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terça-feira, 24 de novembro de 2020
Coup D´Presse - Bolsonaro joga pólvora em companheiros de guerra - DefesaNet
Discurso do presidente como resposta à pressão de Joe Biden no problema das queimadas na Amazônia está mais para a história de crises de governo e o anedotário político
Foi justamente sob o comando de generais
dos Estados Unidos que os militares brasileiros tiveram um triunfo
aplaudido no País e no exterior. Mais de 25 mil homens da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) integraram uma divisão do V Exército
americano para forjar a saída dos alemães do norte da Itália na 2ª
Guerra Mundial. Uma geração de pracinhas oriunda das periferias e dos
cafezais enfrentou o gelo e o poder bélico dos nazistas num capítulo
surpreendente da história bélica nacional. O discurso do presidente Jair Bolsonaro de sugerir o uso da pólvora
como resposta à pressão do democrata Joe Biden no problema das queimadas
na Amazônia está mais para a história de crises de governo e o
anedotário político. Posturas diversionistas de autoridades permeiam a
trajetória do Exército brasileiro, que, desde o treinamento de um grupo
de oficiais no Fort Leavenworth War School, no Kansas, em 1943, nunca
deixou de pedir ajuda aos americanos para evoluir na doutrina e na
tecnologia de guerra.
A aliança pioneira da turma dos generais Castelo Branco, Henrique
Teixeira Lott e Zenóbio da Costa, gente que mandou no País, foi lembrada
em março deste ano pelo ministro da Defesa. Fernando Azevedo comemorou,
numa viagem de Bolsonaro à Flórida, um dos muitos pequenos acordos de
cooperação firmados por governos brasileiros com a maior potência
militar do mundo. “Temos os Estados Unidos como um parceiro importante.
Estivemos juntos pela democracia e liberdade na Segunda Grande Guerra”,
disse na época, um discurso padrão adotado nas últimas décadas.
O conflito mundial citado pelo ministro foi um hiato na história da
caserna no Brasil. Antes e depois da presença da tropa na Europa, a
cúpula militar só colecionou desgastes públicos nas suas vitórias nos
territórios de países vizinhos e mesmo na repressão a populações
sertanejas revoltadas.
Num museu no Forte de Copacabana, o Exército destaca os conflitos na
Tríplice Fronteira (1864-1870) e em Canudos (1897) como momentos de sua
história. Falta espaço para expor o uso político do emprego de tropas
tanto no Império quanto na incipiente República. Essas guerras
encobriram batalhas fratricidas pelo poder e crises econômicas ao custo
de muito orçamento e sangue aqui e lá fora. Em Assunção, os brasileiros
são acusados ainda hoje por massacres de crianças e saques – puseram nos
navios até móveis de famílias paraguaias.
Já no interior baiano, a degola de sertanejos marcou a presença de
oficiais na Caatinga. Essa prática seria usada também na Guerra do
Contestado (1912-1916), onde os militares combateram caboclos que usavam
facões esculpidos na madeira. A propósito, guerras assimétricas, em
especial, costumam ser refluxos no tempo por excelência, reais ou
imaginárias.
Guerra é um termo genérico, mas pode ser usado para relatar um caso
recente em que os americanos jogaram militares brasileiros numa arapuca.
O general da reserva Augusto Heleno Ribeiro, atual ministro do Gabinete
de Segurança Institucional, conhece essa história. Em 2005, ele
comandava a Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti. No mês de julho
daquele ano, cerca de 440 homens de sua tropa entraram em Cité Soleil,
maior favela de Porto Príncipe, para caçar o criminoso Emmanuel Wilmer, o
Dread. Heleno vivia pressionado. Os Estados Unidos criticavam uma
suposta falta de agressividade no enfrentamento à violência no país
caribenho.
[Antes de tudo precisamos considerar que o comentário do presidente Bolsonaro foi mais para descontrair o ambiente - os Estados Unidos da América são aliados tradicionais do Brasil.
Óbvio que a disparidade de forças é enorme, mas cada guerra é uma guerra e a natureza do confronto [caso houvesse um) favorece em muito aos brasileiros - os EUA eram muitas vezes superiores as do Vietnam e eles perderam.
O imenso poderio militar dos norte-americanos jamais seria utilizado em sua totalidade. Para começar, seriam descartados todo o armamento nuclear. E, por aí vai. Mas, pensar nisso é desperdiçar pensamento.]
Na operação de sete horas, cinco ou seis pessoas morreram, incluindo
Dread,na estimativa do Exército Brasileiro. Entidades de direitos
humanos ligadas ao ex-presidente Jean Bertrand Aristide, críticas da
missão da ONU, calcularam 63 mortes. A agência Reuters estimou 70
vítimas fatais. Heleno contestou os números e reclamou de uma versão,
segundo ele, política da história. De forma moderada, observadores
internacionais avaliaram que um dos erros da operação foi não monitorar a
favela nos dias seguintes. A falta de patrulha teria facilitado um
acerto de contas local.
A guerra do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Haiti
empoderou uma geração de “oficiais sem espada”. O País não conseguiu
maior inserção nos fóruns internacionais, como desejava o governo. Mas
os militares saíram de Porto Príncipe com a lição de que o quartel não
forma dirigentes especializados em tornar competitiva a economia
interna, mudar o jogo diplomático controlado por países desenvolvidos e
atrair investimentos externos, preceitos para garantir a paz.
Por sua vez, Bolsonaro alimenta uma guerra permanente para encobrir
questões políticas e familiares e salvar seu governo – é o caso das
rachadinhas, que envolve o filho e senador, Flávio (Republicanos-RJ).
O discurso da pólvora, uma das batalhas desse conflito travado pelo
presidente, foi recebido com deboche pelo embaixador americano. Todd
Chapman, nomeado por Donald Trump, divulgou vídeo do Corpo de Fuzileiros
Navais dos Estados Unidos para lembrar que a força está de prontidão em
tempos de crise. Numa interpretação livre, evidenciou que, antes de uma
suposta relação de amizade de seu chefe e Bolsonaro, existem interesses
históricos. A embaixada afirmou que o vídeo estava sendo preparado
havia uma semana e não tem relação com o presidente.
É, dentro desses limites, que os militares brasileiros tentam há
décadas ter proveitos da parceria com Washington e expandir a indústria
de defesa nacional como um aliado preferencial da OTAN, a Organização do
Tratado do Atlântico Norte. No front imaginário do presidente, a prioridade nos interesses
particulares é pólvora que só chamuscou mesmo as fardas dos militares do
lado de cá do campo de guerra, que chancelam o seu governo. No rastilho
da semana, Bolsonaro ainda atacou a vacina da covid-19 e ironizou os
brasileiros preocupados com a pandemia. Até o momento, pelo menos 163
mil pessoas morreram vítimas da doença.
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