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segunda-feira, 20 de junho de 2022

“A imprensa quer explorar a morte de Dom e Bruno”- Edilson Salgueiro

Revista Oeste

Antes de ser proibido de falar, por ordem da Justiça Federal com base numa decisão de Barroso, Marcelo Xavier, presidente da Funai, conversou com Oeste sobre o desaparecimento Dom Phillips e Bruno Araújo


O jornalista Dom Phillips, colaborador do jornal britânico The Guardian,
e o indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), foram vistos pela última vez no domingo 5, no Vale do Javari, no Amazonas. A região fica na fronteira entre o Brasil e o Peru. Eles faziam um trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael e Atalaia do Norte.

De lá para cá, o desaparecimento da dupla pautou a imprensa nacional e internacional. As imagens da campanha “Onde estão Dom Phillips e Bruno Pereira?” estamparam inúmeras reportagens de jornais e revistas.

A Polícia Federal (PF), a Força Nacional de Segurança Pública e a Funai se mobilizaram para investigar o caso. Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, e Oseney da Costa Oliveira assumiram a autoria do crime. Dom e Bruno foram mortos a tiros e tiveram os corpos queimados e enterrados. 

De acordo com a PF, os assassinatos podem ter relação com a atividade de pesca ilegal no Vale do Javari. A segunda maior terra indígena do país, com aproximadamente 85 mil quilômetros quadrados, é palco de conflitos típicos da Amazônia, como o tráfico de drogas, o roubo de madeira e o avanço do garimpo.

Para o presidente da Funai, Marcelo Xavier, o episódio ocorrido no Amazonas é lamentável. “O ingresso nessa área foi arriscado, visto que é uma região longínqua”, disse. “O local sofre com uma série de crimes violentos.” Antes de ser proibido de falar sobre o assunto, por ordem da Justiça Federal com base numa decisão do ministro Luis Roberto Barroso, Xavier conversou com a Revista Oeste.

Confira os principais trechos da entrevista.

— Na quarta-feira 15, foram confirmadas a morte do jornalista inglês Dom Phillips e a do indigenista Bruno Pereira. Como o senhor avalia o caso?

Essa história é triste, lamentável. O ingresso nessa área foi arriscado, visto que é uma região longínqua. O local sofre com o narcotráfico e com uma série de crimes violentos. O Bruno tinha a permissão para ficar no Vale do Javari entre 17 e 30 de maio. Depois disso, deveria sair. A coordenação regional do Vale do Javari, responsável por conduzir esse processo de autorização, não nos apresentou o Termo de Compromisso Individual que o Bruno deveria assinar. Isso é obrigatório. Há uma série de cláusulas a serem respeitadas, como a apresentação do atestado de PCR, que tem o objetivo de diminuir o risco de contaminação dos indígenas. O Bruno apresentou um PCR de 23 de março. Ele entrou no Vale do Javari em 21 de maio. Isso não está correto. O processo todo, conduzido sem o conhecimento da Funai, apresenta incongruências. No caso de Dom Phillips, não havia nenhuma autorização. Alguns segmentos da imprensa não se importam com a verdade. Eles querem criar um fato e explorar politicamente a morte desses rapazes. Também fizeram isso com o caso dos ianomâmis.

— Recentemente, houve também denúncias de crimes contra os ianomâmis, que, posteriormente, se mostraram injustificadas. De que maneira o senhor vê essa questão?

As pessoas pensam que os ianomâmis ficam em Juiz de Fora [MG], no Rio de Janeiro. Não é assim. A região faz fronteira com a Venezuela. No lado brasileiro, há 25 mil indígenas. No lado venezuelano, há 10 mil. Nicolás Maduro autorizou a exploração mineral em suas áreas indígenas e ninguém se preocupou. O garimpo ocorre no território venezuelano há mais de 30 anos. Se o problema pudesse ser resolvido facilmente, por que os indigenistas não resolveram?

— O senhor é defensor do “etnodesenvolvimento”. O que significa essa ideia?

É a possibilidade de os indígenas poderem empreender, segundo sua autonomia e vontade. Quando falamos disso, muitas pessoas entendem que seria algo agressivo. Pelo contrário. Apenas os indígenas que quiserem podem ser inseridos nessa nova realidade. Eles poderão se qualificar, através da Funai e da Embrapa, para melhorar sua qualidade de vida. Tudo isso é feito de forma ambientalmente correta, sem agredir os costumes nem as tradições das comunidades. As pessoas confundem a questão do etnodesenvolvimento com uma atividade perniciosa. Isso não é verdade. O etnodesenvolvimento reúne sustentabilidade econômica e preservação do meio ambiente. Os indígenas podem se dedicar à atividade pastoril, à produção de mel, à carcinicultura [produção de camarão em cativeiro], ao artesanato e ao turismo. A medida permitiria às comunidades indígenas a geração de renda. Assim, poderiam garantir a segurança alimentar e a satisfação pessoal. Eles devem ser os protagonistas de suas histórias. A própria Revista Oeste mostrou isso em uma reportagem.

— De que maneira a Funai avalia a questão da demarcação de terras indígenas?

Quase 14% do território brasileiro pertence a 1 milhão de indígenas. Nos Estados Unidos, 3% do território está nas mãos de 3 milhões de indígenas. É uma diferença muito grande. O marco temporal, que está para ser julgado no Supremo Tribunal Federal, paralisou os procedimentos da Funai. Enquanto o STF não decidir essa questão, não temos como dar sequência nos processos de análise de concessão de terras. A maioria dessas questões está vinculada ao marco temporal. Os próprios ministros da Corte têm divergência sobre o tema, como Nunes Marques e Edson Fachin. Se o marco temporal cair, estimamos que 30% do território nacional pertencerá aos indígenas. Mas a questão é a seguinte: será que a demarcação de terras é a solução dos problemas dos indígenas brasileiros? Temos áreas demarcadas há várias décadas. E percebemos que o nível de sobrevivência nessas regiões é muito ruim. Há ausência de saneamento básico, de educação, de saúde.

No governo Bolsonaro, houve um crescimento de mais de 335% de investimento na proteção de indígenas isolados

— Como o senhor vê as campanhas internacionais pela manutenção da “identidade” dos indígenas?

Há muita manipulação. Elas querem dizer aquilo que o indígena deseja. A Funai acabou com essa história, e isso gera revolta nas ONGs. Temos um diálogo franco e direto com os indígenas; alijamos um intermediário que sempre lucrou muito com essa política indigenista. Antigamente, havia dinheiro internacional entrando na conta dessas entidades, que tinham convênio com a Funai. Isso é muito grave, gera conflito de interesses. A revolta dessas ONGs se justifica pelo fato de a Funai atuar verdadeiramente nas terras indígenas, de forma efetiva e vigorosa. Os recursos estão sendo aplicados em um valor muito mais alto do que em outros governos. Essas entidades estão preocupadas porque perderam um filão de mercado. Muito dinheiro era transferido via Fundo Amazônia. Esse modelo era interessante para as ONGs, porque o rastreio do dinheiro fugia ao alcance do Tribunal de Contas da União. Na prática, a verba nunca chegava às áreas indígenas. Se a fórmula de política indigenista delegada pelas ONGs fosse eficiente, por que ainda temos tantos problemas com isso?

O senhor participou da CPI da Funai, realizada em 2016. O que descobriu não apenas sobre a Funai, mas também sobre o Incra?

Havia uma ideologia trotskista-marxista no Brasil, que via na invasão de propriedades uma forma de pressionar o Estado brasileiro a conceder terras aos indígenas. Isso era fomentado por organizações internacionais. Mas, quando há invasão de propriedade, você tira a capacidade econômica do produtor. Os invasores punham fogo nas lavouras, nas casas e nos maquinários. O produtor ficava sem renda e acabava por abandonar a propriedade. Antigamente, o Exército da Libertação do Povo Paraguaio [EPP] fazia reuniões com indígenas em fazendas invadidas em Mato Grosso do Sul. Isso está documentado na CPI da Funai.

— Como tem sido o trabalho da Funai desde 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu a Presidência?

Ao compararmos 2016, 2017 e 2018 com 2019, 2020 e 2021, houve um crescimento de mais de 335% de investimento na proteção de indígenas isolados. Foram quase R$ 54 milhões investidos. Isso é feito por meio de 11 equipes de proteção ambiental e 28 bases de proteção espalhadas pelo Brasil. No Vale do Javari, onde infelizmente dois rapazes morreram, houve apenas R$ 430 mil de investimentos em 2017. No ano seguinte, R$ 205 mil. Em 2019, a partir da minha gestão, investimos R$ 1,2 milhão. Em 2021, R$ 1,3 milhão. Temos muito mais investimentos efetivos do que em governos anteriores. E ainda falam em genocídio. Também há o investimento em fiscalização de terras indígenas, que cresceu mais de 150%. Foram mais de R$ 80 milhões investidos entre 2019 e 2021. A Funai distribuiu mais de 1,3 milhão de cestas básicas para 200 mil famílias indígenas. Isso equivale a mais de 30 mil toneladas de alimentos. Quando chegamos aqui, havia uma despesa de R$ 45 milhões; a verba era destinada para um projeto que pretendia fazer criptomoedas para os indígenas. É risível. É malversação do patrimônio público. Isso acabou. Não sacrificamos a vaca; deixamos ela viva e matamos os carrapatos.

— Qual sua avaliação sobre o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que busca regulamentar a mineração em terras indígenas?

Temos de respeitar a Constituição Federal de 1988. Se fosse vedada a mineração em terras indígenas, isso estaria na Carta Magna. Mas ocorre o contrário. A lei estabelece que a mineração em terras indígenas pode ser realizada, desde que existam leis e decretos chancelando a questão. Além disso, as comunidades indígenas precisam ser consultadas. Mas isso é um contrassenso, porque o Congresso, responsável por participar da aprovação das leis e dos decretos, é representante dos indígenas, que escolheram os parlamentares por meio do voto. Essa consulta é desnecessária. O PL é uma forma de tirarmos a atividade da ilegalidade e trazê-la para a legalidade. Basta fiscalizar. Sabemos que os minérios são retirados ilegalmente dessas áreas e levados para a comercialização em mercados internacionais. O Brasil é prejudicado, assim como os indígenas.

— Em alguns locais do Brasil, é comum os indígenas cobrarem “pedágio” de civis nas estradas. Como o senhor vê essa questão?


Isso é consequência da falta de uma alternativa de renda das comunidades indígenas. Por não terem outras formas de sobrevivência, alguns indígenas viram no pedágio um caminho para obter renda. Entendo que precisamos conscientizá-los para que essa atividade não seja praticada. Eles podem e devem buscar outra forma de renda, através do etnodesenvolvimento. Havia uma letargia dos governos do passado, que não resolveram o problema dos indígenas e acabaram fomentando situações como a cobrança do pedágio. [Não possuem renda por falta de disposição para aproveitar o potencial econômico que dispõem com milhões de hectares de terras ociosas. Se apenas uma parte dessas terras fosse colocada nas mãos do pessoal do agronegócio, os grãos da Ucrânia não estariam fazendo falta e provocando fome.Querem obter rendimento das terras que ganharam mediante extorsão via pedágio de civis e de empresas de fornecimento de energia que precisam passar redes de abastecimento sobre as terras indígenas. ]


— O senhor é alvo constante de ONGs “indigenistas”. Como o senhor recebe os ataques dessas entidades?


É lamentável. Já tive vários pedidos de afastamento por entidades governamentais, como a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal. Mas a Justiça rejeitou. Algumas pessoas poderiam estar gastando energia para trabalhar em prol das comunidades indígenas, mas elas querem nos constranger. Isso prejudica nosso trabalho. Querem nos inviabilizar, é uma questão ideológica.


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Edilson Salgueiro, colunista - Revista Oeste

 

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