Como um time de futebol de cadeia virou o PCC, a maior facção do Brasil
Antes de ser uma organização criminosa, o PCC (Primeiro Comando da
Capital) era um time de futebol. Os oito fundadores cumpriam pena no
Anexo da Casa de Custódia de Taubaté e, por serem os únicos da cidade de
São Paulo, eram chamados de "os da capital". O time que formavam ganhou
o nome de Comando Capital. Na hora de batizar a facção em 1993, os
líderes adaptaram o nome da equipe.
A fundação ocorreu depois de
um campeonato de futebol. Eufóricos, os oito presos comemoravam o
título do campeonato da Casa de Custódia numa cela iluminada por velas
porque já passava da que a direção cortava a energia da cadeia. Bom de
lábia, Cesinha mudou o tom do encontro quando tomou a palavra. Discursou
que eles não podiam se limitar a ganhar troféus e precisavam criar um
sindicato, um comando para enfrentar o sistema, enfrentar a Secretaria
de Segurança Pública de São Paulo.
A pregação não era novidade e
todos os presentes batiam nesta tecla havia tempos. A diferença daquela
noite de 1993 foi ter colocado as ideias em prática. A história é
contada por Fátima de Souza, autora do livro PCC - A Facção, escrito depois de anos entrevistando os fundadores da organização criminosa. Ela conta que naquela noite foi escrito o estatuto da facção e traçado o
plano para tomar a cadeia, evento que anunciaria o nascimento do PCC à
massa carcerária. Os oito fundadores usaram o futebol para atrair os
presos que mandavam na unidade prisional. O clássico da cadeia era com o
Comando Caipira, equipe desafiada para um amistoso em 31 de agosto de
1993.
"A cadeia já tinha seu chefe e o PCC queria tomar o
poder, para isso precisava matar. Durante o jogo mataram o líder e
jogaram bola com a cabeça. Na época não acontecia de decepar cabeça. Foi
um choque absurdo para todo mundo." O então número dois da Casa
de Custódia também foi decapitado e teve a cabeça pendurada numa
estaca. Fátima diz que novos tempos eram inaugurados. Hoje cenas como
esta são compartilhadas no WhatsApp, mas naquela época era uma barbárie
inimaginável. A autora diz que a promotora que entrou na cadeia ficou desconcertada com a cena e precisou ser levada para uma sala porque se
sentiu mal.
O Comando Capital era bom de bola
Fátima conta que os fundadores do PCC tinham fama de serem maus no
crime e bons na bola. Os oito fundadores chegaram com reputação de
campeões nas quadras das cadeias de São Paulo e repetiram o desempenho
em Taubaté. Na casa de Custódia, enfrentavam o Comando Caipira, que
tinha este nome por ter jogadores do interior. No dia que
armaram o amistoso emboscada os fundadores do PCC tinham uma longa
invencibilidade no futebol. Fátima ressalta que o amistoso facilitou o
plano para tomar a cadeia porque seria difícil assassinar os rivais
dentro das celas.
O craque do time era Cesinha, que era quem
ditava os rumos do PCC junto com Geleião. Cesinha jogava no ataque e foi
descrito para Fátima por outros presos como aquele atacante baixinho e
habilidoso que mete muitos gols. O futebol também aparecia na facção
pela rivalidade dos times dos dois líderes. Geleião era
palmeirense e o companheiro de facção corintiano. A autora conta que
havia a cornetagem típica dos torcedores fanáticos. As
provocações aumentavam em dias de clássicos e finais de campeonatos que
os clubes estavam envolvidos.
Outro jogo de futebol
Carlos Amorim escreveu livros sobre facções e afirma que os presos
estavam em Taubaté por causa do que aconteceu na sequência de um jogo no
Carandiru. Uma briga durante uma pelada no Pavilhão 9 se transformou em
rebelião. Os agentes penitenciários informaram que a situação fugiu ao
controle e o governo de São Paulo autorizou a entrada da Tropa de
Choque. Em 2 de outubro de 1992 acontecia o massacre do
Carandiru, que deixou 111 mortos. Carlos conta que a administração do
sistema prisional transferiu as lideranças para unidades do interior
numa tentativa de acalmar a situação. Os oito fundadores do PCC foram
encaminhados para o Anexo da cadeia de Taubaté, conhecido pelos
funcionários do sistema prisional como Piranhão porque quando um preso
era assassinado tinha o sangue bebido.
"É sempre um tiro pela
culatra (a transferência) porque quando espalha os cabeças, está
espalhando a experiência deles", comenta Carlos.
Repórter de
polícia na época e autor de um livro sobre o PCC, Josmar Jozino conta
que os presos chamavam o Anexo da Casa de Custódia de 'Caverna' ou
'Campo de Concentração' por causa das condições. Os fundadores da
organização criminosa aproveitaram a revolta dos presos depois do
massacre para unir os detentos prometendo lutar contra torturas,
humilhação das visitas, comida ruim, falta de acesso a advogados e
outros problemas. A raiva da facção com a cadeia era tamanha que
foi até colocada no estatuto do PCC. No item 11 está escrito: O
Primeiro Comando da Capital PCC fundado no ano de 1993, numa luta
descomunal e incansável contra a opressão e as injustiças do Campo de
concentração "anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté.
O vínculo da fundação do PCC com o futebol não surpreende Josmar. O
autor explica que o esporte é lazer, saúde e espaço de convivência dos
presos. Um dos poucos momentos de sossego num ambiente degradante e
violento. Carlos Amorim diz que a primeira providência que o
Comando Vermelho tomou quando foi removido do fundão, onde dividia celas
com presos políticos até o começo da década de 1980, foi fundar um time
de futebol, o Chora na Cruz. Ele explica que a intenção era se
relacionar com os outros presos. Começou assim da doutrinação dos presos
que engordaram as frentes da organização que controla vários morros no
Rio de Janeiro.
Fonte: UOL/Notícias
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