O que mudou profundamente no Brasil nos últimos anos
foi o que trouxe Eike Batista de volta e fez os dois doleiros de Sérgio
Cabral revelarem o caminho que fizeram para esconder o dinheiro ilícito
do ex-governador. Foi também o que levou a Odebrecht da postura
agressiva e acusadora para a delação coletiva. O que mudou foi o poder
que as instituições têm de fazer com que a lei seja cumprida.
O conceito é complexo. Não é apenas a lei, é a lei para todos, é a
força que ela tem e o respeito que ela provoca. A palavra inglesa
enforcement tem esse conceito, que era difícil traduzir antes. Chegou
lentamente aqui e foi se fortalecendo. Quando a Lava-Jato começou parecia ser coisa de um juiz só e de um
grupo de policiais federais e de procuradores de Curitiba. Era como se
fosse localizado. A República de Curitiba. Ontem, o empresário que já
foi a sétima maior fortuna do mundo, que tem também passaporte alemão,
voltou ao Brasil obedecendo à ordem de um juiz do Rio.
Em Brasília, outro lance dramático dessa história revelou que por
mais importante que seja uma pessoa, as instituições são ainda maiores. A
morte do ministro Teori Zavascki foi um golpe, por todas as razões que
se conhece, mas não interrompeu os trabalhos da maior delação da
Lava-Jato. Ontem, a ministra Cármen Lúcia, usando as prerrogativas de
plantonista do Supremo, homologou as delações dos 77 acionistas e
ex-executivos da Odebrecht. Elas passam a ter validade jurídica. Teori
tinha, entre as suas qualidades, grande capacidade de trabalho, tanto
que, dos 10 processos que seriam analisados na primeira semana de volta
do recesso, oito eram dele. Mesmo assim, ele não trabalhava sozinho.
Tinha três juízes auxiliares e a equipe. Eles puderam tomar a sequência
final dos depoimentos dos delatores da empreiteira.
A Lava-Jato já é o maior ponto de virada da sociedade brasileira.
São, segundo contagem do site “Jota”, 250 denunciados, 54 ações penais,
82 condenados a mais de mil anos de prisão. E isso deve subir
substancialmente com as delações da Odebrecht. O que era um caso em
Curitiba já teve sequência. O que está acontecendo no Rio é a etapa
“Eficiência” da Operação Calicute, que é um desdobramento da Lava-Jato.
Em outros estados, podem surgir galhos assim, da mesma árvore.
Em declarações ao correspondente deste jornal Henrique Gomes Batista,
o empresário Eike Batista falou que a Lava-Jato ajudará a inspirar
confiança no Brasil. É exatamente isso. Agora é a travessia em meio a
uma enorme crise, mas o que o país está construindo é a força de
instituições do combate à corrupção. E isso levará, como tenho dito
neste espaço, a uma economia mais saudável.
A Lava-Jato não ameaça a economia, ela a restaura. A corrupção
distorce completamente o jogo econômico, a competição, a viabilidade dos
negócios. Há ideias que não se sustentariam se não fosse o
apadrinhamento excessivo pelo Estado. Eike é um empreendedor, mas em
muitos dos seus negócios as bases eram frágeis, e ele se alavancava
nesse ambiente de proximidade excessiva com os governantes. Não é por
isso que foi para a prisão, mas todo o caso Eike, do seu apogeu à ruína
de muitas empresas, em grande parte se explica pelas relações íntimas
com os políticos. O que o levou para a prisão foi o dinheiro dado por
ele ao ex-governador do Rio. Mas pode haver mais. Recentemente, ele
contou parte do que sabe, quando disse que o ex-ministro Guido Mantega
pediu a ele dinheiro para pagar contas de campanha da ex-presidente
Dilma. E ele o fez através de transferência para os marqueteiros João
Santana e Mônica Moura. Eike achou que se contasse uma parte do que fez
poderia se safar. Hoje já sabe que há outros caminhos pelos quais a
Justiça brasileira consegue se informar.
Foi porque se sentiram encurralados que Eike decidiu voltar, os
doleiros Renato e Marcelo Hasson Chebar decidiram quebrar a própria
banca e falar, a maior empreiteira do país decidiu pagar bilhões e
arregimentar suas sete dezenas de delatores. Foi esse mesmo sentimento
que levou o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado a romper vetustas
lealdades e contar o que sabia. Caminho que tomou também Delcídio
Amaral. É mais difícil hoje escapar da lei.
Fonte: Blog da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo
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