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quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Os avanços e os desafios em torno do câncer mais letal nos dias de hoje

Marcelo Corassa e Felipe Marques da Costa


Médicos discutem as estratégias que precisam ser reforçadas para conter o câncer de pulmão. Parar de fumar e detectar a doença mais cedo estão entre elas

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IMPACTANTE: tumores no pulmão continuam sendo desafio de saúde pública. (Foto: Hemera/Thinkstock/VEJA)

Apesar de representar 20% do total de tumores malignos em nível mundial, o câncer de pulmão detém a maior taxa de mortalidade, superando a soma dos cânceres de próstata, mama e intestino. Mesmo com todo o progresso no tratamento, a busca por detecção precoce é um esforço constante que, somado a inovações diagnósticas e terapêuticas, representa um avanço para tornar a doença potencialmente curável.

No Brasil, a situação não é diferente. Em 2023, estima-se que será o câncer de pulmão será o terceiro câncer mais comum em homens e o quarto mais comum em mulheres, porém o primeiro em termos de mortalidade para ambos os sexos.

Há bastante discussão sobre prevenção e rastreamento em muitos tipos de câncer. Entre os tumores de mama, próstata e intestino, a conscientização sobre prevenção e a realização de exames para detecção precoce da doença são amplamente divulgados. 
No entanto, raramente se destaca o impacto do abandono do tabagismo e o papel da tomografia de tórax como métodos de prevenção e rastreamento para o câncer de pulmão.

Comecemos pelo principal fator de risco para a doença, o fumo. Embora a noção de que o cigarro é prejudicial à saúde seja amplamente disseminada e esteja até mesmo inscrita nas embalagens do produto, as taxas de tabagismo continuam alarmantemente altas.

Cerca de 85% dos casos de câncer de pulmão estão diretamente associados ao cigarro, e é sabido que a interrupção desse hábito, independentemente da duração do vício, resulta em uma redução significativa da mortalidade acumulada por câncer de pulmão, sem mencionar os demais benefícios que traz à saúde como um todo.

O primeiro passo para transformar a atual situação do câncer de pulmão é promover a interrupção do tabagismo, seja com cigarros tradicionais, seja com eletrônicos. Essa medida é essencial para reduzir a incidência da doença. Mesmo para pacientes já diagnosticados com o tumor, a cessação precoce pode levar a um prognóstico melhor.

Existem diversas estratégias na luta contra o tabagismo. Educação sobre os males que ele pode provocar é fundamental, principalmente ao direcionar esforços para a parcela mais jovem da população. Para aqueles que já são fumantes, abordagens estruturadas a partir de programas que combinem psicoterapia e medidas farmacológicas têm altas chances de sucesso. Contar com ajuda profissional nessa empreitada faz diferença.

Da mesma forma que nos cânceres de mama e intestino, existe uma estratégia eficaz de rastreamento para o câncer de pulmão
Menos conhecida da população em geral, ela permite diagnósticos mais precoces e, consequentemente, aumentam as chances de cura da doença. Tal estratégia envolve a realização de uma tomografia computadorizada de tórax de “baixa dose”, ou seja, com uma taxa de radiação menor.

Atualmente, a indicação é limitada a indivíduos entre 50 e 80 anos que fumam ou interromperam o tabagismo há menos de 15 anos e cuja carga tabágica é maior que 20 maços/ano. O cálculo da carga tabágica é simples, sendo realizado a partir da multiplicação do número de anos de consumo de cigarro pelo número de maços consumidos por dia.

No campo do tratamento, por muito tempo todos os progressos associados à tão aclamada imunoterapia foram direcionados a pacientes com doença avançada, ou seja, aqueles sem perspectiva de cura. No momento desta publicação, existem pelo menos cinco grandes estudos internacionais que examinam o uso dessa estratégia baseada em “acordar” o sistema imune para atacar o câncer em pacientes antes ou após a cirurgia, todos com resultados extremamente promissores.

A prevenção do câncer de pulmão é possível: essa é a mensagem central deste artigo. Para isso, é crucial que o diagnóstico seja feito mais cedo, o que requer a ampliação dos programas de rastreio e cessação de tabagismo. 
Portanto, se você se encaixa nesse perfil, é vital buscar orientação médica. 
Lembre-se de que o câncer de pulmão, quando flagrado precocemente, tem um prognóstico muito mais favorável, e a tomografia computadorizada de tórax de baixa dose é uma ferramenta valiosa para a cura dessa doença.
 
A necessidade de uma conscientização contínua e a educação entre os profissionais de saúde é fundamental
No entanto, ainda mais importante é encorajar o público a buscar conhecimento sobre como minimizar seus próprios riscos. 
Consulte o seu médico, não hesite em fazer perguntas. Faça parte do cuidado.

* Marcelo Corassa é oncologista e líder da Unidade de Câncer de Pulmão e Neoplasias do Tórax da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo; Felipe Marques da Costa é chefe da equipe COPAN de Pneumologia da BP de São Paulo

Letra de Médico - Revista VEJA


domingo, 12 de abril de 2020

O bêbado e a borboleta - Nas entrelinhas

“Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente da República, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença

No livro O revólver que sempre dispara (Casa Amarela), Emanuel Ferraz Vespucci analisa as causas, os comportamentos e as consequências para a saúde de diversas dependências químicas, inclusive o alcoolismo e o tabagismo. É um livro despido de preconceito e, do ponto de vista clínico, como não poderia deixar de ser, serve de referência para os que lidam com o problema: usuários em busca de tratamento, seus familiares e terapeutas. O livro explica de maneira clara como as diversas drogas causam dependência física e psicológica, os problemas que acarretam e as maneiras de enfrentá-los, sem moralismo. A perda de controle sobre o álcool, a cocaína, o crack, a maconha, morfina, calmantes, inibidores de apetite e outros psicotrópicos é um problema muito mais amplo do que se imagina.

A dependência funciona como uma roleta russa. Em algum momento a bala que está no cilindro do revólver será disparada, na medida em que o sujeito arrisca mais uma vez. Ou seja, o acaso tem um limite, quanto maior a frequência, maior a probalidade de ocorrência. Por causa da dependência, algo grave acontecerá na vida da pessoa, pode ser um acidente de carro, a perda do emprego, um surto psicótico, um infarto. 

O que interessa aqui é a analogia da roleta-russa, ou seja, do revólver que sempre dispara. Durante a pandemia de Covid-19, por causa do risco de contaminação, sair de casa é uma espécie de roleta russa, mesmo que a pessoa utilize máscaras e luvas. Acontece que o presidente da República — com o objetivo declarado de desmoralizar a política de distanciamento social preconizada pelas autoridades médicas, inclusive seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e responsabilizar governadores e prefeitos pela recessão econômica — resolveu sair às ruas com frequência e, nesses passeios, visitar o comércio local para estimular proprietários e consumidores a manterem uma vida normal. Bolsonaro ignora uma epidemia que está matando mais de 100 pessoas por dia no Brasil, o equivalente a um desastre de grandes proporções.

Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença, como acontece com aqueles que já foram contaminados, se recuperaram e adquiriram anticorpos ou que, por qualquer outra razão, têm uma sistema imunológico mais robusto, geralmente mais jovens. Não se sabe se o presidente está imunizado; ele se recusa a revelar os resultados dos exames que fez. Bolsonaro age como um jogador compulsivo, o que não deixa de ser uma dependência, sem levar em conta que a maioria das pessoas não está preparada para lidar com o aleatório.

Teoria do caos
É aí que chegamos a O andar do bêbado (Zahar), o instigante livro do físico Leonard Mlodinow, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, sobre o acaso na vida das pessoas, ou melhor, sobre como funciona a aleatoriedade. O novo coronavírus se multiplica como um “Efeito Borboleta”, descoberto em 1960, pelo matemático Edward Lorenz, base para a Teoria do Caos. Mostra como pequenas alterações nas condições iniciais de grandes sistemas podem gerar transformações drásticas e significativas.

Lorenz, que também era meteorologista, realizava cálculos relacionado a padrões climáticos num computador. Em vez de colocar 0,000001, conforme fez na primeira vez, ele colocou 0,0001, alterando completamente o resultado da simulação, como se o bater de asas de uma borboleta na Austrália provocasse um furacão no Caribe. Foi o que aconteceu com o coronavírus na Alemanha e na Coreia do Sul, países que mais bem monitoraram a epidemia e conseguiram mantê-la sobre controle, com testes em massa e hospitalização dos contaminados. No primeiro caso, bastou que uma pessoa contaminada usasse o saleiro num almoço de família para a epidemia se propagar; no segundo, um único paciente, de 30 casos confirmados, escapou do isolamento e disseminou a doença.

Na Sexta-feira da Paixão contabilizamos 1.056 mortes e 19.638 casos confirmados, 44 dias após o primeiro caso registrado no país e 24 dias depois do registro da primeira morte. São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas estão em risco de colapso do sistema de saúde pública. Numa hora em que o país precisa de coesão social e alinhamento das políticas de combate ao novo coronavírus, para evitar o colapso do sistema de saúde, Bolsonaro aposta na autoimunizaçao pelo contagio e num medicamento de eficácia limitada nos tratamentos, a hidroxicloroquina, para evitar as mortes, e prega a retomada imediata das atividades econômicas, com adoção do chamado isolamento seletivo ou vertical. Essas apostas foram feitas em outros países, como os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, e fracassaram.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense




quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Aditivos fatais - UTILIDADE PÚBLICA

Eles são usados pela indústria do tabaco para mascarar os efeitos da nicotina


O tabagismo mata cerca de 6 milhões de pessoas por ano e custa quase meio trilhão de dólares à economia mundial. Por sorte no Brasil, a partir do governo Fernando Henrique, foram implantadas políticas públicas eficazes para derrubar o consumo de tabaco. Os resultados sobressaem no cenário internacional: o porcentual de fumantes na população adulta caiu de 35% em 1989 para algo em torno de 10% atualmente.

Não obstante os resultados positivos, a iniciação dos jovens brasileiros no tabagismo ainda é preocupante. Isso reforça a importância de mantermos ativa a agenda contra o cigarro, agora proibindo o uso de aditivos destinados a tornar o hábito de fumar mais cativante para os adolescentes.  É preciso difundir a ideia de que o cigarro é um dos maiores fatores de perda de qualidade de vida das pessoas. Muitos avaliam que o hábito de fumar afeta só o sistema respiratório o tabagismo está por trás de 90% dos casos de câncer de pulmão -, mas seus males vão além: há mais de 50 doenças associadas ao fumo, sendo o interior da boca uma das áreas mais atingidas.

Quem convive com o fumante paga o pato. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 2 bilhões de pessoas são vítimas do fumo passivo no mundo. Deste total, 700 milhões de crianças sofrem com a maior incidência de bronquite, pneumonia e infecções de ouvido.  Com a promulgação da Constituição federal há três décadas, o Brasil deu seu primeiro passo na adoção de medidas de controle do tabaco. Em razão do parágrafo 4.º do artigo 220, a propaganda comercial de cigarro passou a estar sujeita a restrições da lei, devendo conter, sempre que possível, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. Mas, como disse acima, o passo decisivo foi dado durante o governo FHC. Quando ministro da Saúde, no ano 2000, auxiliei o presidente a aprovar no Congresso a Lei n.º 10.167, que coibiu a propaganda de produtos fumígenos. Mais ainda, com base em evidências científicas implementamos também outras medidas que foram além dessa grande restrição.

Para começar, passou a ser proibido o fumo no interior de aeronaves e ônibus. Hoje parece esdrúxulo imaginar uma pessoa fumando num avião. Também foi proibida a propaganda de qualquer produto ligado ao tabaco, exceto em cartazes e painéis na parte interna dos locais de venda. Interditamos ainda a associação do cigarro a qualquer prática esportiva. Vale lembrar as cenas surreais da propaganda da marca Hollywood produzida em 1982, em que jovens fumavam e praticavam windsurf. Ao final, vinha a seguinte mensagem: “Hollywood, o sucesso!”.

Graças às medidas adotadas, podemos esperar que no futuro os atuais cigarros aditivados com sabores de menta, cravo, cereja ou baunilha sejam considerados bizarros. Hoje, de acordo com estudos da Fundação Oswaldo Cruz, 56% dos jovens brasileiros preferem os cigarros com sabor. Não é por menos que a indústria do fumo comemorou o aumento de 1.900% nos registros de cigarro com sabores vendidos no Brasil entre 2012 e 2016.

A adição de sabores e aromas aos cigarros foi uma clara resposta da indústria às iniciativas governamentais antitabagistas. Os aditivos reduzem o amargor e a aspereza do fumo, facilitando o alastramento do vício. Dados os aditivos, se o consumidor se acostuma com o desconforto inicial da fumaça, corre o risco de ficar viciado na droga pelo resto da vida e submetido aos danos causados à saúde. om o objetivo de enfrentar essa nova estratégia da indústria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou uma resolução em 2012 para proibir o uso de aditivos de sabor e aroma aos produtos fumígenos, impedindo até a importação de produtos que contenham tais substâncias. 

Apesar de seus efeitos positivos, essa norma tem sido reiteradamente questionada na Justiça pela indústria do tabaco.Foi assim que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade contra a resolução da Anvisa que proíbe aroma e sabor em cigarros. Segundo a discutível tese da CNI, a regulamentação da Anvisa só poderia ocorrer em situações concretas e em casos de risco à saúde, excepcionalmente, mas não em caráter genérico e abstrato. Em fevereiro deste ano o Supremo Tribunal Federal reuniu-se para julgar o mérito da ação, mas a votação acabou empatada – um dos ministros declarou sua suspeição para o julgamento. Assim, não foi alcançado o quórum mínimo de seis votos para declarar a invalidade da norma. Julgaram a ação improcedente, mas sem eficácia vinculante e efeitos erga omnes (para todos).

Como não pudemos proibir os aditivos pela via administrativa e judicial, optamos então por restringir o uso de aromas e perfumes em cigarros mediante lei específica. Por isso apresentei no Senado, em 2015, o Projeto de Lei n.º 769, a fim de ampliar as medidas antitabaco no Brasil, entre elas a implantação dos maços “genéricos” e a proibição dos aditivos de sabor aos cigarros. É preciso ter claro e difundir a verdade: os aditivos fatais são usados pela indústria para mascarar os efeitos da nicotina. Vários estudos indicam que os adolescentes são especialmente vulneráveis a esses efeitos e têm maior probabilidade que os adultos de desenvolver dependência do tabaco.

A luta antitabagista no Brasil tem conquistado cada vez mais o apoio da população. Um bom indicador a esse respeito foi o que se verificou com a medida que proíbe o fumo em recintos públicos fechados. Inicialmente adotada pelo governo de São Paulo, seu sucesso foi tão grande que se alastrou em poucos meses por todos os Estados, até virar lei federal.  Last but not least: a queda do consumo de cigarros no Brasil não teve impacto proporcional na queda da produção de tabaco, pois cerca de 80% dela é destinada à exportação. Esse tem sido um dado importante para diminuir a resistência às medidas restritivas sobre o fumo dos parlamentares ligados às zonas produtoras.

José Serra, senador - O Estado de S. Paulo