Publicado na versão impressa de VEJA
J.R. GUZZO
J.R. GUZZO
Este país, a cada dia que passa, vai se
tornando um competidor favorito na disputa do Campeonato Mundial das
Discussões sem Pé nem Cabeça. A contribuição mais recente das nossas
altas autoridades para esse novo título nacional é o palavrório
enfezado, tolo e pretensioso que se armou em torno da seguinte questão: a
campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff foi feita dentro
ou fora da lei? A resposta, pelo jeito que tomaram as coisas até agora, é
que não pode haver resposta, pois não vale fazer a pergunta.
Segundo o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, o homem que deveria procurar saber se aconteceu ou não
aconteceu algo de errado na história, “não interessa à sociedade”
discutir essas “controvérsias”; é inconveniente, a seu ver, que a
Justiça se meta nisso, pois a eleição já foi, os vencedores devem
“usufruir as prerrogativas de seus cargos” e os derrotados devem se
preparar para a próxima. Não será possível, assim, saber se houve ou não
houve algum crime ─ pela vontade da Procuradoria, não deve haver
investigação, sem investigação não há prova e, sem prova, ninguém pode
dizer que houve crime.
O passado passou. Ficam arquivadas as dúvidas.
É melhor não fazer perguntas, pois há o risco de se encontrar
respostas. A campanha para a reeleição de Dilma Rousseff e do seu
entorno é uma viagem completa no trem fantasma da política brasileira.
Apareceram a empregada doméstica que, pela contabilidade oficial, recebeu 1,6 milhão, mas não sabe que recebeu, o motorista que é sócio de empresa prestadora de serviços à candidatura oficial, o pobre-diabo que é promovido a empresário para passar notas fiscais com temperatura de 10 graus abaixo de zero. Há uma indústria gráfica que recebe mais de 20 milhões de reais da campanha, mas não tem máquinas gráficas, nem funcionários, nem sede social.
Apareceram a empregada doméstica que, pela contabilidade oficial, recebeu 1,6 milhão, mas não sabe que recebeu, o motorista que é sócio de empresa prestadora de serviços à candidatura oficial, o pobre-diabo que é promovido a empresário para passar notas fiscais com temperatura de 10 graus abaixo de zero. Há uma indústria gráfica que recebe mais de 20 milhões de reais da campanha, mas não tem máquinas gráficas, nem funcionários, nem sede social.
Há de tudo ─ e ao mesmo tempo não há nada,
pois, sem uma decisão judicial, os fatos que ocorreram não produzem
efeito algum. Por via de consequência, como diria o doutor Aureliano
Chaves, não se pode dizer que a presidente é culpada e não se pode dizer
que é inocente; ficamos apenas com uma discussão de hospício. Já seria
bem ruim se a questão ficasse só nesse porre mental, mas é pior. Antes e
além da rixa entre a PGR e a Justiça Eleitoral, o que existe aqui é um
caso para a vara de falências do mundo moral.
É bem simples. Todos falam, falam e falam, e
ninguém toca no ponto de onde realmente vem o curto-circuito: como pode
haver limpeza numa campanha presidencial que recebe contribuições
oficiais, contabilizadas e pagas em moeda corrente, de empreiteiras de
obras públicas, fornecedores do governo e toda a tropa de empresas que
dependem de licenças, autorizações ou favores governamentais para
sobreviver? Dá para levar a sério, sinceramente, o argumento mais
sagrado de todos os candidatos a algum cargo eleitoral quando lhes
perguntam quem financiou sua campanha? “Ah, bom, a doação que recebemos
foi perfeitamente legal”, dizem eles. “Está tudo declarado, direitinho. A
lei permite.
Qual é o problema?”
Qual é o problema?”
O problema é que a contribuição legal é feita
basicamente com dinheiro ilegal. Em português claro: dinheiro que vem da
corrupção. Esqueçam-se a empregada, o motorista, a gráfica etc. A flor
do mal está na origem contaminada das doações ─ se elas são fruto do
crime, a coisa toda vai para o diabo. Eis aí o verdadeiro coquetel de
formicida que envenena as eleições brasileiras. No caso da eleição
presidencial de 2014, a campanha de Dilma Rousseff recebeu dinheiro de
empresas dirigidas por criminosos processados e condenados por corrupção
ativa na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba. Não há mais nada a
provar quanto a isso: o processo tem 28 réus confessos, a maioria deles
ligada a empreiteiras de obras públicas que declararam ter feito doações
à candidata oficial.
Só uma delas, a Camargo Corrêa, vai devolver
700 milhões de reais ao Erário, após reconhecer que ganhou ilicitamente
essa importância, pelo menos, em seus contratos com o governo. Será que
Dilma não sabia nada sobre a origem dos 350 milhões de reais que gastou
para se reeleger? Levou um susto quando soube? Nunca ouviu falar em
empresas que roubam do governo e fazem contribuições de campanha?
Naturalmente, não é só o PT que age assim ─ todos os seus adversários se
servem dessa mesma rapadura. Mas os adversários não foram eleitos para a
Presidência da República em 2014 ─ o problema concreto é de quem está
sentado, hoje, num cargo ganho com a ajuda de dinheiro que veio do
crime.
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