Não faltava mais nada a um governo em crise do que
ter um presidente do BNDES em campanha para ser candidato a presidente
da República. Paulo Rabello de Castro circula entre empresários com pose
de presidenciável, ataca o Ministério Público Federal, vai ao Congresso
para tentar influenciar na composição da CPI e critica projeto
apresentado pelo próprio governo.
Esta semana, em reunião na Associação Comercial de São Paulo, ele
disse, segundo relato do “Valor”, o seguinte: “Temos que ensinar aos
senhores procuradores que da caneta deles saem óbitos, desemprego,
empresas fechadas.” Essa ideia embute uma inversão total da relação de
causa e efeito. O que mata, desemprega e leva empresas à falência não é a
investigação da corrupção, mas a corrupção em si. Para ele, pelo visto,
as empreiteiras que estão no que chamou de “efeito lavajático” deveriam
ter mais e não menos contratos. “A punição que entendemos para o
empresário que fez mal feito é trabalhar mais, lucrar mais, terminar
obras.”
Paulo Rabello tem feito reuniões com empresários em que assume seus
devaneios presidenciais. Chegou a abordar um interlocutor com uma oferta
direta: — Como você sabe, eu concorrerei à Presidência e quero que você faça parte da minha equipe. Está se adiantando ao trabalho, pelo visto, enquanto atrasa o
trabalho do governo com sua sistemática militância contra a MP 777. Na
primeira crítica que fez à proposta de nova taxa de juros de longo
prazo, a TLP, que reduzirá o subsídio aos empresários, dois diretores se
demitiram do banco. Faziam parte da equipe anterior que havia formulado
a proposta.
Chamado a Brasília, ele assinou uma nota conjunta com o
presidente do Banco Central e ministro da Fazenda defendendo a TLP. Não
durou muito a adesão e saiu por aí com novas críticas ao projeto. Cabe
ao presidente da República tirar seu governo dessa ambiguidade: ou
desiste do projeto ou avisa ao presidente do BNDES que a sua agenda não é
a mesma do governo. Ao criticar a TLP, o que ele quer é agradar aos empresários,
principalmente os grandes, que preferem evidentemente a taxa de juros
subsidiada, da qual sempre usufruíram. Qualquer mudança nessa regra é
vista como prejudicial. Para que mexer em taxa em que eles estão
ganhando?
A desenvoltura do presidente do BNDES na política foi flagrada pelo
jornal “Estado de S. Paulo”, quando ele esteve no Congresso em conversas
contra a CPI instalada para investigar os empréstimos internacionais do
banco, nenhum deles concedido no atual governo. Ele disse que a
comissão era “maluquice”, em conversa com o senador Aécio Neves, e
propôs que o senador interferisse na composição da Comissão. Segundo
relato do jornal que ouviu o diálogo, ele usou termos que mostram que
Paulo Rabello acredita ter mais poder do que tem. “Eu escalei o Paulo
Bauer para pedir ao Serra.” Paulo Bauer é o líder do PSDB no Senado. A
Aécio, que se negou a seguir a sugestão, ele disse que alguém do partido
deveria “tomar conta”.
Curioso que um representante do atual governo, com posição de
destaque, se esforce tanto para defender políticas adotadas pelo governo
anterior. E o atual presidente do BNDES, como se viu nas declarações
que fez durante o lançamento do Livro Verde, defende até as políticas do
governo militar. A dúvida é o que leva a atual administração, imersa em
tantos problemas, e com tantas explicações a dar, a se empenhar na
defesa até de adversários políticos.
O banco, tão importante para a economia brasileira, teve maus e bons
presidentes, teve políticas mais ou menos lesivas aos cofres públicos.
Fez escolhas boas e outras equivocadas. Mas essa situação vivida
atualmente é inusitada, em que ele parece estar sendo visto como um
trampolim. Todo brasileiro, com seus direitos políticos, pode ter planos
de se candidatar a presidente. Com ou sem chance. Mas qualquer
movimentação nessa direção é inconveniente se a pessoa está no exercício
do cargo de presidente do BNDES, até porque ele exige dedicação
exclusiva.
Esse caso estranho é só mais um de um governo confuso em que há ilhas
de racionalidade num rio de confusões e iniciativas contraditórias.
Fonte: Coluna da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo
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