Bernardo Mello Franco
O governo Bolsonaro ressuscitou a Lei de Segurança Nacional para intimidar os críticos. Contra a ofensiva autoritária, juristas discutem uma nova legislação
Virou rotina. A cada semana, o governo Bolsonaro encontra um novo
pretexto para ressuscitar a Lei de Segurança Nacional. Na última terça, o
alvo foi o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Sete
dias antes, o jornalista Hélio Schwartsman, da “Folha de S.Paulo”. Em
junho, o cartunista Aroeira, do portal Brasil 247. Nos três casos, a lei da ditadura militar foi invocada para enquadrar
críticos do governo. Uma desculpa patriótica para blindar o poder e
sufocar a liberdade de expressão.
[as leis alcançam a todos - do desassistido que corre sem êxito atrás do auxílio emergencial ao mais alto magistrado, ao mais afortunado empresário e ao mais alto funcionário = o Presidente da República.
Qualquer acusado de transgredir as leis em vigor - cabendo ao Poder Judiciário decidir se a acusação é consistente e a transgressão ocorreu - deve ser denunciado, investigado e, se cabível, denunciado e julgado.]
O ministro André Mendonça mandou a Polícia Federal investigar Aroeira
por uma charge que irritou o presidente. Depois repetiu o expediente com
Schwartsman, que disse torcer pela morte do capitão. O leitor pode ver
mau gosto no desenho e no artigo, mas nenhum deles ameaça a segurança do
país. A lei foi exumada para intimidar a imprensa, um dos esportes
preferidos do bolsonarismo. O caso de Gilmar é ainda mais exótico. Além da LSN, o ministro da
Defesa, Fernando Azevedo, invocou a aplicação de artigos do Código Penal
Militar. O general quer usar a lei da caserna para enquadrar um juiz da
corte constitucional. Coisa de República de Bananas — ou do Brasil de
Bolsonaro. [o Código Penal Militar tem artigos que cuidam de delitos cometidos por civis - e todos, independentemente do cargo que ocupem, estão a ele sujeitos desde que pese sobre eles a prática de atos tipificados no CPM como crimes..]
A Lei de Segurança Nacional é parte do entulho autoritário deixado pelo
regime de 1964. Deveria ter sido varrida com outros escombros da
repressão, como o Dops e o SNI. “A lei já era obsoleta no tempo da
ditadura. Voltar a usá-la agora é uma péssima ideia”, resume o jurista
José Paulo Cavalcanti Filho. [qualquer jurista, até um amador, sabe que existindo uma lei e sendo infringida, ou havendo suspeita de que atos praticados a infringiram, tem que ser usada =USEM ou REVOGUEM.]
Em 1985, uma comissão presidida pelo ex-ministro Evandro Lins e Silva
propôs substituir a LSN por uma Lei de Defesa do Estado Democrático.
“Entregamos o projeto ao presidente José Sarney, mas ele ficou na
gaveta”, lembra Cavalcanti. Em 2002, o então ministro Miguel Reale Júnior fez nova tentativa. O
objetivo era revogar a lei da ditadura e incluir no Código Penal um
título de crimes contra o Estado. Mais uma vez, o entulho autoritário
venceu. “O projeto está parado no Congresso há 18 anos, não sei por
quê”, lamenta Reale. Ele considera inaceitável usar a LSN contra
críticos do governo. “Isso é mais uma represália do que uma ação
jurídica. Não vai redundar em nada”, aposta.
Para frear a ofensiva autoritária, juristas discutem um terceiro projeto
de lei. O ex-ministro Reale e o professor Oscar Vilhena Vieira, diretor
da FGV Direito São Paulo, contam que a ideia é combinar a defesa das
instituições e a garantia da liberdade de expressão. “Usar a LSN em temas de ofensa à honra é uma exorbitância”, afirma
Vieira. “As críticas ao governo, aos tribunais e ao Congresso fazem
parte do jogo democrático. Outros governos foram achincalhados pela
oposição e não trataram isso como ameaça à segurança nacional”.
Bernardo Mello Franco, jornalista - O Globo
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