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quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Os avanços e os desafios em torno do câncer mais letal nos dias de hoje

Marcelo Corassa e Felipe Marques da Costa


Médicos discutem as estratégias que precisam ser reforçadas para conter o câncer de pulmão. Parar de fumar e detectar a doença mais cedo estão entre elas

cancer-pulmao

IMPACTANTE: tumores no pulmão continuam sendo desafio de saúde pública. (Foto: Hemera/Thinkstock/VEJA)

Apesar de representar 20% do total de tumores malignos em nível mundial, o câncer de pulmão detém a maior taxa de mortalidade, superando a soma dos cânceres de próstata, mama e intestino. Mesmo com todo o progresso no tratamento, a busca por detecção precoce é um esforço constante que, somado a inovações diagnósticas e terapêuticas, representa um avanço para tornar a doença potencialmente curável.

No Brasil, a situação não é diferente. Em 2023, estima-se que será o câncer de pulmão será o terceiro câncer mais comum em homens e o quarto mais comum em mulheres, porém o primeiro em termos de mortalidade para ambos os sexos.

Há bastante discussão sobre prevenção e rastreamento em muitos tipos de câncer. Entre os tumores de mama, próstata e intestino, a conscientização sobre prevenção e a realização de exames para detecção precoce da doença são amplamente divulgados. 
No entanto, raramente se destaca o impacto do abandono do tabagismo e o papel da tomografia de tórax como métodos de prevenção e rastreamento para o câncer de pulmão.

Comecemos pelo principal fator de risco para a doença, o fumo. Embora a noção de que o cigarro é prejudicial à saúde seja amplamente disseminada e esteja até mesmo inscrita nas embalagens do produto, as taxas de tabagismo continuam alarmantemente altas.

Cerca de 85% dos casos de câncer de pulmão estão diretamente associados ao cigarro, e é sabido que a interrupção desse hábito, independentemente da duração do vício, resulta em uma redução significativa da mortalidade acumulada por câncer de pulmão, sem mencionar os demais benefícios que traz à saúde como um todo.

O primeiro passo para transformar a atual situação do câncer de pulmão é promover a interrupção do tabagismo, seja com cigarros tradicionais, seja com eletrônicos. Essa medida é essencial para reduzir a incidência da doença. Mesmo para pacientes já diagnosticados com o tumor, a cessação precoce pode levar a um prognóstico melhor.

Existem diversas estratégias na luta contra o tabagismo. Educação sobre os males que ele pode provocar é fundamental, principalmente ao direcionar esforços para a parcela mais jovem da população. Para aqueles que já são fumantes, abordagens estruturadas a partir de programas que combinem psicoterapia e medidas farmacológicas têm altas chances de sucesso. Contar com ajuda profissional nessa empreitada faz diferença.

Da mesma forma que nos cânceres de mama e intestino, existe uma estratégia eficaz de rastreamento para o câncer de pulmão
Menos conhecida da população em geral, ela permite diagnósticos mais precoces e, consequentemente, aumentam as chances de cura da doença. Tal estratégia envolve a realização de uma tomografia computadorizada de tórax de “baixa dose”, ou seja, com uma taxa de radiação menor.

Atualmente, a indicação é limitada a indivíduos entre 50 e 80 anos que fumam ou interromperam o tabagismo há menos de 15 anos e cuja carga tabágica é maior que 20 maços/ano. O cálculo da carga tabágica é simples, sendo realizado a partir da multiplicação do número de anos de consumo de cigarro pelo número de maços consumidos por dia.

No campo do tratamento, por muito tempo todos os progressos associados à tão aclamada imunoterapia foram direcionados a pacientes com doença avançada, ou seja, aqueles sem perspectiva de cura. No momento desta publicação, existem pelo menos cinco grandes estudos internacionais que examinam o uso dessa estratégia baseada em “acordar” o sistema imune para atacar o câncer em pacientes antes ou após a cirurgia, todos com resultados extremamente promissores.

A prevenção do câncer de pulmão é possível: essa é a mensagem central deste artigo. Para isso, é crucial que o diagnóstico seja feito mais cedo, o que requer a ampliação dos programas de rastreio e cessação de tabagismo. 
Portanto, se você se encaixa nesse perfil, é vital buscar orientação médica. 
Lembre-se de que o câncer de pulmão, quando flagrado precocemente, tem um prognóstico muito mais favorável, e a tomografia computadorizada de tórax de baixa dose é uma ferramenta valiosa para a cura dessa doença.
 
A necessidade de uma conscientização contínua e a educação entre os profissionais de saúde é fundamental
No entanto, ainda mais importante é encorajar o público a buscar conhecimento sobre como minimizar seus próprios riscos. 
Consulte o seu médico, não hesite em fazer perguntas. Faça parte do cuidado.

* Marcelo Corassa é oncologista e líder da Unidade de Câncer de Pulmão e Neoplasias do Tórax da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo; Felipe Marques da Costa é chefe da equipe COPAN de Pneumologia da BP de São Paulo

Letra de Médico - Revista VEJA


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Faltou alguém no debate - Revista Oeste

Augusto Nunes

Alexandre de Moraes e seu acervo de arbitrariedades ficaram fora do duelo entre os candidatos à Presidência 

Nos minutos iniciais do debate que reuniu seis candidatos à Presidência da República, o jornalista Eduardo Oinegue quis saber de Jair Bolsonaro e Simone Tebet o que farão, caso vençam a disputa nas urnas, para restabelecer a harmonia perdida no convívio entre os três Poderes. Boa pergunta. A poucas semanas da eleição presidencial, nenhum tumor no organismo democrático é mais perigoso que o alimentado por sucessivas intromissões do Supremo Tribunal Federal em territórios e atribuições pertencentes ao Legislativo e ao Executivo.

Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, Simone Tebet e Jair Bolsonaro, durante o debate de presidenciáveis na Band (29/08/2022) | Foto:  Suamy Beydoun/Agif/Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, Simone Tebet e Jair Bolsonaro, durante o debate de presidenciáveis na Band (29/08/2022) | Foto: Suamy Beydoun/Agif/Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

A ofensiva expansionista tornou-se evidente em 2019, quando o presidente da Corte, Dias Toffoli, pariu o inquérito das fake news. 
 O aleijão constitucional nascido meses depois da posse de Bolsonaro foi entregue aos cuidados de Alexandre de Moraes. 
De lá para cá, na gerência da usina de arbitrariedades, decisões insolentes, chicanas e outras agressões ao Estado de Direito, Moraes vem caprichando no papel de Supremo Capataz do Brasil.  
Depois de assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o impetuoso artilheiro do Timão da Toga aparentemente concluiu que isso tudo ainda é pouco. Haja arrogância.
 
Não é o que pensa a senadora mato-grossense Simone Tebet. Primeira a comentar o tema, a candidata do MDB confirmou que certas manifestações de covardia requerem mais coragem que atos de bravura praticados no clímax de um combate. “É muito simples”, recitou ao iniciar o espancamento do idioma e da verdade. “A harmonia depende excessivamente de um presidente da República que saiba cumprir a Constituição e o seu papel.” 
Sem pausas, acusou o adversário de ameaçar a democracia o tempo todo, por menosprezar a imprensa livre e a independência do Supremo, fora o resto. “A política é que está judicializando o Poder Judiciário”, ficou de cócoras Simone.
Em um minuto, Bolsonaro sepultou o falatório da senadora no jazigo das fantasias. 
Lamentou o ativismo judicial da maioria dos ministros, que transforma qualquer corte em comitê político-eleitoral. Criticou a ingerência do Judiciário em territórios alheios
Deixou claro que o Palácio do Planalto é não a fonte, mas o destinatário das provocações. 
E introduziu no debate, realizado neste 28 de agosto, um fato que em qualquer país sensato teria dominado o debate. 
Dias antes, por ordem do ministro que acumula no monstrengo rebatizado de inquérito do fim do mundo os papéis de vítima, detetive, delegado, promotor, juiz e relator, a Polícia Federal cumprira mandados de busca e apreensão em propriedades de oito empresários que trocam mensagens numa rede social. 
Pena que Moraes se tenha dispensado de participar do debate na Band. Ele não precisa de um único voto para achar que manda no Brasil — e fazer o que lhe dá na telha destelhada.
Na versão do Supermagistrado, baseada em outro atentado à língua portuguesa e ao raciocínio lógico cometido por um sherloque de estimação, evidências robustas demonstram que os alvos da prepotência dormem e acordam sonhando com um golpe de Estado que colocaria Bolsonaro no lugar que já ocupa. 
Depois do flagrante perpétuo, da prisão preventiva sem prazo para terminar, do inquérito sem data para ser concluído, da punição de parentes do autor de crimes secretos, da liberdade de expressão algemadae depois de resolver que falar mal de ministros do STF é crime hediondo —, Moraes surpreendeu o mundo com outra assombrosa brasileirice: o golpe de Estado modelo WhatsApp, planejado em recados eletrônicos e executado sabe Deus como. 
Ainda em sua primeira fala no debate, enfim, o candidato à reeleição constatou que a insistência de Moraes em castigar o deputado federal Daniel Silveira é um desafio à graça constitucional concedida ao parlamentar pelo chefe do Executivo.

Sobre a epidemia de vigarices protagonizadas por integrantes do Supremo, nem um pio

O país finalmente vai tratar de perigos reais e imediatos, animaram-se profissionais da esperança. 
A violência que alvejou empresários inocentes,  cujas redes sociais continuam confiscadas, fora considerada excessiva até por editorialistas da imprensa velha, até por jornalistas que se escondem sob rotativas desativadas quando ouvem o nome do carrasco togado, até por entidades de classe que murmuram “amém” ao toparem com qualquer manifesto de rebanho. Os semideuses do Egrégio Plenário enfim seriam confrontados com críticas públicas dos demais participantes do debate, estimulados por perguntas que estão na ponta da língua de profissionais sem medo.
 
Quem sonha com tão improváveis surtos de altivez deve esperá-los sentado. Nenhum outro jornalista formulou outras perguntas vinculadas ao assunto mais importante do ano eleitoral. Nenhum outro candidato desperdiçou seu tempo com genuínos golpistas. Alexandre de Moraes não teve o nome mencionado uma única vez. O que se ouviu foi o estridente silêncio dos cúmplices. Além dos previsíveis ataques a Bolsonaro, prontamente rebatidos pelo alvo preferencial de novo condenado por crimes futuros, a noitada apresentou aos espectadores o imposto único louvado por Soraya Thronicke, o pungente esforço de Simone Tebet na CPI em que estreitou a amizade com Renan Calheiros e Omar Aziz, o calote sideral planejado por Ciro Gomes em favor dos brasileiros endividados
A pandemia que acabou há muitas semanas foi revisitada várias vezes. Sobre a epidemia de vigarices e patifarias protagonizadas por integrantes do Supremo e seu atrevido puxadinho batizado de Justiça Eleitoral, nem um pio.
Desde 2019, com o endosso do Alto Comando do Pretório Excelso, Moraes tenta repetir que gente contemplada com o dom da onisciência identifica com clareza solar a mentira e a verdade, o fato e o boato, a informação correta e a notícia enganosa, o que esclarece e o que desinforma. Se é assim, o que espera o ministro que tudo sabe e tudo vê para confirmar, como prometeu no discurso de posse no TSE, que seria “implacável” com difusores de fake news? ]
Até bebês de colo sabem que, desde o tempo das cavernas, seres humanos que se enfrentam em duelos verbais fazem afirmações opostas. Como não há duas verdades antagônicas sobre a mesma coisa, uma afirmação é a certa, a outra é errada. Portanto, uma fake news.
Um Lula cada vez mais bisonho, por exemplo, jurou no debate que foi inocentado pelo Judiciário
Foi informado que a Lei do CEP inventada por Edson Fachin não anulou as condenações aprovadas por nove juízes em três instâncias. Alguém mentiu e Moraes está obrigado a enquadrar o pecador. Também garantiu que Bolsonaro anda vendendo estatais a preço de banana e privatizou a Petrobras, além de uma BR cujo nome não conseguiu lembrar. 
E lembrou que, ao contrário do que fez Ciro Gomes, não fugiu para Paris quando começou o segundo turno da eleição de 2018. Nem poderia, retrucou Ciro: para tanto, teria de escapar da cadeia em Curitiba.  
Gente assim merece ser levada a sério? 
Qual candidato será enquadrado pelo implacável juiz de palanque?
 
Simone Tebet revelou que, quando vê uma mulher tratada com dureza, primeiro procura descobrir em quem vota. 
Se desejar a morte do Grande Satã do Planalto, socorre bravamente a vítima da misoginia. 
Caso a agredida simpatize com o chefe do governo federal, como a doutora Nise Yamagushi, repassa o serviço para a senadora Leila. [por respeito ao nobre esporte praticado por Ana Paula Henkel e a própria, suprimimos o termo do vulgo da senadora do DF.]  
Está certo isso, doutor Moraes? 
No momento, o presidente do TSE não tem tempo para responder a tais miudezas. Está ocupado demais. Precisa impedir que Roberto Jefferson e Daniel Silveira sejam candidatos a qualquer cargo. 
Ou que golpistas digitais usem o 7 de Setembro para desencadear a quartelada que levará Bolsonaro ao cargo que já ocupa. 
Ou, ainda, que extremistas conservadores insistam em difamar a urna eletrônica promovida a orgulho nacional por gente que envergonha o Brasil que pensa e presta.

Terminado o duelo, entraram em cena os analistas de debate. Dez minutos mais tarde, decidiu-se que Simone Tebet triunfara, que Ciro levara a medalha de prata, que Lula só não vencera por falta de explicações para a roubalheira inexplicável. 

O perdedor, claro, fora Bolsonaro, abalado por duas fraturas expostas: a mania de maltratar mulheres que o maltratam e a economia fragilizada.  [o 'capitão do povo' não perdeu o embate, bem foi ao  bate-boca para ganhá-lo e sim para ganhar as próximas eleições.]

Nesta semana, o júri de galinheiro foi empurrado para as cordas pelo cortejo de boas notícias: o PIB cresceu, o desemprego diminuiu, a inflação caiu, o preço dos combustíveis baixou, a renda dos brasileiros aumentou. Os profetas catastrofistas tentaram reagir com um “mas”: no ano que vem as coisas vão piorar.  

Foram nocauteados na sexta-feira, quem diria, por uma pesquisa do Datafolha que finalmente permitiu a Bolsonaro ultrapassar a faixa dos 30%. Falta pouco para a eleição. A apuração dirá se Alexandre de Moraes consegue ser implacável com falsidades publicadas por companheiros de luta.

Leia também “Pedro III e a professorinha”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Bem-vindo a Cancerland - Oeste

Dagomir Marquezi

Foto: Montagem com imagem Shutterstock
Foto: Montagem com imagem Shutterstock 

Bem-vindo a Cancerland. Esta cidade imaginária é mais do que um território de pessoas doentes. É um estado de espírito. O termo foi citado pelo oncologista Siddhartha Mukherjee, formado pela Columbia University e com meio século de experiência clínica.

Num artigo recente para o Wall Street Journal, Mukherjee conta a história de uma paciente que descobriu um pequeno tumor no seio. Passou pelo procedimento básico: cirurgia, radio e quimioterapia. Teve alta. Estava fisicamente curada. Mas nunca mais foi a mesma.

Em vez de celebrar a vitória, a paciente escarafunchou a história da família e conseguiu descobrir uma tia distante que havia morrido de câncer no seio aos 70 anos. Passou a ser assombrada por uma remota conexão genética. Pesquisou a internet em busca de possíveis casos de “metástases ocultas” em pacientes que, como ela, estavam aparentemente curadas. E pediu ao médico que fosse submetida, junto com a filha, à “mais intensiva forma de vigilância de câncer”.

Uma coisa é ter a doença. Outra é passar cada um de seus dias paralisado pelo pavor de ficar doente. Quando se chega a esse ponto, a pessoa mais saudável do mundo já é cidadã de Cancerland. Como define o doutor Mukherjee, vive “se sentindo sob cerco do futuro”.  Nós tivemos agora mesmo um exemplo desse fenômeno na forma da covid-19. O medo natural de uma doença nova e perigosa e o pavor injetado com objetivos políticos sórdidos fizeram com que pessoas se trancassem em casa com medo de respirar, comer e conviver com outros seres humanos. Algumas estão trancadas até hoje. Se foi assim com a covid, algo ainda mais grave pode acontecer com o câncer.

Detalhes perturbadores antes invisíveis
A busca — necessária — da detecção precoce de tumores está avançando rapidamente. Profissionais da medicina pesquisam uma série de técnicas e procedimentos que poderão estar disponíveis em pouco tempo. A era do exame anual de rotina pode estar no fim. Uma dessas técnicas é a vigilância genética. O estudo de nossos antepassados pode quantificar (através da inteligência artificial) a predisposição que um indivíduo herdou para desenvolver um quadro cancerígeno. Até aí, tudo bem. Mas como vai viver uma pessoa que se impressiona facilmente se descobrir, por exemplo, que tem 68% de chance de contrair um tumor maligno em algum ponto de sua existência?  
Pode ser que nunca pegue nem um resfriadinho. 
Mas o medo já terá se transformado numa doença.

Outra novidade é a chamada “vigilância fisiológica”. Já existem estudos para identificar sinais suspeitos no nosso sangue através da “biópsia líquida”. (Homens já fazem isso com o exame de PSA — que pode alertar para um possível câncer na próstata.) Aqueles altamente ansiosos terão a chance de fazer um exame desses por dia, especialmente se tiverem algum tipo de disposição genética para o câncer.

O problema vai ser passar do limite do bom senso e entrar num universo de neurose

O doutor Siddhartha Mukherjee lembra que mulheres podem carregar sinais de câncer no ovário através do sangue. Mas isso não quer dizer que o câncer vai se instalar no seu organismo. Com a biópsia líquida poderemos chegar a um ponto em que descobriremos detalhes perturbadores antes invisíveis circulando pelos nossos corpos. Os mais assustados optarão por tratamentos invasivos e remédios pesados para curar uma doença que não possuem. E se arriscarão a ficar doentes de verdade.

Todos sabem — ou deveriam saber — que a detecção precoce de um câncer pode ser a diferença entre um tratamento bem-sucedido e um óbito. Quanto antes for detectado o tumor, melhor. E ele será apanhado cada vez mais cedo. O problema com essa nova fase vai ser passar do limite do bom senso e entrar num universo de neurose e ansiedade.

Passaportes unidirecionais
O cientista alemão Sebastian Thrun, citado na reportagem do WSJ, imagina um mundo em que os mais inocentes objetos de uso diário se tornarão “armas de vigilância diagnóstica uma banheira que examina seu corpo para detectar massas anormais que podem exigir investigação; um espelho que pode verificar se há sinais pré-cancerosos em seu corpo; um programa de computador que (com o seu consentimento) vasculharia sua página do Instagram ou Facebook enquanto você dorme à noite, avaliando mudanças nas suas fotos que pudessem dar sinais da doença”.

Essa ultravigilância levaria a mais detecções precoces? Sem dúvida. Mas transformaria em potencialmente “cancerosas” pessoas que não são. E isso aumentaria os custos médicos a um ponto que o tratamento de outras doenças seria negligenciado. Acabamos de ver isso acontecer durante a pandemia. “Um mundo em que o câncer fosse normalizado como uma condição crônica administrável seria uma coisa maravilhosa”, escreveu o historiador e médico Steven Shapin, em 2010. “Mas um mundo de fator de risco em que todos nos consideramos pré-cancerosos não daria certo. Isso pode diminuir a incidência de algumas formas de malignidade e, ao mesmo tempo, aumentar enormemente o número de gente saudável sob tratamento médico. Seria uma estranha vitória, em que o preço a ser pago para impedir a propagação do câncer pelo corpo é sua propagação descontrolada pela cultura.”

O doutor Siddhartha Mukherjee fala do perigo que significa ter uma passagem (mental) só de ida para Cancerland. “A romancista e crítica Susan Sontag escreveu certa vez sobre um passaporte entre o reino dos saudáveis e o reino dos enfermos, imaginando uma passagem bidirecional: homens e mulheres podem adoecer, mas alguns retornam ao bem-estar. Ao inventar a nova cultura de vigilância do câncer, temo que fechamos as fronteiras dos reinos. Temo que agora vamos possuir passaportes unilaterais para o reino da doença. O que encontraremos lá depende de nós”.

O salão dos mil brasileiros
Segundo o Instituto Nacional do Câncer, do Ministério da Saúde, o Brasil terá uma média de 625 mil novos casos da doença por ano até 2022. Isso corresponde a cerca de 0,3% da população brasileira. Em outras palavras: imagine um salão lotado com mil brasileiros. Naquele salão, três pessoas deverão contrair algum tipo de câncer. Desses três doentes, um vai morrer.

Seria ideal que nenhuma pessoa tivesse uma doença tão grave, e que ninguém morresse por causa dela. Um único caso pode ser devastador para quem adoece e para as pessoas ao seu redor. (Disso eu entendo: minha mãe foi aquela única vítima no salão imaginário com mil brasileiros). Esses números mostram que o fantasma é terrível. Mas numericamente não tão grande quanto pode parecer por causa de sua fama sinistra.

A cura para o câncer através da prevenção ou do tratamento está chegando a cada dia. Boa parte dos que ficaram doentes hoje vive uma vida próxima à que levavam antes do diagnóstico. Precisam de vigilância constante, exames regulares, tratamentos. Mas a “sentença de morte” é cada vez menos aplicada. É a chance para que a gente lide melhor, mentalmente, com uma doença que muitos ainda nem ousam dizer o nome.

Nossa Cancerland deveria ser um território para doentes reais, cada vez em menor número e cada dia com melhores condições de atendimento e tratamento. E vida que segue para resto de nós. Atentos aos sinais do próprio corpo. Mas sem o pânico irracional que já nos causou tantos problemas com a recente pandemia.

Leia também “O fim da segunda onda”

Dagomir Marquezi. colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Câncer: novos tratamentos reduzem taxas de morte a patamares inéditos - VEJA

Adriana Dias Lopes

Não se trata de uma única bala de prata, mas de uma sucessão de passos: a doença já não é uma condenação à morte

ANA FURTADO – Câncer de mama (descoberto em 2018) Reprodução/Instagram

Clandestino, temido, a respeito do qual só se falava em sussurros, o câncer foi sempre inominável. “Mente-se a doentes de câncer não apenas porque a doença é, ou considera-se que seja, uma sentença de morte, mas porque é percebida como obscena no sentido original dessa palavra: agourenta, abominável, repugnante”, escreveu a ensaísta americana Susan Sontag (1933-2004), que conviveu com um tumor maligno de mama por mais de dez anos. Em seu monumental livro O Imperador de Todos os Males, o biólogo e oncologista americano Siddhartha Mukherjee conta a história de uma senhora dos anos 1950, Fanny Rosenow, sobrevivente também de um câncer de mama que ligou para o The New York Times a fim de publicar o anúncio de um grupo de apoio a mulheres que lidavam com o mal. Surpresa, Fanny foi transferida para o editor da coluna social do jornal. “Desculpe, mas o Times não publica a palavra mama nem a palavra câncer em suas páginas. Talvez a senhora possa dizer que haverá uma reunião sobre doenças do tórax.” Atônita, ofendida, ela pôs o fone no gancho, sem nem mesmo dizer adeus.

É um episódio de setenta anos atrás, logo ali, portanto — mas, até muito recentemente, a imprensa francesa dizia que uma pessoa havia morrido de “longa enfermidade”, em vez de dar nome aos bois. Em 2010, o artista plástico paulistano Gustavo Rosa, portador de mieloma, um tumor na medula óssea raro e incurável, deu uma entrevista a VEJA para falar sobre sua saúde sem citar uma única vez a palavra câncer — ele o chamava de “c-a”. Rosa morreria três anos depois.  Para domarem a mazela, ao menos retoricamente, médicos e pacientes acostumaram-se a usar metáforas bélicas para se referir ao tratamento do câncer, como “lutar”, “atacar” e “combater”. Uma recente pesquisa canadense da Queen’s University mostrou, contudo, que o uso e abuso de termos militares faz a terapia parecer mais difícil, a ponto de deixar as pessoas fatalistas. Há avanços colossais — dizer “tenho câncer” não é o tabu de antes —, porém um olhar histórico revela que as mudanças na linguagem têm andado muito mais lentamente do que os saltos científicos da oncologia, o que é extraordinário do ponto de vista dos resultados práticos.

Se há receio de emitir as seis letras tão temidas, c-â-n-c-e-r, nos laboratórios, universidades e hospitais existe uma revolução em movimento afeita a apagar, de uma vez por todas, os estigmas. Não se trata de uma única bala de prata, mas de uma sucessão de passos. Em outras palavras, com todo o cuidado que a afirmação exige: o câncer já não é uma condenação à morte. Hoje, cerca de 25% das pessoas que recebem a notícia de que estão com tumor maligno morrem dele. Há apenas dez anos, o índice era de 40% (veja o quadro). De acordo com levantamento da Sociedade Americana de Câncer, a redução na taxa de mortalidade se acelerou ainda mais em anos recentes: 2,2% somente em 2017, quase o dobro em relação às taxas anteriores. Em alguns cânceres mais agressivos, como o de pulmão, a diminuição no índice chegou a espantosos 4,4%. Diz o médico Paulo Hoff, presidente do Grupo Oncologia D’Or: “Conseguimos, finalmente, passar o momento da virada”.

Como se deu essa virada, agora celebrada? Dos anos 1950 para cá, os tratamentos estiveram ancorados em três pilares a cirurgia para extração de tumores, a quimioterapia e a radioterapia. Além, é claro, dos cuidados com o sedentarismo exagerado e a má alimentação. Essas estratégias continuam indispensáveis. Os quimioterápicos, no entanto, acabam também por atacar as células saudáveis, provocando efeitos colaterais como enjoo, dor de barriga e queda de cabelo. O início da reviravolta aconteceu com o surgimento das chamadas “terapias-alvo”, pioneiras nas condutas mais direcionadas e, portanto, com menos efeitos adversos e ação mais eficaz. Deu-se a transformação decisiva com a chegada da imunoterapia na oncologia, em 2009, quando a lógica de atacar as células mudou completamente. Em vez de bloquear o crescimento do tumor, como fazem todos os outros remédios, a imunoterapia estimula a ação do sistema de defesa, uma rica orquestra composta de células e substâncias que ajudam o corpo a lidar com vírus, bactérias e outros invasores para matar o câncer. “A técnica mudou definitivamente o perfil até mesmo de tumores graves, que matavam em menos de um ano, como o de pulmão e o melanoma”, diz Raphael Brandão, chefe da oncologia dos hospitais Samaritano e Paulistano e diretor executivo do UnitedHealth Group.

E, quando se imaginava que as surpresas brotariam mais calmamente, duas novíssimas frentes de trabalho se impuseram. A primeira delas é a chamada terapia agnóstica (do grego ágnostos, algo como “sem conhecimento”). No universo médico, trata-se de uma família de remédios que atacam as células doentes de olho no defeito genético, e não no órgão que originou o câncer (daí a ideia de agnosticismo). “Isso só foi possível pela descoberta de que tumores completamente diferentes podem ter a mesma alteração genética”, diz Fernando Maluf, diretor do Centro de Oncologia da Beneficência Portuguesa e membro do comitê gestor do Hospital Albert Einstein. A mutação de uma proteína chamada RAS está presente nos tumores de intestino e pâncreas. A ALK, nos pulmões e nos linfomas.

A segunda boa-nova acaba de ser publicada no New England Journal of Medicine e está em fase final de aprovação pela FDA, o órgão de regulamentação dos Estados Unidos. Pela primeira vez foi utilizada a combinação de três remédios ao mesmo tempo, prontos a agir em uma mutação específica. O trio encorafenibe, binimetinibe e cetuximabe ataca simultaneamente mutações associadas ao gene BRAF, encontrado no câncer de intestino e no melanoma. Os pacientes da pesquisa sofriam de câncer intestinal em um estágio que já não respondia mais a outros tratamentos. Não havia opções de sobrevivência, portanto. A terapia aumentou o tempo de vida médio para nove meses — até então eram cinco meses. Diz o oncologista Bernardo Garicochea, do Grupo Oncoclínicas: “Faz vinte anos que não havia uma notícia tão promissora para esse tipo de tumor”. Na frieza das estatísticas médicas, ganhar menos de um ano de vida pode parecer muito pouco. Para quem vive a realidade de um câncer grave, poucos dias podem ser suficientes para resolver questões essenciais da vida — e, atrelada à miudeza dos anseios humanos, a medicina não para de correr.

Há renovadas esperanças, como revelam as histórias pessoais relatadas ao longo desta reportagem, e, apesar do novo comportamento de quem sabe que pode ser curado, sim, o câncer ainda é a segunda causa de mortes em todo o mundo — atrás apenas dos problemas cardiovasculares. Ele mata 9,6 milhões de pessoas todos os anos, das quais 215 000 no Brasil. Mas as avenidas de cura se abrem exponencialmente numa indústria, a oncológica, que investe, em média, 1 bilhão de reais para fabricar um único medicamento (de cada dez em desenvolvimento, apenas dois chegam ao mercado). De mãos dadas com as estatísticas, os tratamentos inovadores, aprovados e bem-sucedidos, autorizariam, hoje, um novo olhar de Susan Sontag, porque em muitos casos o câncer deixou de ser agourento e obsceno. 
ANA MARIA BRAGA, câncer de pele (1991), virilha e reto (2001) e pulmão (2015) Reprodução/Instagram
 
A ARTE DA PERSISTÊNCIA
A apresentadora já teve quatro cânceres. “Comemoro cada evolução da medicina em busca da cura do câncer, e desejo que esse avanço possa ser cada vez mais acessível a todos. Sou uma pessoa privilegiada, pude contar com o que havia de mais moderno na medicina”, disse a VEJA.
 

UM SENTIDO PARA A VIDA - REYNALDO GIANECCHINI, linfoma
O ator, que virou referência de fortaleza pela forma de lidar com os tratamentos do câncer, a quimioterapia e o transplante de medula óssea, falou em entrevista na ocasião: “Nunca ninguém para e pensa que um dia pode ter essa doença. Tive um câncer raro. Fiquei assustado. Mas acredito que isso foi uma dádiva para mim. Acho que existem coisas reservadas para a gente que fogem da nossa explicação, mas que talvez lá na frente a gente vá entender perfeitamente e agradecer muito”.
 
Com reportagem de Eduardo F. Filho
 
Publicado em VEJA edição nº 2671 de 29 de janeiro de 2020