A família, um homem e uma mulher, a democracia, os gays e as heterodoxias constitucionais de Barroso
Vamos
lá. Comissão Especial da Câmara aprovou, em caráter terminativo, texto
do Estatuto da Família que define a dita-cuja apenas como aquela formada
por um homem e uma mulher — e os filhos, claro! Assim, as relações
homossexuais não se incluem. O placar foi amplo: 17 a 5.
Todos sabem
que combati duramente e combato ainda decisão do Supremo que determinou
que casais homossexuais também formam unidade familiar. Afinal, o Artigo
226 da Constituição, que não foi revogado, define:
“§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Como é que
fez o Supremo para tomar uma decisão contra o texto constitucional?
Acatou, em 2011, a argumentação do advogado da causa. Sabem quem era?
Luís Roberto Barroso — atual ministro do Supremo.
Que
argumentação prevaleceu? Não reconhecer a união estável entre
homossexuais violaria os princípios “da igualdade, da liberdade e da
dignidade da pessoa humana”. Bem, meus caros, por aí, tudo pode.
Qualquer tese é justificável. Por esse caminho, a gente pode tornar
constitucional até o assalto a supermercados — afinal, se um grupo alega
fome, viva a dignidade da pessoa humana!
Em 2011,
quando o Supremo constitucionalizou a união civil de pessoas do mesmo
sexo, adverti que se abria um precedente. Abria-se um caminho para tirar
da Constituição e a ela acrescentar o que desse na telha dos ministros.
O mérito
Eu defendo o reconhecimento da união civil
de pessoas do mesmo sexo? Sim! Sou favorável, já disse aqui para a
tristeza de alguns, também à adoção de crianças por pares homossexuais.
Acho que os direitos têm, sim, de ser iguais. Mas é o Congresso quem tem
de fazer isso, não o Supremo. “Ah, mas o Congresso não faria…” Que os
interessados diretos na proposta e os que a defenderem por adesão
intelectual, humanista, moral ou outra o façam. Se e quando mudar, será
mudança efetiva.
Os que foram
derrotados na comissão nesta sexta afirmam que a decisão viola o que
foi decidido pelo Supremo. Os que venceram afirmam que o Supremo é que
se arvorou em legislador. Que grupo está certo? Ambos. O que vai acabar
prevalecendo? A decisão do tribunal, que se manifestou tanto no âmbito
de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade como de uma Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental.
Assim que o estatuto for aprovado, alguém arguirá a sua inconstitucionalidade, e a decisão do STF já estará tomada. [será? o STF tem feito cada barbeiragem que atacam toda e qualquer segurança jurídica.]
É bom ter
memória, né? Roberto Barroso foi o patrocinador da união estável gay no
Supremo. Em 2011, apenas advogado, ele concedeu uma entrevista sobre o
assunto. Indagado se esse não era um tema para o Congresso resolver, ele
respondeu:
“Num Estado democrático de Direito você tem uma Constituição interpretável e aplicável pelo Judiciário e uma legislação ordinária elaborada pelo Congresso. Sempre que o Congresso disciplina determinada matéria por lei, sendo ela compatível com a Constituição, essa é a vontade que deve prevalecer. Porém, onde eventualmente não exista lei ordinária, mas seja aplicável diretamente a Constituição, é isto que o Judiciário deve fazer. E os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana autorizam o Judiciário a tomar essa decisão inclusiva, construtiva.”
“Num Estado democrático de Direito você tem uma Constituição interpretável e aplicável pelo Judiciário e uma legislação ordinária elaborada pelo Congresso. Sempre que o Congresso disciplina determinada matéria por lei, sendo ela compatível com a Constituição, essa é a vontade que deve prevalecer. Porém, onde eventualmente não exista lei ordinária, mas seja aplicável diretamente a Constituição, é isto que o Judiciário deve fazer. E os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana autorizam o Judiciário a tomar essa decisão inclusiva, construtiva.”
Em última
instância, se o Congresso não faz e se o Judiciário achar certo, fim de
papo. Pois é. Sabiam que isso tem tudo a ver com a proibição do
financiamento privado de campanha, que também é, à sua maneira, uma
causa patrocinada por Barroso — um relatório seu, feito para a OAB,
acabou virando uma ação no Supremo pra proibir o financiamento.
É claro que a
Constituição não proíbe doação de empresas. E por que os ministros a
consideraram inconstitucional? Ah, com base no princípio da igualdade,
entendem? Se empresários podem doar tanto, e tantos não podem doar nada,
a isonomia estaria sendo agredida. Quando se abriu a porteira naquele
caso da união civil gay, abriu-se para qualquer coisa. Onde passa um boi
também passa uma boiada.
Mais
interessante ainda: em 2010, ao tratar da proibição da doação de
empresas a campanhas, Barroso usou o mesmo argumento da união civil, um
ano depois:
“A
proposta apresentada pelo Conselheiro do Rio de Janeiro talvez tenha
encontrado a solução jurídica para um problema que se demonstrava
insolúvel no estrito âmbito das soluções apresentadas pelos
parlamentares brasileiros. Infelizmente, os projetos de lei que tentam
moralizar as doações e gastos das campanhas políticas não contam com o
empenho dos parlamentares para lograrem aprovação. É o típico caso de
legislação em causa própria. Os parlamentares fazem as leis que vão
reger as suas próprias campanhas”.
Ou por outra: se o Congresso não faz, então que faça o Judiciário.
Esse
Estatuto da Família, no que respeita à união civil, não tem importância
nenhuma. A decisão tomada será derrubada pelo Supremo quando alguém
recorrer. O ponto que me interessa debater é outro: é o juiz legislador.
Anteontem foi a união civil, ontem foi o financiamento de campanhas, e
amanhã será o quê?
Acho bom termos um Legislativo que legisle e um Judiciário que julgue.
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