Temer também é obrigado a enfrentar a desconfiança de que suas escolhas não dizem respeito aos interesses do País
O País vive tempos muito esquisitos. Um simples e curial ato de governo,
como por exemplo a nomeação de um ministro, dá azo a todo tipo de
especulação – que mesmo sendo elucubrações desligadas da realidade
encontram guarida em notas de jornais e comentários de rádio e televisão
– a respeito dos “reais motivos” por trás da decisão.
Não só isso: esse
mesmo ato, por mais banal que seja, parece hoje capaz de desencadear as
mais destemperadas reações não apenas da oposição – de quem, de todo
modo, nem se espera mesmo muito equilíbrio –, mas principalmente da base
governista, em especial dentro do próprio partido do presidente Michel
Temer, o PMDB, cujo papel essencial deveria ser não causar problemas ao
governo.
“Se Minas Gerais não tem ninguém capacitado para ser ministro, não devemos apoiar esse governo”, vociferou o deputado Ramalho. “Vou trabalhar no plenário contra o governo, para derrotar o governo em tudo. A vice-presidência da Câmara vai ser um ponto de apoio aos que não estão contentes com o governo.”
O deputado Ramalho – que nisso nem de longe está sozinho – é daqueles que só apoiam o governo caso este, em contrapartida, lhes ofereça cargos e prebendas. Antigamente, parlamentares dessa categoria ainda se preocupavam em manter as aparências e esconder sua natureza fisiológica pelo menos no discurso. Agiam com envergonhada discrição. Agora, não. Nesses tempos esquisitos, tipos como o deputado Ramalho deixam escancarado que o destino do País lhes é irrelevante. A única coisa que interessa é o atendimento das suas exigências, naquilo que em bom português política não é, e sim chantagem explícita.
Considerando-se que o presidente Temer ainda terá de fazer mais algumas trocas em seu Ministério, pode-se esperar novos episódios de destempero e despudor. Além de ter de lidar com a destrambelhada e muitas vezes irresponsável reação de seus supostos aliados, o presidente Temer também é obrigado a enfrentar a desconfiança de que suas escolhas não dizem respeito aos interesses do País, mas ao mister de salvar a pele de peemedebistas enrolados na Operação Lava Jato. O caso de Serraglio é, de novo, apenas o mais recente de uma longa série.
Assim que foi confirmado no cargo, o deputado Serraglio teve de vir a público, em entrevistas, para garantir que não interferiria, em nenhuma hipótese, na Lava Jato. Reagia assim ao rumor, alimentado pela oposição, de que fora nomeado com a missão de sabotar os esforços da Polícia Federal, que lhe será subordinada. Reforçava essa percepção a acusação de que Serraglio é apadrinhado do deputado cassado Eduardo Cunha, outro interessado em melar a Lava Jato.
O problema é que nada disso para em pé. Em primeiro lugar, a única forma de um ministro da Justiça tentar interferir em operações em andamento seria trocando a chefia da Polícia Federal, mas isso Osmar Serraglio já disse que não fará. Ademais, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal divulgou nota em que parabeniza a escolha e lembra que o deputado, além de ser professor de direito, se notabilizou por seu trabalho na CPI dos Correios, que desaguou no mensalão. Portanto, parece ser qualificado para o cargo.
Quanto à sua suposta ligação com Eduardo Cunha, é preciso lembrar que Serraglio está em seu quinto mandato e, nessa condição, dificilmente teria necessidade de prestar contas ou pagar favores ao ex-presidente da Câmara e hoje notório presidiário. Nenhuma dessas considerações racionais, contudo, parece suficiente para aplacar o zunido malicioso em torno da nomeação de Serraglio e dos demais escolhidos pelo presidente. Em tempos de “pós-verdade” e de “fatos alternativos”, as convicções ganharam mais valor do que a realidade. Poucos parecem ter a virtude de esperar por fatos concretos, para ver se o ministro dá conta do recado.
Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo
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