O governo do presidente Jair Bolsonaro fez política e conseguiu aprovar
no Senado a Medida Provisória (MP) 871, que determina uma auditoria nos
benefícios pagos pelo INSS e modifica as regras de concessão de
aposentadorias rurais, entre outras mudanças. A aprovação da MP, faltando apenas três horas para o fim do prazo de sua
vigência, exigiu do governo um esforço de articulação política com o
presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e com líderes
partidários, incluindo os da oposição. Integrantes da equipe econômica,
incluindo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério
Marinho, passaram o dia negociando com os senadores, muitos deles
antecipando sua volta a Brasília para votar.
O esforço surtiu resultado. O placar da votação, 55 votos a favor e 12
contrários, surpreende por ser acima do quórum qualificado de 49 votos –
3/5 dos senadores – e por ter sido obtido numa segunda-feira, dia em
que normalmente não há sessão plenária e tampouco este número de
senadores na capital. O texto agora segue para sanção do presidente Jair
Bolsonaro. O resultado foi uma inegável vitória política para o governo federal,
que considerava a MP 871, a chamada MP antifraude, “um dos alicerces” da
reforma da Previdência em tramitação na Câmara dos Deputados.
De fato, a MP convertida em lei introduz uma série de regras saneadoras
no processo de concessão dos benefícios previdenciários. As três mais
importantes são a suspensão preventiva de benefícios, que permite ao
INSS interromper o pagamento de pensões e aposentadorias suspeitas de
irregularidade até que o beneficiário apresente defesa; a auditoria nos
benefícios concedidos por incapacidade que estão sem perícia há mais de
seis meses e nos Benefícios de Prestação Continuada (BPC) sem avaliação
há mais de dois anos; e a criação de um cadastro de segurados especiais
por meio do qual será feito o registro do tempo de trabalho rural sem
contribuição, dispensando-se a participação dos sindicatos neste
processo.
A aprovação do cadastro especial de seguraos rurais e pescadores foi
possível graças à negociação entre a equipe econômica do governo e
senadores da oposição. Para garantir o quórum necessário, este grupo
pediu em troca que o governo inclua uma emenda no projeto de reforma da
Previdência a fim de instituir um gatilho para renovar o prazo de
cadastramento daqueles beneficiários de acordo com o novo modelo caso,
ao fim de 2023, 50% desses profissionais ainda não estejam registrados.
Até agora, o registro do tempo de serviço dos profissionais do campo e
pescadores era feito por meio de sindicatos, dando azo a grande
descontrole e fraude. A partir da aprovação da MP, transfere-se a
responsabilidade por essa contagem dos sindicatos para os técnicos do
Ministério da Economia. “O gatilho é bem-vindo e muito pertinente. É esse tipo de correção que
nós (do governo) esperamos do Parlamento brasileiro”, disse, por sua
vez, o secretário especial Rogério Marinho.
Embora tenha transcorrido sob desnecessária pressão sobre os senadores,
dado o exíguo tempo que tiveram para deliberar sobre o texto antes que
caducasse, a negociação política para a aprovação da MP 871 deve servir
como exemplo para o presidente Jair Bolsonaro e tantos outros em seu
entorno de que a boa política é mais do que possível – é imprescindível
para que projetos de interesse do País sejam aprovados. O Congresso Nacional não é um mero receptáculo dos projetos do Poder
Executivo. É parte fundamental da teia de relações institucionais sadias
que marcam uma democracia pujante. Desqualificar a política significa
não ver na democracia a melhor forma de uma sociedade se organizar e
definir seus rumos.
Não se tem notícia de trocas espúrias havidas entre os Poderes Executivo
e Legislativo para que o texto da MP 871 fosse aprovado da forma como
foi. Tudo se pautou por intensos diálogos e negociações, por
convencimento. Em suma, por exercício da política. Da boa política.
Assim deve ser numa democracia.
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