Dilma é afastada da
Presidência por 55 votos a favor e 22 contra
Depois de sessão no Senado que durou mais
de 18 horas, vice Michel Temer assume o governo
Na
alvorada que sucedeu a uma noite aparentemente infinita, o Senado Federal, pela
segunda vez desde a redemocratização, tomou a decisão de afastar do cargo um
presidente da República eleito pelo voto popular, 24 anos depois da queda de
Fernando Collor de Mello. A decisão, tomada por 55 votos a 22, confirmou o que
dias antes já era tido como fato consumado: o afastamento de Dilma Rousseff,
primeira mulher eleita presidente do Brasil, e a interrupção do ciclo de 13
anos e meio do PT no poder.
Despedida. Dilma Rousseff
e o ministro Jaques Wagner em uma janela do Palácio do Planalto: depois do afastamento
determinado pelo Senado, a petista deve deixar o cargo hoje cercada de
movimentos sociais e acompanhada de Lula - Adriano Machado / Reuters /
11-5-2016
Esta foto lembra ladrões
após o roubo e estão se evadindo com medo de serem flagrados
Hoje mesmo, Dilma será notificada e terá de abandonar suas funções. Ato contínuo, assume a Presidência da República o vice-presidente Michel Temer, que tem pressa em se instalar e dar início às medidas que planeja para retirar a economia da recessão e pacificar a sociedade. Para isso, terá inicialmente até 180 dias — prazo máximo para o Senado processar e julgar a presidente. Se ao fim do processo o impeachment for consumado, Temer assumirá a cadeira definitivamente.
Diferentemente
de Itamar Franco, que em 1992 pediu o adiamento de sua posse, Michel Temer
assume o posto hoje com o governo quase pronto e uma série de medidas
preparadas para serem apresentadas imediatamente. Com um Ministério
essencialmente composto de políticos partidários — quase todos seus ministros
serão deputados, senadores ou ex-parlamentares —, o peemedebista passa ao
comando do país pregando uma pauta oposta à do PT: quer viabilizar já as
reformas trabalhista e previdenciária, promover o encolhimento do Estado,
reduzindo o intervencionismo que marcou os governos do PT, e estimular a
participação do setor privado, especialmente na infraestrutura.
Assim, a
abertura do processo de impeachment significa também o fim de um projeto de
poder que moldou o país nos últimos anos. Ainda que o sucessor da cadeira
mantenha uma gestão repleta de semelhanças na forma fisiológica de distribuir o
poder.
Após a
primeira mulher presidente, Temer também forma agora um Ministério totalmente
composto de homens, e sem nenhum negro.
UM
DIA PREVISÍVEL
Durante
todo o dia de quarta-feira, o clima foi de previsibilidade e esgotamento com um
processo que já dura mais de cinco meses e dividiu o Brasil. A maior
preocupação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), era abreviar as
longas horas de discursos que apenas prolongariam a chegada a um resultado já
conhecido. Tentativas, todas elas, frustradas. Sem qualquer pretensão real de
alterar o desfecho da votação, senadores aliados ao governo insistiam em
discursos de 15 minutos com a perspectiva de verem, no futuro, suas posições
“contra o golpe” registradas nos livros de História. A oposição tampouco
economizou.
No início
da tarde, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki sepultou a
única esperança que ainda restava ao governo de adiar seu fim. Também relator
da Operação Lava-Jato — que contribuiu de forma definitiva para o
enfraquecimento do PT —, o ministro negou liminar pedida pelo governo para
anular todo o processo de impeachment. A partir de então, restou aos senadores
da minguada base de Dilma investir em falas duras contra os adversários.
Na longa
sessão, o tom foi sensivelmente mais solene que o espetáculo esdrúxulo visto na
Câmara em 17 de abril, quando os deputados aprovaram a abertura do processo.
Chamou mesmo a atenção o discurso do ex-presidente Collor, hoje senador, que
apontou “irresponsabilidades” cometidas pelo governo Dilma e revelou que
“alertou” a presidente sobre a possibilidade de sofrer um impeachment, do alto
de sua experiência como alvo desse processo. Em uma espécie de desabafo, com
atraso de mais de duas décadas, Collor reclamou pelo fato de o rito do
impeachment que sofreu ter sido tão mais curto que o de Dilma. E fez seu
próprio diagnóstico do momento, que considera o “ápice de todas as crises”:
“Vivemos espasmos da democracia”.
Enquanto
os senadores discursavam, apenas uma pequena manifestação na Câmara dava uma
demonstração do que Temer poderá enfrentar daqui para frente. Com cartazes e um
enorme banner onde se lia “Temer jamais será presidente. Sempre golpista”, um
grupo de parlamentares e assessores do PT e do PCdoB fazia o derradeiro ato
contra o impeachment antes de o Senado aprovar o afastamento de Dilma. “Temer,
o ilegítimo” era o mote da campanha.
Do lado
de fora do Congresso, a fraca mobilização popular pouco lembrava os milhões de
brasileiros que foram às ruas nos dias que precederam a aprovação pela Câmara.
Mas a ausência de mobilização popular não deve ser interpretada como um sinal
de que Temer navegará por águas plácidas.
Se por um
lado o peemedebista poderá contar com “alguma lua de mel”, conforme previu
ontem o tucano e neoaliado Aécio Neves, por outro, terá a militância da
esquerda — que encontrou na luta contra o impeachment a coesão que não tinha há
tempos — sempre a postos na tentativa de derrubá-lo. E não somente nos 180 dias
que podem durar o processo até o julgamento final de Dilma Rousseff. A promessa
é manter-se no front enquanto durar sua estadia no Palácio do Planalto. [os
militontos da esquerda não tem mais grana pública para patrocinar suas badernas
- se incomodarem, serão neutralizados.]
A
ascensão do vice peemedebista ao poder, novamente por via indireta, como
ocorreu com Itamar Franco em 1992, põe fim a 22 anos de polarização entre PSDB
e PT como protagonistas nacionais. Como resultado, abre-se ampla margem de
incertezas sobre o surgimento de novos personagens no cenário das eleições de
2018.
Em sua
despedida, Dilma deve deixar o cargo hoje cercada de movimentos sociais e
acompanhada por aquele que a trouxe pelas mãos ao Planalto, o ex-presidente
Lula. Com o ocaso do PT, torna-se incerto o futuro do lulismo, que chegou a ser
aprovado por oito em cada dez brasileiros.
No
exterior, as dúvidas sobre o futuro do país também reverberam. Ontem, no
Vaticano, o Papa Francisco voltou suas orações ao país, ressaltando o “momento
de dificuldade”, e pediu iluminação divina para que o Brasil siga por estradas
de harmonia e de paz, com a ajuda da oração e do diálogo. Diálogo que, hoje, é
um grande desafio diante do cenário de ruptura que marcou o processo de
impeachment.
Fonte: O Globo
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