O peso da Justiça: a queda de Eduardo Cunha
Ainda presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha
deixou o plenário da Casa na noite de quarta-feira, dia 4, por volta
de 23 horas, e partiu rumo ao Palácio do Jaburu, residência oficial do
vice-presidente da República, Michel Temer. Juntou-se à
romaria de parlamentares que protagoniza um entra e sai sem fim da casa
do vice – alguns em busca de cargos, outros de apoio, e há ainda os que
apenas querem manter sólidas as pontes com aquele que, tudo indica,
ocupará o Planalto a partir desta semana. Até então o terceiro na linha
sucessória presidencial, Cunha manuseava as armas que podia para se
manter próximo a Temer. E o vice oferecia seu arsenal, que logo pode se
materializar em nomeações no Diário Oficial, para amansar o presidente da Câmara. No Jaburu, Cunha dividia espaço com pelo menos duas dezenas de deputados.
As discussões sobre os rumos do “novo governo” eram feitas com
formalidade diante da presença do vice. Por ali, os aliados costumeiros
de Temer: Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves e
Romero Jucá, todos do PMDB. Na presença do vice, Cunha não se manifestou
abertamente sobre qualquer intenção de indicar alguém para o governo.
Mas, nos encontros prévios não expostos à luz palaciana, já dera seu
recado a Temer e sua turma. Como um protagonista que deixa o proscênio
satisfeito com sua atuação, Cunha saiu do Jaburu à 1h30 de quinta-feira.
Não sabia, mas nas primeiras horas daquela mesma madrugada seu destino
na Câmara dos Deputados era colocado em xeque dentro do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Popularizado em memes, em hashtags, apelidado de
Malvado Favorito, Cunha personificou o político deletério – justamente
por ser o ph.D. nas artimanhas regimentais, no toma lá dá cá, nas
chantagens e, segundo a Procuradoria, em vários artigos do Código Penal.
Cunha é hoje, provavelmente, o político mais impopular do país. Setenta
e sete por cento dos brasileiros defendem sua saída, de acordo com
pesquisa Datafolha do mês passado. Por volta de 1 hora da madrugada, o
ministro Teori Zavascki avisou o presidente do STF, Ricardo Lewandowski,
que havia concedido uma decisão liminar para afastar Cunha
do exercício do mandato e, por extensão, da presidência da Câmara. A
decisão seria publicada nas primeiras horas da manhã de quinta-feira,
quando o oficial de justiça chegaria à residência oficial da Câmara para
comunicar Cunha sobre o afastamento.
O despacho de 73 páginas mostra que Teori já vinha amadurecendo a ideia
de acatar o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) – para
retirar o peemedebista do comando da Câmara – havia algum tempo. O
pedido da PGR chegou ao Supremo em dezembro do ano passado, nas vésperas
do início do recesso do Judiciário. Com isso, Teori começou a mexer no
pedido apenas no começo deste ano. Ele dedicou o mês de fevereiro a
ouvir as explicações das partes envolvidas. Em março, o plenário da
Corte acatou, por unanimidade, uma denúncia oferecida pela PGR contra
Cunha pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro
investigados pela força-tarefa da Operação Lava Jato. Apesar de todo o
poder a seu dispor no comando da Câmara, Cunha não teve como conter o
avanço avassalador das investigações, que o colocaram em diversas
situações como um político acusado de abusar de sua posição para cobrar
propina por negócios na Petrobras, usar parlamentares aliados para
chantagear e obter vantagens e esconder dinheiro sujo em contas secretas
no exterior .
A transformação de Cunha da condição de investigado para a de réu, mais as constantes notícias que vinham do Congresso sobre suas tentativas de impedir que um processo que pede sua cassação fosse adiante convenceram Teori de que havia argumentos suficientes para afastá-lo do comando da Câmara. Um primeiro impulso para que a decisão fosse dada veio quando Lewandowski anunciou, no final da sessão de quarta-feira, dia 4, que no dia seguinte levaria a plenário a ação proposta pela Rede Sustentabilidade. A ação pedia que Cunha fosse proibido de assumir a Presidência da República, em caso de vacância ou ausência do titular. O sinal ficou claro: o STF já considera Dilma Rousseff carta fora do baralho e, por isso, examinaria uma questão fundamental para a nova conjuntura, de Michel Temer presidente da República. O caso está sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, que havia pedido ao presidente da Corte para que a matéria entrasse na pauta. Embora sejam pedidos distintos – o da Rede uma matéria constitucional; o outro, criminal e de ordem processual –, Teori sabia que a análise do plenário da ação relatada por Marco Aurélio poderia impedir uma decisão sua no futuro. Se, por acaso, a Corte negasse o pedido da Rede, ficaria difícil para o relator da Lava Jato apresentar uma decisão pelo afastamento de Cunha. Ao perceber o que estava em jogo, Teori se apressou ao fim da sessão de quarta-feira e fez consultas individuais a alguns colegas. O clima pareceu favorável e a decisão saiu.
Na manhã do dia seguinte, quando o oficial de justiça aguardava Cunha abrir a porta de casa para ser intimado com a decisão do magistrado – o que durou mais ou menos uma hora –, o relator avisou que levaria sua decisão monocrática para um referendo do plenário. O movimento se assemelha à prisão do senador Delcídio do Amaral, no fim de novembro do ano passado. Na ocasião, Teori consultou colegas sobre o pedido que tinha em mãos. Então, concedeu a liminar e a levou horas depois, ainda pela manhã, para referendo dos demais. O julgamento em plenário que referendou a decisão de Teori sobre Eduardo Cunha não teve sobressaltos. Durante a sessão, que terminou por volta das 18 horas, não houve desentendimento entre os ministros. Pelo contrário, a decisão de 73 páginas foi elogiada pelos demais, que acompanharam o relator na íntegra do voto. Assim, o placar final foi de 11 a 0. [placar que não foi suficiente para eliminar a INSEGURANÇA JURÍDICA que passou a existir no Brasil: para um cidadão ser punido, sem que as leis vigentes estabeleçam, punição basta que um SUPREMO ministro queira.]
Fonte: Época
http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/05/o-peso-da-justica-queda-de-eduardo-cunha.html
http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/05/o-peso-da-justica-queda-de-eduardo-cunha.html
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