O ‘sacrifício’ da Previdência é para quase todos, não para os militares das três Forças
Quem dá uma olhada na agenda do presidente Jair Bolsonaro nota que,
desde a posse na semana passada, ele privilegia um setor da vida
nacional: o militar. São almoços, jantares, posses, reuniões, e não só
com o contingente do Exército no Planalto, mas com oficiais das três
Forças. Pela ordem, Exército, Marinha e, lá no fim, mais distante, a
Aeronáutica.
Hoje, Bolsonaro participa às 11h de um dos momentos mais densos nessa
agenda das Forças Armadas: a transmissão de cargo no Exército. Sai o
general Eduardo Villas Bôas e assume o Comando o também general de
quatro estrelas Edson Leal Pujol. Uma posse com forte carga de
simbologia e emoção, pois Villas Bôas teve papel importante na
consolidação do projeto de vitória de Bolsonaro e sofre de uma doença
degenerativa grave.
Além disso, a agenda de Bolsonaro nesta semana incluiu almoço na Marinha
e, dois dias depois, trajeto de lancha e participação na posse do novo
comandante da Força, almirante Ilques Barbosa Júnior. Incluiu também a
transmissão de cargo no Comando da Aeronáutica, para o brigadeiro
Antonio Carlos Bermudez, e jantar com oficiais das três Forças. Não é
obrigação, é prazer de velhos camaradas. O problema começa quando o governo prepara os ânimos da sociedade para a
reforma da Previdência e a equipe econômica opina que, já que as
medidas serão duras, o ideal é que Bolsonaro dê “o exemplo” e admita
cortar na própria carne. Significa cobrar sacrifícios também dos
militares. [na suposição de ser pacífico o entendimento que a carreira militar tem peculiaridades que a diferenciam de outras carreiras - públicas ou privadas - resta óbvia a necessidade de tratamento diferenciado.
Aos que recebem mais benesses medidas mais duras - no sentido de cortar de quem tem o que ser cortado;
sendo menores os privilégios, o corte tem que ser menor.
Até aí tudo bem. O que surpreende é que todos que a quase unanimidade dos que se manifestam é no sentido da aplicação de medidas mais duras, sem detalhar as vantagens que justifiquem tal dureza.
Ser duro, apenas para mostrar uma inexistente igualdade?]
O discurso faz sentido, mas entre as palavras e os atos existem dois
obstáculos: a força das corporações, particularmente a militar, e a
ligação (ou religação) de Bolsonaro com suas origens. Sem contar que os
ministros civis Onyx Lorenzoni e Gustavo Bebianno são duas ilhas num
Planalto lotado de generais por toda parte.
Manchete de ontem do Estado mostra que o rombo da previdência dos
militares é de R$ 40,5 bilhões e foi o que mais cresceu de 2017 para
2018: 12,5%, quando o dos servidores civis aumentou 5,22% e o do INSS,
7,4%. Metade dos militares se aposenta entre 45 e 50 anos, com média de
aposentadoria de R$ 13,7 mil. No INSS, R$ 1,8 mil.
Dados contundentes, mas os militares alegam que têm carreiras
diferenciadas, mudam várias vezes, suas mulheres não conseguem se firmar
num emprego, não podem fazer greve, não têm horas extras nem FGTS.
Consideram-se um “seguro” para o País e seguros eficazes custam caro.
Em fila, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, o
ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, e o comandante
Ilques Barbosa já se manifestaram, em discursos e entrevistas, contra a
inclusão dos militares na reforma que, em resumo, é “de todo mundo”.
Insistem num regime diferenciado e não falam sobre idade mínima, uma
questão-chave na previdência “dos outros”, os servidores civis e os
trabalhadores do INSS.
Além disso, os militares pedem – e Bolsonaro já acenou positivamente – a
revisão da MP 2.215, de 2001, último ano de FHC, que mexeu, por
exemplo, no auxílio-moradia e na promoção automática de patente na
passagem para a reserva. São questões que envolvem mais do que direito, justiça ou injustiça. O
maior problema econômico são o inchaço da máquina pública, o rombo nas
contas e o peso da Previdência nisso. Como diz o pessoal de Paulo
Guedes, todos têm de dar sua parte no sacrifício. Corte para todos e
privilégios e mais gastos só para militares seria politicamente ruim e
um marketing negativo para o governo, os militares e o próprio
Bolsonaro.
Mal comparando, é como a promoção do filho do vice Mourão no Banco do
Brasil, com o triplo do salário. Não se questiona a competência do
rapaz, mas, sim, a oportunidade. Bom para o governo não é.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo
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