Disciplinar o foro? Sim! Extingui-lo? Seria um desastre. É uma pena que também a imprensa, nesse caso, assuma uma perspectiva pobremente militante
Em tempos em que se discute se o foro especial é mesmo a mãe, ou o pai, da impunidade e do privilégio, um evento deve ser trazido à luz. Ele dá conta da falta que pode fazer, em certos casos, um tribunal superior com coragem de punir. Antes, alguns dados. Uma certa Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) resolveu invadir, de uma vez só, 100 fazendas em 12 Estados. E a turma o fez, atenção!, entre a madrugada de sábado e manhã de domingo. É o que os companheiros chamam “Carnaval Vermelho”. O chefão do grupo é José Rainha Júnior, um dissidente do MST.
Nem a milícia de João Pedro Stedile —
que, com frequência, se comporta como organização criminosa e não
repudia nem mesmo atos com características terroristas — tolerou os
métodos de Rainha. Em 2007, ele foi afastado do grupo, embora ainda se
considere da turma e use os emblemas do movimento. Mas vamos ao que me interessa em particular nesse caso, além, é evidente, de lamentar a truculência bandoleira de Rainha.
Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente
da União Democrática Ruralista (UDR), afirmou que a entidade vai entrar
com uma representação criminal contra o dito-cujo. E disse o óbvio:
“Invasão é crime, e José Rainha já foi condenado a mais de 30 anos de
prisão. No entanto, continua sua atividade criminosa. Está na hora de as
autoridades, inclusive as do Judiciário, mostrarem que estão aí para
ser respeitadas e não para sofrer esse tipo de deboche”.
“Ah, Reinaldo, Garcia deve estar
mentindo, né? Afinal, ele é da associação dos proprietários.” Não! Não
está. Rainha já foi condenado, em 2015, em primeira instância, a 31 anos
e cinco meses de cadeia por coisas simples como estelionato, extorsão e
formação de quadrilha. Conseguiu um habeas corpus e aguarda o
julgamento do recurso em liberdade. Ah, só faz dois anos… Não! As
investigações dos casos mais cabeludos, levada a efeito pelo Ministério
Público, datam de 2011. O órgão reuniu evidências de que ele e seus
capangas passaram a praticar extorsão aberta contra fazendeiros — vale
dizer: cobrar um resgate para que a propriedade não fosse invadida e
incendiada. Reuniram-se as evidências do pagamento de dinheiro.
De volta ao ponto
Agora digam depressa: o Foro Especial
por Prerrogativa de Função não é mesmo um assombro da impunidade, gente?
Eis Rainha! O que explica um sujeito como ele estar solto, cometendo
crimes em penca? É um tanto melancólico constatar que, a
cada dia, o que menos importa nos, digamos, “eventos” é a objetividade.
Creio que, sei lá, uns 95% dois casos judiciais do Brasil, de todos
eles, tramitem em instâncias inferiores. E o que temos aí? O Éden?
Comparar, como passou a ser moda, o número de condenações aplicadas por
Sergio Moro com as punições decididas pelo Supremo é um despropósito.
Quantas foram as denúncias que a Procuradoria-Geral da República levou
ao tribunal?
Ora, é evidente que um ministro de
estado ou um parlamentar federal não podem ficar submetidos à primeira
instância. Por que não? Bem, José Rainha deveria ser um argumento
convincente. Mas esgrimo uma resposta menos fulanizada: no dia em que
uma autoridade federal estiver sujeita ao escrutínio de, no mínimo,
1.600 juízes federais, será melhor fechar o país porque ele se torna
ingovernável. Sabemos como é o Brasil (e já não é grande coisa) com as
proteções existentes. O descalabro da Justiça país afora nos adverte de
como seria sem ele.
E, bem, é preciso lembrar que, em
Banânia, uma juíza de uma vara criminal de São Bernardo e um colega seu,
da Central de Inquéritos de Teresina, mandaram tirar o WhatsApp do ar… Disciplinar o foro? Sim! Extingui-lo?
Seria um desastre. É uma pena que também a imprensa, com raras exceções,
nesse caso, assuma uma perspectiva pobremente militante e contra os
fatos.
E é um fato que o operador do mensalão, Marcos Valério, foi condenado pelo STF a mais de 40 anos. E está preso. E é um fato que os banqueiros Kátia Rabello e José Roberto Salgado foram condenados pelo STF a mais de 16 anos. E estão presos. E é um fato que bandidaço confesso
Sérgio Machado foi condenado por Sergio Moro a apenas dois anos e três
meses e, na prática, está solto porque nas larguezas de sua mansão.
E é um fato que o criminoso José Rainha está solto, cometendo novos crimes. Onde está a impunidade? [com certeza não está nas instâncias superiores! são mais lentas, mas, os que dão o azar de serem condenados por elas ficam presos.
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