Temer também é obrigado a enfrentar a desconfiança de que suas escolhas não dizem respeito aos interesses do País
O País vive tempos muito esquisitos. Um simples e curial ato de governo,
como por exemplo a nomeação de um ministro, dá azo a todo tipo de
especulação – que mesmo sendo elucubrações desligadas da realidade
encontram guarida em notas de jornais e comentários de rádio e televisão
– a respeito dos “reais motivos” por trás da decisão.
Não só isso: esse
mesmo ato, por mais banal que seja, parece hoje capaz de desencadear as
mais destemperadas reações não apenas da oposição – de quem, de todo
modo, nem se espera mesmo muito equilíbrio –, mas principalmente da base
governista, em especial dentro do próprio partido do presidente Michel
Temer, o PMDB, cujo papel essencial deveria ser não causar problemas ao
governo.
É o que se vê agora, mais uma vez, com a escolha do deputado
Osmar Serraglio, do PMDB paranaense, para o Ministério da Justiça. Nem
bem seu nome foi anunciado e o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio
Ramalho, do PMDB mineiro, informou que está “rompendo com o governo” e
que vai “colocar toda a bancada de Minas para romper também”. Tudo
porque o deputado Ramalho esperava emplacar um peemedebista conterrâneo
seu no Ministério da Justiça.
“Se Minas Gerais não tem ninguém capacitado para ser
ministro, não devemos apoiar esse governo”, vociferou o deputado
Ramalho. “Vou trabalhar no plenário contra o governo, para derrotar o
governo em tudo. A vice-presidência da Câmara vai ser um ponto de apoio
aos que não estão contentes com o governo.”
O deputado Ramalho – que nisso nem de longe está sozinho – é
daqueles que só apoiam o governo caso este, em contrapartida, lhes
ofereça cargos e prebendas. Antigamente, parlamentares dessa categoria
ainda se preocupavam em manter as aparências e esconder sua natureza
fisiológica pelo menos no discurso. Agiam com envergonhada discrição.
Agora, não. Nesses tempos esquisitos, tipos como o deputado Ramalho
deixam escancarado que o destino do País lhes é irrelevante. A única
coisa que interessa é o atendimento das suas exigências, naquilo que em
bom português política não é, e sim chantagem explícita.
Considerando-se
que o presidente Temer ainda terá de fazer mais algumas trocas em seu
Ministério, pode-se esperar novos episódios de destempero e despudor. Além de ter de lidar com a destrambelhada e muitas vezes
irresponsável reação de seus supostos aliados, o presidente Temer também
é obrigado a enfrentar a desconfiança de que suas escolhas não dizem
respeito aos interesses do País, mas ao mister de salvar a pele de
peemedebistas enrolados na Operação Lava Jato. O caso de Serraglio é, de
novo, apenas o mais recente de uma longa série.
Assim que foi confirmado no cargo, o deputado Serraglio teve
de vir a público, em entrevistas, para garantir que não interferiria,
em nenhuma hipótese, na Lava Jato. Reagia assim ao rumor, alimentado
pela oposição, de que fora nomeado com a missão de sabotar os esforços
da Polícia Federal, que lhe será subordinada. Reforçava essa percepção a
acusação de que Serraglio é apadrinhado do deputado cassado Eduardo
Cunha, outro interessado em melar a Lava Jato.
O problema é que nada disso para em pé. Em primeiro lugar, a
única forma de um ministro da Justiça tentar interferir em operações em
andamento seria trocando a chefia da Polícia Federal, mas isso Osmar
Serraglio já disse que não fará. Ademais, a Associação Nacional dos
Delegados da Polícia Federal divulgou nota em que parabeniza a escolha e
lembra que o deputado, além de ser professor de direito, se notabilizou
por seu trabalho na CPI dos Correios, que desaguou no mensalão.
Portanto, parece ser qualificado para o cargo.
Quanto à sua suposta ligação com Eduardo Cunha, é preciso
lembrar que Serraglio está em seu quinto mandato e, nessa condição,
dificilmente teria necessidade de prestar contas ou pagar favores ao
ex-presidente da Câmara e hoje notório presidiário. Nenhuma dessas considerações racionais, contudo, parece
suficiente para aplacar o zunido malicioso em torno da nomeação de
Serraglio e dos demais escolhidos pelo presidente. Em tempos de
“pós-verdade” e de “fatos alternativos”, as convicções ganharam mais
valor do que a realidade. Poucos parecem ter a virtude de esperar por
fatos concretos, para ver se o ministro dá conta do recado.
Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo