DO ABORTO, clicando aqui 

As frases da página anterior foram entoadas em gritos menos graves do que os ouvidos em outras manifestações. Dessa vez, a imensa maioria das pessoas que caminhou pela Avenida Paulista até a Praça da Sé, no centro de São Paulo, na sexta-feira 30, era de mulheres. Foi um movimento político, dirigido ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e seu infame projeto de lei que limita o acesso da mulher estuprada ao abortohoje garantido por lei e a obriga a passar por uma delegacia. [no Brasil não existe pena de morte para os piores bandidos; por que mulheres desumanas, verdadeiros monstros, querem estabelecer pena de morte para seres humanos inocentes e indefesos?]  

 Simone de Beauvoir é uma repugnante pedófila
Acesse e saiba mais: http://brasil-ameoudeixe.blogspot.com.br/2015/10/a-ideologia-de-genero-no-enem.html
Mas o ato, que também aconteceu em outros estados do País e teve manifestantes de todas as idades, contemplava mais. Elas falaram sobre assédio sexual, racismo, intolerância, machismo. E partilharam tudo nas redes sociais, um palanque tão importante atualmente quanto a praça pública. Na mesma semana, a atriz Taís Araújo deu uma demonstração de coragem ao denunciar as ofensas raciais sofridas na rede. “Há uma confluência de fatores que está fazendo o grito das mulheres emergir da maneira como estamos vendo”, afirma a historiadora Margareth Rago, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em história do feminismo. “Vivemos um momento de crise política e um avanço do conservadorismo, notamos um retrocesso de valores e muita intolerância, que estão mexendo em conquistas que estavam garantidas, como é o caso do PL do Cunha. Para reagir, elas estão se organizando para ter mais visibilidade.” Elas estão dizendo não. [essa senhora, aqui chamada de  historiadora,  considera conquista o direito de assassinar seres humanos inocentes e indefesos?] 

“Há uma nova geração de mulheres lutando não somente para ampliar direitos, mas para garantir o legado dos movimentos feministas”, diz Clara Araújo, vice-coordenadora do núcleo de estudos sobre desigualdade e relações de gênero da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). As manifestações coletivas acontecem em convergência com uma nova postura individual, à medida que mais mulheres tomam conhecimento de seus direitos e se sentem seguras para reclamar. Nesse sentido, as redes sociais possibilitaram a construção de um novo diálogo e tem um papel fund amental nessa nova postura feminina. “Elas são um elemento de mobilização que estimula as mulheres, pois permite a troca de ideias e opiniões”, diz Clara, da UERJ. 

A  organização em rede favorece a integração e viabiliza outras formas de participação. “A internet possibilita um conhecimento muito mais amplo sobre o que está acontecendo.” A pesquisadora explica ainda que, no Brasil, o índice de associativismo é considerado baixo, apesar de estar aumentando, inclusive entre mulheres, e as redes sociais conseguem alterar esse cenário. Outro aspecto importante é que elas podem observar nitidamente as desigualdades do cotidiano no relato de colegas e potencializar o discurso - o que explica o êxito da campanha #primeiroassedio, em que relataram na internet a primeira vez em que sofreram abuso. Nas redes sociais há uma infinidade de páginas feministas, perfis pessoais que falam das relações de poder entre os gêneros e grupos privados de ajuda entre mulheres e meninas que pedem conselhos em casos de violência e estupro. A própria manifestação citada no começo desta reportagem foi organizada pelo Facebook. 

Com tanta informação tão fácil de ser encontrada, não é de se espantar que as garotas tenham contato com a pauta das lutas femininas cada vez mais cedo. A militância é tanta que há coletivos feministas, grupos típicos de universidades, já nas escolas. E o protaganismo jovem rende frutos concretos: na terça-feira 3 foi lançado o aplicativo para celular Sai Pra Lá, criado pela estudante Catharina Doria, 17 anos, e que permite registrar os assédios sofridos diariamente. A estudante Victoria Lima Dorta, 16 anos, conheceu o feminismo no ano passado por páginas no Facebook e diz ter se identificado com o movimento porque começou a observar que sofria com as mesmas situações que os textos on-line mostravam. “Abriu os meus olhos para o quanto a sociedade trata as mulheres como objetos dos homens, como não temos direito nem sobre nossos corpos e como a desigualdade de gênero é gritante”, diz. “Também me ajudou a entender um pouco melhor outros tipos de opressão como racismo, homofobia e transfobia.” 

As mulheres negras, que historicamente são alvo de racismo e discriminação, têm seu próprio protagonismo na luta por direitos. Prova que as batalhas dessa parcela da população ocorrem todos os dias são as recentes injúrias raciais sofridas pela atriz Taís Araújo nas redes sociais. Na internet, foi ofendida com comentários preconceituosos desde o sábado 31. Ela se manifestou publicamente e o caso foi investigado pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio de Janeiro. Em julho deste ano, a jornalista Maria Júlia Coutinho também foi alvo de internautas racistas. “A luta das mulheres negras vem desde o período da escravidão, quando, mesmo sob muito sofrimento, elas conseguiram chegar a determinados espaços”, diz Maria das Dores do Rosário Almeida, integrante da Articulação de Mulheres Negras do Brasil. 

Hoje, elas aceitam o corpo, o cabelo, as características físicas de uma forma muito melhor.” Segundo Maria das Dores, apesar de ainda existir uma grande invisibilidade em diversos aspectos, as redes sociais ajudam a revelar o racismo diário. “Taís foi atrás de seu direito e denunciou. Em geral, muitas ainda ficam no anonimato por falta de informação e por medo.” Mas, segundo a militante, nos últimos dez anos aumentou 50% o número de mulheres que se sentem estimuladas a denunciar. “Há um ranço da escravidão que as redes sociais tem nos ajudado a derrubar.” 

Contemplar problemas que dizem respeito a diferentes grupos sociais é um dos pontos mais importantes do feminismo atualmente. A luta pelo fim de qualquer manifestação de intolerância vem de um esforço em acabar com pensamentos binários. Mulheres que exigem ser ouvidas não aceitam uma divisão da sociedade baseada em gêneros, entre homem e mulher, sendo um mais forte do que o outro. “É um pensamento autoritário”, afirma Margareth Rago, da Universidade de Campinas (Unicamp). Mas é principalmente pela crítica ao padrão da dominância masculina que alguns homens têm posturas reativas. Na semana passada, páginas no Facebook que falam sobre direitos e lutas das mulheres foram derrubadas. 

Entre elas a da YouTuber Jout Jout, que recentemente gravou um vídeo orientando as garotas a fazerem um escândalo sempre que assediadas. Além disso, feministas que se expressam publicamente têm sofrido ameaças e ofensas. Parece ser uma reação à emergência de discussões nas redes sociais, movida também pelo tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sobre a persistência da violência contra a mulher, em 25 de outubro. “Há, sim, uma reação, por verem esse avanço das discussões como uma ameaça à posição privilegiada que ocupam socialmente”, afirma a socióloga Tica Moreno, da Sempreviva Organização Feminista.

No cenário político, essa reação surgiu em forma de projeto de lei. No dia 21 de outubro, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados o PL 5069/2013, de autoria do presidente da casa, Eduardo Cunha, que dificulta o caminho da vítima de violência sexual que procura o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). “É a normatização do tratamento desumanizado e discriminatório contra a mulher”, diz Silvia Chakian de Toledo Santos, coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público de São Paulo. O projeto, explica, exige que a mulher faça exame de corpo de delito para que seja comprovado que ela foi vítima de violência sexual e, com isso, tenha acesso ao medicamento. “Quem trabalha na área sabe que nem todas as violências deixam vestígios que possam ser comprovados com laudos”, diz Silvia. Além disso, o documento cria uma condicionante pela qual, para ter acesso ao sistema de saúde, a mulher deve acionar o sistema da Justiça Criminal antes. “É inaceitável já que nem toda mulher suporta a dor de denunciar seu agressor. Muitos abusos ocorrem dentro de casa e o ônus do processo criminal seria um fardo.” O projeto criminaliza ainda a conduta de agentes que, eventualmente, forneçam qualquer orientação à vítima que de alguma forma a induza ao aborto. O PL segue agora para votação no Plenário da Câmara, mas não sem protestos. [o projeto do deputado Eduardo Cunha apenas garante o direito à vida de um ser humano inocente e indefeso; digam o que quiserem, deturpem o sentido e objetivo do projeto mas nada muda a realidade: logo que se torne lei as mulheres que quiserem assassinar seres humanos inocentes e indefesos vão encontrar mais dificuldades e se conseguirem realizar o assassinato serão punidas.] 

Com manifestações nas ruas, nas redes sociais e com uma mudança de postura nas situações cotidianas, não há mais como calar a luta feminina. Se depender delas, o PL de Eduardo Cunha não passa, muito menos ele continua no cargo que ocupa atualmente. Outras manifestações já estão agendadas pela derrubada do projeto. “O desafio agora é que outros movimentos sociais possam incorporar em suas agendas as discussões do universo feminino: questões ligadas ao controle do corpo e da sexualidade da mulher”, afirma a socióloga Tica Moreno. “A história mostra que as mulheres estão sempre à frente da resistência no conservadorismo. É um movimento que precisa ser reconhecido.” E, ao que parece, se surgirem outros empecilhos para se alcançar a tolerância e a igualdade de direitos, elas vão gritar, mais uma vez.


Fotos: Keiny Andrade/Folhapress; Leo Coelho/FramePhoto/Folhapress; PEDRO ANTONIO HEINRICH/AG. FREE LANCER/ESTADÃO CONTEÚDO; Veetmano Prem/Fotoarena/Ag. O Globo, Rafael Hupsel; 

 

domingo, 27 de setembro de 2015

Prostituição: Rachel Moran desafia Anistia Internacional

“É besteira dizer que uma pessoa pode ganhar direitos ao permitir que seu corpo seja tão aberto ao público quanto uma estação de trem ou ônibus.”
[entre os direitos humanos defendidos, prioritariamente,  pela ANISTIA INTERNACIONAL são encontrados:
- direitos humanos para bandidos em prejuízo dos direitos dos humanos direitos;
- descriminalização da prostituição, incluindo a de crianças;
- uso de drogas a pretexto do respeito ao direito a intimidade.
Quem menos tem direitos defendidos pela ANISTIA INTERNACIONAL são os HUMANOS DIREITOS.]
Enquanto a Anistia Internacional inicia sua nova política que apoia a descriminalização da prostituição, Rachel Moran (foto) tem algumas ideias profundas para eles.



A vida dela no comércio sexual, e sua decisão de sair, fizeram dela a batalhadora principal contra a política da Anistia. A autora do livro “Paid For: My Journey Through Prostitution” (Paga: Minha Jornada na Prostituição)
http://www.goodreads.com/book/show/24724603-paid-for
fala abertamente da violência, isolamento e uso de drogas inerente na prostituição. O que as pessoas como ela precisam, ela diz, é ajuda para sair.

Logo que a prostituição é legalizada, “não existe incentivo para o governo fornecer estratégias de saída para as mulheres que querem sair disso,”  Rachel escreveu.  A trajetória dela começou como uma órfã na Irlanda. Aos 15 anos, “Eu estava nas ruas sem lar, educação ou experiência de trabalho. Tudo o que eu tinha era meu corpo.”

O uso de drogas é “tão comum para mulheres na prostituição quanto limpar mesas para uma garçonete,” diz ela. “A realidade diária é trauma, e você quer escapar disso.”
A resolução da Anistia Internacional “apoia a descriminalização total de todos os aspectos do trabalho sexual consensual.” A organização afirmou que “tratou da questão a partir da perspectiva dos padrões internacionais de direitos humanos.”

Contudo, os tratados proíbem a prostituição principalmente de crianças — chamando-a de “incompatível com a dignidade e valor da pessoa humana” e coloca em perigo “o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade.”  A campanha pró-prostituição da Anistia focou nas mulheres que teoricamente escolhem se envolver com “trabalho sexual” e desviou a atenção de cafetões, bordéis e clientes de prostitutas — os homens que mais ganham com a normalização do comércio sexual. “É besteira dizer que uma pessoa pode ganhar direitos ao permitir que seu corpo seja tão aberto ao público quanto uma estação de trem ou ônibus, Rachel disse. Um consentimento exige escolhas e alternativas viáveis.

Quando a prostituição tem endosso social, o mercado se expande. “De onde esses novos corpos estão vindo?” Rachel pergunta. “Moças com escolhas não vão dizer: ‘Entrarei no comércio sexual em vez de ir para a faculdade.’” Não. Meninas em desvantagem social são canalizadas direto para a prostituição.”

Ativistas LGBT também notam que jovens vulneráveis têm a probabilidade mais elevada de serem prostituídosao mesmo tempo em que argumentam em favor da descriminalização de todos os aspectos do comércio sexual.  Duas semanas depois da votação da Anistia, grupos LGBT sem demora criticaram uma ofensiva policial contra o site “Rent... com.” O presidente — que se descreve como “cafetão da internet” e os funcionários foram presos em Nova Iorque por promoverem a prostituição. O site ganhou mais de 10 milhões de dólares desde 2010 com as taxas mensais e anúncios de prostitutos que especificavam preços por serviços sexuais.

“O trabalho sexual afeta de modo desproporcional a comunidade LGBT,” escreveu Sam Brinton. O co-diretor de #Born ...  disse que as prisões foram um “ataque devastador” em jovens que se identificam como lésbicos, gays ou transgêneros (LGBT) e recorrem à prostituição. Muitos “jovens LGBT se envolvem em trabalho sexual para sobreviver.”  

Contudo, nenhum dos prostitutos que anunciou no site foi preso. Esse método se enquadra no modelo nórdico, defendido por Rachel e outros, onde alugar prostitutas, ter bordéis e comprar sexo são criminalizados, mas não os que estão sendo prostituídos. [mesma posição do Brasil em relação à prostituição.]

Os especialistas dizem que os adolescentes e as crianças se venderão barato, pelo preço de uma refeição, ao mesmo tempo em que cafetões e clientes valorizam a juventude e vulnerabilidade deles.  “Respondi a telefonemas em muitos bordéis,” Rachel tuitou, “a pergunta mais comum é sempre: ‘Qual é a menina mais nova que vocês têm?’”

A solução é criar saídas da prostituição, como ajudar com creches, educação, vícios.
A vontade de Rachel escapar foi provocada depois que seu filho de 4 anos entrou na escola, e ela começou um relacionamento íntimo com um homem onde ela “experimentou a sexualidade de um modo que foi designado para experimentar.”

Publicado no Friday Fax do C-Fam. Escrito por: Rachel Moran
https://c-fam.org/
Tradução: Julio Severo