Quando confrontado com um problema, Jair Bolsonaro pode não ter a
solução. Mas ele tem sempre à mão um versículo multiuso que extraiu do
Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará." Às vésperas do aniversário de seis meses do seu governo,
celebrado neste domingo (30), Bolsonaro conheceu a verdade. Descobriu que pode
ser conservador sem ser arcaico. Essa verdade tem potencial libertador. Mas
para se livrar dos grilhões do arcaísmo, o presidente teria de se manter fiel à
racionalidade que levou ao fechamento do histórico acordo entre Mercosul e
União Europeia. O bom senso ensina que dois espetáculos não cabem ao mesmo
tempo num só palco. Ou num único governo. Dividida entre um e outro, a plateia
não dá atenção a nenhum dos dois. Ou, por outra, acaba privilegiando o mais
exótico. Estão aí em cartaz, faz um semestre, duas apresentações. Uma é aquela
que o general e ex-ministro Santos Cruz chamou de "Show de
besteiras". Outra é a coreografia encenada pelo pedaço da Esplanada que
tenta provar que o governo não está sob o domínio da Lei de Murphy, segundo a
qual quando algo pode dar errado, dará.
[O 'show de besteiras' foi consequência da forma informal adotada por Bolsonaro ao assumir o governo.
Além da sua propensão a informalidade, a autenticidade, Bolsonaro teve contra ele, três ações:
- o 'assessoramento' dos filhos, do aiatolá de Virgínia e de outros aspones do tipo;
- a opção do Congresso Nacional, especialmente dos presidentes das duas Casas, em desprestigiar o presidente Bolsonaro, preparando-o como vítima até mesmo de um 'impeachment', da mesma forma como foi feito com Fernando Collor - não tiveram êxito, devido principalmente a que contra Collor tinham, também, acusações de corrupção (das quais Collor foi absolvido, posteriormente, pelo Supremo) e já Bolsonaro só tinham a sua independência em relação aos desejos do Poder Legislativo; e,
- a manifesta má vontade de grande parte da Imprensa, que desde a consolidação da candidatura Bolsonaro, tem sempre procurado dar destaque aos aspectos negativos do seu governo, maximizando eventuais erros e tudo que não é favorável à imagem do presidente e minimizando os acertos e pontos favoráveis.
Agora com a assinatura do acordo MERCOSUL - UNIÃO EUROPEIA, Bolsonaro deixou seus adversários, especialmente a turma do 'quanto pior, melhor' com as calças nas mãos.
Admitimos que teve momentos de grande dificuldade para defender o nosso presidente e foi preciso assumir a postura que ainda mantemos - os eleitores de Bolsonaro o escolheram para presidente da República, não para monarca - especialmente por ser o Brasil uma REPÚBLICA e nas repúblicas não há espaço para familiares do presidente governarem, nem também para filósofos de araque, verdadeiros aiatolás', nem para aspones.
Isso posto, temos convicção de que no governo Bolsonaro, que começou ontem, a Lei de Murphy também não terá espaço.]
Desde que assumiu o trono, Bolsonaro tenta conciliar duas exigências
conflitantes: ser Bolsonaro e exibir o bom senso que a Presidência requer. Ao
desembarcar no Japão, para a reunião do G20, o capitão sentia-se cheio de
tambores, metais e cornetas. Reagiu a uma cobrança da premiê alemã Angela
Merkel sobre meio ambiente como se fosse o próprio Hino Nacional. Murphy o
espreitava. O presidente francês Emmanuel Macron ecoou Merkel. Vão procurar a
sua turma, bateu o general e ministro palaciano Augusto Heleno. Em vez de acalmar
o amigo, Heleno revelou-se uma espécie de Murphy em dose dupla. Bolsonaro e seu
séquito tinham todo o direito —e até o dever— de responder a Merkel e Macron. O
problema é que, considerando-se o timbre, pareciam tomar o partido não do
Brasil, mas do pedaço mais atrasado do país, feito de desmatadores vorazes,
trogloditas rurais e toupeiras climáticas. O interesse do moderno agronegócio
brasileiro estava longe, em Bruxelas, na reunião em que se discutiam os termos
do acordo entre Mercosul e União Europeia. Ali, sabia-se que a insensatez
ambiental levaria à frustração do acordo comercial ambicionado há duas décadas.
Súbito, o Evangelho de João iluminou os caminhos do capitão,
apaziguando-lhe a alma. Num par de reuniões bilaterais, Bolsonaro soou
conservador sem fazer concessões ao atraso. Falou de uma certa "psicose
ambiental" que fez Merkel arregalar os olhinhos. Mas declarou que o Brasil
não cogita deixar o Acordo de Paris, dissolvendo as resistências de Macron. As
palavras de Bolsonaro desanuviaram a atmosfera na sala de reuniões de Bruxelas.
Por um instante, o "show de besteiras" saiu de cartaz. [esperamos que este instante tenha a duração mínima de oito anos - sem implicar em que os valores conservadores, a valorização da família, o combate sem tréguas ao que seja imoral e represente os mais costumes continue e seja exitoso, mas, sem concessões ao atraso.] E a sensatez
pariu um acordo.
Bolsonaro faria um enorme favor a si mesmo e ao país se
aproveitasse o embalo para enganchar nas celebrações do aniversário de seis
meses a estreia de um espetáculo novo. Nele, o Planalto deixaria de ser uma
trincheira. O presidente trocaria o recrutamento de súditos pela busca de aliados. [aliados confiáveis...]
A ala familiar seria desligada da tomada. O guru de Virgínia perderia sua cota
na Esplanada. Ministros cítricos e tóxicos seriam substituídos por gente
técnica e limpinha. O problema é que esse conjunto de modificações depende de
uma mudança de chave no cérebro do próprio Bolsonaro. Algo que parece
condicionado a um milagre. Não basta conhecer a verdade. É preciso querer se
libertar do atraso.
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