Análise Política
O Brasil está em plena “janela partidária”, em que o político pode
trocar de agremiação sem perder o mandato. Há desta vez uma
peculiaridade: o prazo para formar as federações partidárias,
nacionalmente verticalizadas e vinculantes, ultrapassa a data-limite
para as filiações com vista à próxima eleição. O político se filia ao
partido e está sujeito a, mais na frente, descobrir que entrou numa
coalizão estável de quatro anos e com a qual não concorda.
É apenas mais um detalhe estranho nos mecanismos de uma fidelidade
partidária já meio fantasmagórica. Pois vale para mandatos proporcionais
(vereadores, deputados) mas não para cargos decorrentes de escolha
majoritária (prefeito, governador, senador, presidente). O “argumento” é
que neste segundo lote o político não depende dos demais para se
eleger. Argumentos úteis são o que não falta na folclórica política
brasileira. Principalmente quando o Judiciário precisa, ou quer, abrir exceções. Pois ninguém é de ferro.
Por falar em tribunais, a recente decisão do Supremo ao homologar a
frondosa anabolização do fundo eleitoral sugere uma reacomodação do
“sistema”. De repente, a explosão das verbas públicas para partidos e
candidatos deixou de provocar indignação, e no novo clima os ministros
sentiram-se confortáveis para declarar alto e bom som que seria um
absurdo o Judiciário meter-se excessivamente nos assuntos da alçada do
Legislativo.
Sim, é isso mesmo que você acabou de ler.
Se conectarmos os dois pontos abordados acima, notar-se-á que o cofre
cheio para campanhas eleitorais não deixa de ser, ao menos na teoria, um
belo fator de atração de quadros na janela de trocas. O financiamento
empresarial está proibido, o privado só rende uns caraminguás, então
quem tem mais dinheiro público para investir na eleição tem mais
argumentos para atrair gente boa de voto. Também aqui funcionam as leis
de mercado.
Na política, a pergunta-chave sempre é “quem detém o poder?”. Os anos
recentes assistiram à profusão de leis e decisões judiciais supostamente
inspiradas pela vontade de aperfeiçoar a democracia. E qual é a
resultante? Uma estrutura orgânico-monetária controlada de modo
absolutista pelos presidentes de partido, figuras abarrotadas de
dinheiro proveniente dos impostos, mas que não precisam prestar contas
políticas a ninguém.
Pois a montanha de recursos para as legendas não vem acompanhada de
exigências relacionadas à democracia interna. Não precisam fazer prévias
para escolher candidatos. Podem ficar a vida inteira no cargo. Podem ir
tocando o partido só com base em comissões provisórias, sem diretórios.
Podem manter a estrutura partidária na coleira indicando apaniguados
para os cargos-chave. E podem decidir que candidatos recebem mais
dinheiro.
Eu dizia que cada escândalo dos últimos anos foi uma janela de
oportunidade para todo tipo de gênio propor mais uma fornada de leis e
regimentos para “aperfeiçoar o modelo”. Foi também a deixa para juízes
legislarem, “devido à omissão do Legislativo”. O resultado está aí.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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Publicado na revista Veja de 16 de março de 2022, edição nº 2.780
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