O Estado de S.Paulo
País parado e o vírus matando pessoas e empresas. É hora de o ‘03’ chutar a China?
Enquanto o ministro Luiz Henrique Mandetta contrariava a percepção geral
e chamava o presidente de “grande timoneiro” da reação ao coronavírus,
indiretamente comparando Jair Bolsonaro a Mao Tsé-Tung na revolução
cultural chinesa, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) dava mais uma
canelada infantil, mas doída, na China, principal parceiro comercial do
Brasil. Ao falar da pandemia, o “03” acusou que “a culpa é da China”.
[Um único comentário e lembrando o óbvio:
- o presidente JAIR BOLSONARO não pode ser responsabilizado pelos atos de seu filho - são CPFs diferentes, conforme disse Bolsonaro pai.
O pai não pode punir o seu pimpolho. Sendo maior de idade, vacinado e independente, o pai não tem mais a autoridade paterna para eventual correção/punição.
Sendo parlamentar, não está sujeito a ser punido pelas leis brasileiras que conferem impunidade... epa, imunidade.
Aliás, mesmo sendo a frase um desastre, não configura crime.
Fato é que a China ontem à noite, através de sua embaixada em Brasília,mudou o tom, mantendo as críticas ao parlamentar, mas com elogios ao presidente Bolsonaro.
Esclarecedor foi o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, quando disse:
"O
Eduardo Bolsonaro é um deputado. Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha
não era problema nenhum. Só por causa do sobrenome. Ele não representa o
governo. Não é a opinião do governo. Ele tem algum cargo no governo?",
indagou Mourão durante uma entrevista à "Folha de S. Paulo".]
Assim, o deputado piorou ainda mais as coisas não só para o papai, que
não anda nos seus melhores dias, mas principalmente para o Brasil, que
está parado, com Bolsas derretendo, dólar disparando, as pessoas
trancadas em casa, os shoppings, academias, bares e restaurantes
fechados e as empresas em sistema de “home office”, num ambiente
internacional de tragédia. O pai Jair demorou a compreender e se
interessar por essa chatice chamada realidade. E o filhote Eduardo ainda
está no mundo da lua. “Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina
nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa”, sugeriu o
ex-quase embaixador do Brasil em Washington e atual presidente da
Comissão de Relações Exteriores da Câmara, papagaiando o que o ídolo
Donald Trump diz nos Estados Unidos. E não é que bolsonaristas e
terraplanistas compram fácil, fácil, essa versão do complô chinês para
devastar o mundo? Coisa de doido.
Pouco diplomático, vá lá, mas com boa dose de razão, o embaixador chinês
em Brasília reagiu e não dourou a pílula. Classificou as palavras do
deputado de “extremamente irresponsáveis” e matou dois coelhos com uma
cajadada só, ao dizer que o filho do presidente, “ao voltar de Miami,
contraiu um vírus mental que está infectando a amizade entre nossos
povos”.
Se fosse fato isolado, já seria grave, mas é mais grave ainda com o
Brasil precisando preservar cada tostão e cada parceiro, e porque não
foi uma novidade. A birra dos Bolsonaro com o país asiático vem de
longe. Desde a campanha, Jair Bolsonaro e o depois chanceler Ernesto
Araújo atacavam e ironizavam a China. Essa China que, no primeiro ano do
governo, comprou US$ 65,4 bilhões do Brasil, é vital para o agronegócio
e a balança comercial brasileira.
Por tudo isso, a reação contra a manifestação do “03” e a favor da
parceria com a China se espalhou como vírus. O presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, pediu desculpas aos chineses pela instituição. O interino
do Senado, Antonio Anastasia, apresentou “respeito, solidariedade e
desculpas”, em nome da Casa. O governador João Doria classificou de
“lamentável e irresponsável” o post do deputado. A bancada ruralista,
que é (ou era?) bolsonarista, deu um pulo.
No fim, até o vice Hamilton Mourão se meteu, ao declarar que o deputado
não representa o governo e sua fala só teve essa enorme repercussão pelo
sobrenome de Sua Excelência. Cá entre nós, não é a primeira vez que
generais do governo têm de apagar incêndios criados pelos Bolsonaro com a
China. O próprio Mourão e o chefe do GSI, Augusto Heleno, agora
contaminado pela covid-19, já estão calejados.
Quem entrou na contramão, cobrando retratação não do autor da pancada,
mas de quem revidou? Ora, ora, o chanceler Araujo, que acusou o
embaixador chinês de “ferir a boa prática diplomática”. Será que foi da
própria cabeça? Ou ele recebeu ordens do presidente? É essa pergunta que
não quer calar entre diplomatas brasileiros, estupefatos.
Isso tudo, gente, quando o vírus já contaminava centenas de brasileiros e
adentrava os Poderes da República, os mortos já somavam sete, os
panelaços de protesto ainda ecoavam nas cidades e nos ouvidos palacianos
e o risco de quebradeira de empresas e de perda de empregos apavorava o
País inteiro. É ou não coisa de louco?
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo
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