Coluna publicada em O Globo - Economia 12 de março de 2020
Eis como a situação
econômica, em qualquer país, pode se complicar, em consequência das
restrições impostas para o controle do coronavírus. Começa que a empresa
perde receita ou porque teve que fechar (cinemas, por exemplo) ou
porque os consumidores não vão às compras.
Mas continua com suas
obrigações básicas, pagamento de salários, impostos e prestações de
empréstimos, além da conta de insumos adquiridos anteriormente. Se essa
situação se prolonga, a empresa atrasa impostos, dá o cano nos bancos e
demite funcionários. E a crise passa para o governo, que perde receita,
para os bancos, que levam calote, e, mais importante e grave, para os
trabalhadores que perdem emprego. É a partir daí que
todos, governo e sociedade, devem organizar as respostas para dividir os
prejuízos.
No fundo, sabe-se o que fazer. A questão política é como
coordenar as medidas nacional e globalmente. Governos podem adiar o
pagamento de impostos, especialmente para os setores mais atingidos.
Bancos podem negociar a reestruturação de financiamentos. Na Itália, a
associação de bancos disse que seus membros podem suspender as dívidas
de pequenas empresas e de pessoas, incluindo hipotecas. E as empresas em
geral podem evitar as demissões, por exemplo, reduzindo a jornada de
trabalho, com redução equivalente de salários. Mesmo assim, governos
devem estender os benefícios de desemprego.
Tudo isso custa
dinheiro e requer outras ações para amenizar os danos. Os bancos
centrais já se preparam para injetar dinheiro no sistema financeiro,
comprando títulos de bancos e empresas. Em muitos países, a taxa de
juros já está a zero ou negativa – era uma resposta à desaceleração
econômica que já acontecia antes do coronavírus. Nesses casos, só resta a
opção de dar liquidez ao mercado. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, é
praticamente certa a redução dos juros a zero. E, finalmente, todos os governos precisam gastar muito dinheiro no controle da epidemia.
Nada disso é novidade.
As medidas econômicas de combate à recessão foram aplicadas na crise de
2008/09, com bastante sucesso. E houve uma extraordinária coordenação
entre governos, bancos centrais e instituições globais, como o FMI e o
Banco Mundial. E aqui já aparecem
alguns problemas. A coordenação nacional e global, por exemplo, é menos
provável hoje. Peça fundamental, o governo americano, com Trump, está
mais para tentar tirar vantagem (América primeiro) do que para cooperar.
Aliás, como Bolsonaro nesta semana, Trump já havia dito que a epidemia
era mais coisa da imprensa e dos democratas. Agora, está dizendo que os
democratas bloqueiam as medidas de controle do vírus. Também se
vangloriou com a frase: temos uma economia muito forte, mas isso causa
inveja no mundo (em tradução livre).
De outro lado, existe a
situação específica de cada país. No Brasil, por exemplo, os governos
federal e estaduais estão em déficit, fazendo ajuste fiscal. Como
poderiam aumentar gastos e perder receita com adiamento do pagamento de
impostos? Sem dúvida, uma reação
lógica está na aceleração das reformas. A tributária, por exemplo,
facilitaria em muito a vida das empresas. Também seria importante a
aprovação da “PEC emergencial”, que permitiria mudanças nos gastos, com a
redução no pagamento de salários e aumento de despesas em outras áreas,
como saúde e infraestrutura. Ocorre que a pressão no Congresso será na direção contrária: não cortar nada e aumentar gastos em geral.
Nesse quadro, não ajuda
em nada a atitude agressiva do presidente Bolsonaro e seu pessoal em
relação ao Congresso e à mídia, esta que tem importante função de
informar e esclarecer. Se o presidente diz que a crise é mais coisa da
grande mídia, isso pode desmobilizar esforços e cuidados que todos
deveriam tomar. Além disso, atrapalha a
coordenação que deveria ocorrer em todas as instâncias da administração
para combater a epidemia e seus efeitos na economia. A guerra de preços do petróleo
lançada pela Arábia Saudita foi, literalmente, gasolina no incêndio. Mas
é mais provável um arranjo aqui, com um armistício entre Arábia
Saudita e Rússia. A crise do coronavírus, com ameaça de recessão, é mais ampla e mais difícil de administrar.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Tudo isso custa
dinheiro e requer outras ações para amenizar os danos. Os bancos
centrais já se preparam para injetar dinheiro no sistema financeiro,
comprando títulos de bancos e empresas. Em muitos países, a taxa de
juros já está a zero ou negativa – era uma resposta à desaceleração
econômica que já acontecia antes do coronavírus. Nesses casos, só resta a
opção de dar liquidez ao mercado. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, é
praticamente certa a redução dos juros a zero. E, finalmente, todos os governos precisam gastar muito dinheiro no controle da epidemia.
Nada disso é novidade.
As medidas econômicas de combate à recessão foram aplicadas na crise de
2008/09, com bastante sucesso. E houve uma extraordinária coordenação
entre governos, bancos centrais e instituições globais, como o FMI e o
Banco Mundial. E aqui já aparecem
alguns problemas. A coordenação nacional e global, por exemplo, é menos
provável hoje. Peça fundamental, o governo americano, com Trump, está
mais para tentar tirar vantagem (América primeiro) do que para cooperar.
Aliás, como Bolsonaro nesta semana, Trump já havia dito que a epidemia
era mais coisa da imprensa e dos democratas. Agora, está dizendo que os
democratas bloqueiam as medidas de controle do vírus. Também se
vangloriou com a frase: temos uma economia muito forte, mas isso causa
inveja no mundo (em tradução livre).
De outro lado, existe a
situação específica de cada país. No Brasil, por exemplo, os governos
federal e estaduais estão em déficit, fazendo ajuste fiscal. Como
poderiam aumentar gastos e perder receita com adiamento do pagamento de
impostos? Sem dúvida, uma reação
lógica está na aceleração das reformas. A tributária, por exemplo,
facilitaria em muito a vida das empresas. Também seria importante a
aprovação da “PEC emergencial”, que permitiria mudanças nos gastos, com a
redução no pagamento de salários e aumento de despesas em outras áreas,
como saúde e infraestrutura. Ocorre que a pressão no Congresso será na direção contrária: não cortar nada e aumentar gastos em geral.
Nesse quadro, não ajuda
em nada a atitude agressiva do presidente Bolsonaro e seu pessoal em
relação ao Congresso e à mídia, esta que tem importante função de
informar e esclarecer. Se o presidente diz que a crise é mais coisa da
grande mídia, isso pode desmobilizar esforços e cuidados que todos
deveriam tomar. Além disso, atrapalha a
coordenação que deveria ocorrer em todas as instâncias da administração
para combater a epidemia e seus efeitos na economia. A guerra de preços do petróleo
lançada pela Arábia Saudita foi, literalmente, gasolina no incêndio. Mas
é mais provável um arranjo aqui, com um armistício entre Arábia
Saudita e Rússia. A crise do coronavírus, com ameaça de recessão, é mais ampla e mais difícil de administrar.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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