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terça-feira, 1 de agosto de 2023

O cabo de guerra do grupo de Dino para ocultar as imagens do 8 de janeiro

Ministério da Justiça se recusou a enviar à CPI as gravações das câmeras de segurança. Antes, aliados do ministro tentaram reverter pedido sobre gravações

 O Ministério da Justiça rejeitou, na última sexta-feira, 28, encaminhar à CPI que investiga os atos do 8 de janeiro a íntegra das imagens registradas nas câmeras de segurança instaladas nas áreas internas e externas da pasta.

Antes da negativa, foi travada uma empreitada que mobilizou a tropa governista e contou inclusive com a pressão sobre membros da cúpula da comissão para que as gravações não chegassem ao Congresso.

Em junho, uma série de requerimentos de acesso às imagens apresentada por deputados e senadores de oposição foi rejeitada em bloco, após uma manobra da base governista. No mês seguinte, no entanto, pedidos com o mesmo teor acabaram aprovados numa votação feita a toque de caixa.

Desde então, conforme foi relatado à reportagem dias antes da recusa do ministério, parlamentares governistas vinham pressionando para que o deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), presidente da comissão, revogasse a aprovação dos requerimentos.

De acordo com parlamentares, um desses pedidos foi feito pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), aliado de primeira hora do ministro Flávio Dino – ele chegou a ocupar duas secretarias de estado quando Dino era governador do Maranhão.

Enquanto governistas tentavam reverter a aprovação dos requerimentos, o Ministério da Justiça chegou a encaminhar à CPI, no último dia 24, um pedido de dilação do prazo para o envio da resposta “em razão da quantidade de requerimentos recebidos por esta pasta”. Na sequência, porém, o ministério negou o envio das imagens sob o argumento de que já está em andamento uma investigação criminal sobre o 8 de janeiro, o que impediria o compartilhamento dos dados.

Membros da CPI relatam ainda que o governo se mobilizou para tentar reverter a aprovação de outros dois requerimentos: o que trata sobre o Plano Escudo, medida de segurança elaborada pelo Gabinete de Segurança Institucional para proteger o Palácio do Planalto entre os dias 1º e 9 de janeiro, e o que traz detalhamentos sobre a viagem do presidente Lula a Araraquara (SP) no dia dos atentados.

Nos dois casos, porém, já foram enviadas algumas das informações solicitadas. Parte da documentação foi declarada sigilosa.

Política - Revista VEJA
 


domingo, 28 de fevereiro de 2021

INVIOLÁVEIS E INIMPUTÁVEIS - Impunidade parlamentar: Lira recuou, mas não desistiu - O Globo

Bernardo M. Franco

Por duas semanas seguidas, os deputados esticaram o trabalho e se reuniram para votar numa sexta-feira. O surto de produtividade nada teve a ver com a pandemia. O objetivo era despachar o aloprado Daniel Silveira e evitar novas prisões de parlamentares. Assim que a cabeça do bolsonarista foi entregue, a Câmara passou a discutir a chamada PEC da Imunidade. A proposta muda a Constituição para reforçar a blindagem de deputados e senadores. Com a regra atual, prender um congressista é muito difícil. [imagine se fosse fácil!] Com a nova, passaria a ser uma missão impossível.

O articulador da ideia foi o novo presidente da Câmara, Arthur Lira. Em defesa da mudança, ele disse que “proteger o mandato é garantir que os parlamentares possam enfrentar interesses econômicos poderosos ou votar leis contra organizações criminosas perigosas”. O deputado não é conhecido por contrariar empresários ou combater quadrilhas. Ele responde a duas ações no Supremo, por corrupção passiva e organização criminosa.

Discípulo de Eduardo Cunha, Lira se inspirou no mestre e tramou uma aprovação a toque de caixa. Na terça, seus aliados começaram a recolher assinaturas para apresentar a proposta; na quinta, o texto estava pronto para votação em plenário. Pelo rito tradicional, toda PEC precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial. O presidente da Câmara pulou as duas etapas, mas não conseguiu consumar o tratoraço.

Na sexta, o deputado admitiu, a contragosto, que não tinha os 308 votos necessários para mudar a Constituição. Ele se disse “muito triste e preocupado”, com as críticas à emenda. “Essa não merece ser chamada PEC da Imunidade. Deveria ser chamada PEC da Democracia”, reclamou. Lira foi generoso com a própria obra. Outros parlamentares preferiram acrescentar um P, rebatizando-a de PEC da Impunidade.

O chefe do Centrão usou um argumento fajuto para proteger os colegas na mira da polícia. A Constituição afirma que os congressistas são invioláveis por “opiniões, palavras e votos”. O texto foi redigido para defender a democracia e o livre exercício dos mandatos. Não pode ser usado como escudo para a prática de crimes. Se a proposta de Lira já estivesse em vigor, o deputado Daniel Silveira não teria sido preso e a deputada Flordelis não teria sido afastada por ordem da Justiça. Ela é acusada de mandar matar o marido, executado com 30 tiros em Niterói.

A pastora foi denunciada por homicídio triplamente qualificado, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso e tentativa de homicídio por envenenamento. Ela se tornou ré há seis meses, mas escapou da prisão preventiva graças à imunidade parlamentar. [será? o Daniel Silveira foi preso com imunidade parlamentar - decisão do Supremo;
pergunta-se: o que impediu, e impede, que a mesma decisão seja tomada pelo STF para prender Flordelis?  Ou os crimes cometidos por Flordelis (cuja autoria é pública, notória)  são menos graves que os imputados ao deputado Daniel?] 

O marido de Flordelis foi assassinado em junho de 2019. O Conselho de Ética da Câmara só instalou um processo disciplinar contra ela na terça passada, como parte do teatro para justificar a votação da PEC. Lira foi obrigado a recuar, mas já deixou claro que não desistiu. 

Bernardo M. Franco, jornalista - O Globo

 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Imunidade parlamentar: brincando com a Constituição

A velocidade com que anda a emenda constitucional sobre imunidade parlamentar é incompatível com a serenidade que deve presidir mudanças na Constituição

Tramita a toque de caixa a proposta de emenda parlamentar (PEC) do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), que muda as regras sobre prisão em flagrante de parlamentares. Se aprovada, como parece, a medida somente será permitida se estiver relacionada a crimes inafiançáveis listados na Constituição, como racismo e crimes hediondos. 
Ficará proibida a prisão cautelar por decisão de um único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Se vigorasse há dias, o ministro Alexandre de Moraes não poderia ter decretado a prisão do deputado Daniel Silveira pelas ofensas que dirigiu aos membros da corte e pela defesa do AI-5. ["Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal."
Não existe nenhuma lei que proíba a defesa do AI-5 ou que proíba um cidadão de gostar do AI - 5.
As ofensas ao ministro, caso não sejam cobertas pela inviolabilidade estabelecida no 'caput' artigo 53 da CF, são passíveis de punição pela Conselho de Ética da Câmara - lembrem-se do 'quaisquer' que consta da norma citada.] O presidente da Câmara, Arthur Lira, é favorável à medida e está agindo no sentido de permitir sua rápida aceitação pelo Congresso.

Trata-se indiscutivelmente de reação, que se julga corporativista, à decisão do ministro do STF. Mais preocupante, todavia, é a espantosa velocidade de tramitação da PEC. A proposta, assinada por 186 deputados, foi apresentada na terça-feira, 22/2. Ontem, recebeu expressivo apoio de 304 deles para a admissão de sua viabilidade, sem passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça. Tampouco foi submetida a comissões temáticas. 

Dispensou-se o debate por quarenta sessões, como previsto no regimento da Câmara. Óbvio, não foi preciso o interstício entre votações. Ao que se comenta, pode ser aprovada hoje em dois turnos de votação. Se assim for, uma emenda constitucional será aprovada na Câmara em curtíssimo período, talvez menos de uma semana. Será mais rápido do que o tempo requerido para a votação final de projetos de lei e medidas provisórias. 

A Constituição é a lei fundamental do país. Suas mudanças devem ocorrer após longos debates e a consideração adequada de seus custos e benefícios. [com o devido respeito ao ilustre colunista,  lembramos que quando não queremos mudar alguma coisa e não podemos, não queremos, ou não temos coragem de expressar nossa discordância à mudança pretendida, nos valemos do recurso de discutir, discutir.]  Daí por que são mais exigentes as normas que regem sua alteração. O número de sessões e os interstícios existem para permitir a apreciação cuidadosa de seus efeitos. Os dois turnos de votação, separados por um mínimo de dias, têm o objetivo de assegurar uma reflexão responsável pelos membros do Congresso.

Blog do Maílson - Maílson da Nóbrega - VEJA


domingo, 30 de abril de 2017

Matar a toque de caixa

Este ano, pela 1ª vez em uma década, os EUA deixam de constar entre os cinco campeões mundiais de execuções legalizadas

A ideia era solucionar um urgente problema de prazo de validade, se possível através de uma operação veloz, dentro da lei e sem falhas. Pelo plano original do governo do Arkansas, um dos 19 estados americanos onde ainda vigora a pena de morte, oito execuções seriam realizadas num espaço de onze dias. E o anunciado calendário de execuções a toque de caixa teria duas mortes a cada data — nos dias 17, 20, 24 e 27 de abril.

Os próprios partidários da pena capital se surpreenderam, pois o apoio popular a execuções nos Estados Unidos havia caído ao nível mais baixo dos últimos 25 anos, o número de sentenciados à morte baixara para patamares de 1972, e dois de cada cinco americanos hoje se declaram contrários à pena capital — maior índice em 44 anos. Neste ano de 2017, pela primeira vez em uma década, o país deixa de constar entre os cinco campeões mundiais de execuções legalizadas. 

Por que, então, atropelar essa curva? A pressa em fazer andar a fila dos 37 condenados à morte foi do governador Asa Hutchinson, e por um motivo que vem afetando de forma radical a execução da pena: no sistema penitenciário do Arkansas, a partir de hoje, 30 de abril, expirava a data de validade do estoque de midazolam, uma das três drogas que compõem o coquetel injetável administrado por carrascos. E não há reposição fácil para o sedativo dos condenados.[será que os assassinos sedaram suas vítimas?
que se troque o coquetel letal pela cadeira elétrica ou mesmo enforcamento. Ou mais simples se suprima o sedativo, as duas drogas restantes cumprirão a função de executar o condenado.
Quanto mais dolorosa for a dor imposta ao condenado, mais exemplar será o castigo.]

Como os fabricantes e distribuidores evitam vender seu produto para a justiça criminal, as chances de reabastecimento são cada vez mais minguadas, irregulares e arriscadas. São três as drogas por injeção letal intravenosa que levam a óbito o condenado afivelado numa maca. E são dois os carrascos obrigatoriamente anônimos e invisíveis que, através da abertura na parede de uma saleta adjacente, acionam as seringas das quatro sondas inseridas nos braços do condenado.

Primeiro um sedativo (midazolam, pentobarbital ou sódio tiopental) destinado a apagar o preso; em seguida uma dose de brometo de vecurônio, que em versão inofensiva pode ser chamado de relaxante muscular, mas numa câmara da morte é um bloqueador neuromuscular paralisante. Só então entra em cena o mortífero cloreto de potássio, que faz cessar o funcionamento cardíaco. 

O problema está na alarmante falta de saber científico embutida na execução desses procedimentos. Adam Rogers, da revista “Wired” fez bem em lembrar que o medico legista Jay Chapman, criador do celebrado coquetel letal de três drogas, em 1977, não apresentou um único estudo de comprovação científica para fundamentar a receita. O método acabou sendo adotado pela justiça criminal por ter aparência mais humana, moderna, e pode aposentar a mal afamada cadeira elétrica, a câmara de gás de nitrogênio, o pelotão de fuzilamento e a forca. A pena de morte adquiria respeitabilidade, era clean.

Do ponto de vista das testemunhas, talvez. Para o condenado, nem tanto, pois a fórmula do dr. Chapman, além de não ter sido submetida aos testes científicos de regra, também sofreu duros reveses de mercado. O tranquilizante do protocolo original teve de ser substituído por sedativos alternativos como o midazolam, de efeitos erráticos, depois que os grandes fabricantes europeus deixaram de fornecer drogas à justiça criminal americana, na virada do milênio.

A partir daí começaram a se multiplicar casos de execuções esquisitas, com condenados irrequietos no meio do procedimento. O marco mais cruel desse desvio foram as quase duas horas de suplício a que foi submetido o condenado Joseph Wood, em 2014, que foi injetado 15 vezes e teve 640 microconvulsões antes de poder expirar na maca. 

Dado que o Conselho de Anestesiologia dos Estados Unidos proíbe os profissionais do país de trabalharem para a pena de morte, o sistema vai tateando com o brometo de vecurônio que sufoca sem que a vitima possa se manifestar, pois está paralisada, e o cloreto de potássio queima até as entranhas. 

Será difícil aperfeiçoar a injeção letal a ponto de torná-la uma punição “nem cruel nem incomum”, como manda a Oitava Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Ao contrário. O método está se tornando cada vez mais inseguro. Ledell Lee, executado na semana passada, morreu pela injeção de uma droga com validade quase expirada, uma outra comprada pela Justiça sob falsa alegação de uso hospitalar, e uma terceira negociada como “doação”, num estacionamento, com um fornecedor que preferiu ficar anônimo. Nessa toada algum cartel mexicano ainda haverá de se interessar pelo negócio. 

Ao final, devido à enxurrada de recursos, maratonas jurídicas, petições de advogados e pareceres de última hora da Corte Suprema, foram quatro e não oito as execuções levadas a cabo até o dia 27. Em alguns casos, como o de Don Davis, o condenado já havia sido retirado da cela, havia feito a última refeição e faltava apenas um minuto para a meia-noite quando ele recebeu a notícia de que continuaria vivo. 

Outros, como Ledell Lee, de 51 anos, que manteve a inocência até morrer, não escaparam. Em 1993 fora acusado do assassinato de uma jovem mãe na presença da filha Ashley, então uma menina de 6 anos. Só que as amostras de sangue em seu sapato nunca foram submetidas a análise, e os fios de cabelo encontrados no local tampouco passaram por DNA; impressões digitais desconhecidas da cena do crime permaneceram desconsideradas. “Um homem negro entrou em casa”, dissera à época a menina Ashley. Ao completar 10 anos , ela voltou a prestar um testemunho carregado de influência da família e dos promotores. 

Em 2015, já mulher, Ashley deu um último depoimento perante a comissão de avaliação penal do caso Ledell Lee. Segundo o “New York Times”, ela declarou não mais acreditar que a pena de morte traga justiça. Cansara de reviver o crime: “Estou pronta para tocar a minha vida”.

Fonte: O Globo - Dorrit Harazim é jornalista