Alexandre Garcia
Brasileiros querendo entregar a Amazônia desrespeitam as
memórias de Arthur Reis, Osny Duarte Pereira, Cândido Rondon, Jorge
Teixeira e outros, mas, principalmente, ofendem a brasilidade dos
amazônidas de todas as etnias e origens, que sabem a razão da cobiça e
seus disfarces [Os que 'tentam entregar a Amazônia são maus brasileiros, traidores da Pátria Amada e que se vendem por um punhado de dólares, prontos a rastejar aos pés dos que os compram = são repugnantes. ]
O duplo assassinato no Vale do Javari reacendeu as
manifestações de uma cobiça que já dura 400 anos. Ironicamente, as ações
estrangeiras usuais têm sido mais discretas que a de brasileiros que
agora construíram mais uma narrativa a justificar o sonhado condomínio
internacional para "administrar" as riquezas naturais da área.
Administrar significa dominar e usar. Quando estrangeiros fazem isso,
apenas estão insistindo no que sempre fizeram;
quando brasileiros [vendilhões da Pátria] se
unem a eles, tentando lesar o primeiro fundamento da nossa República,
que é a soberania (art. 1º da CF), isso choca.
Na minha infância,
chamávamos os brasileiros que trabalhavam contra o Brasil em plena
Guerra Mundial de quintas-colunas. Lembro-me de Brizola chamar esse tipo
de gente de entreguista e vendilhão da pátria.
Agora é um outro líder de esquerda, do partido de
Brizola, que denuncia o crime de lesa-soberania: o ex-presidente da
Câmara, ex-ministro de Lula e Dilma, ex-PCdoB Aldo Rebelo, um estudioso
da Amazônia e defensor dessa metade do nosso território. Não é uma
questão de esquerda ou direita, mas de soberania nacional — o primeiro
fundamento da nação. Vem de longe a cobiça.
Os portugueses a combateram
no século XVII, principalmente com Pedro Teixeira, que tirou holandeses,
franceses, ingleses e espanhóis da nossa Amazônia, fixando a soberania
com os fortes construídos no extremo da pátria. No início do século XX,
acreanos decidiram ser brasileiros, e não bolivianos, e se levantaram em
armas liderados por Plácido de Castro. Rio Branco consolidou as
fronteiras no Acre com a Bolívia e no Amapá com os franceses.
Não são apenas os europeus, os cobiçosos. Em 1849, uma
expedição científica da Marinha dos Estados Unidos voltou da Amazônia
com a teoria de que a bacia amazônica faz parte da bacia do Mississipi: a
direção dos ventos leva os navios da foz do Amazonas para os portos do
sul dos Estados Unidos. Portanto, o Império Brasileiro deveria conceder
aos americanos a livre navegação nos rios da Amazônia. Desconfiado,
Pedro II pediu ao Barão de Mauá uma empresa de navegação nacional que
preenchesse o vazio cobiçado.
Os americanos já tinham anúncios em
jornais, organizando expedições para explorar o Eldorado. Há 50 anos, o
cientista Herman Kahn, do Hudson Institute, sugeriu inundar a Amazônia
formando um lago gigantesco.
Brasileiros querendo entregar a Amazônia desrespeitam
as memórias de Arthur Reis, Osny Duarte Pereira, Cândido Rondon, Jorge
Teixeira e outros, mas, principalmente, ofendem a brasilidade dos
amazônidas de todas as etnias e origens, que sabem a razão da cobiça e
seus disfarces, porque não são ingênuos nem cúmplices em relação à
presença estrangeira por lá. Presença ilegal que é aplaudida por gente
com o complexo de vira-lata, como chamou Nélson Rodrigues.
Brasileiros
da Amazônia sabem a diferença entre preservar — intocável e reservado
para os estrangeiros — e conservar, com sustentabilidade, para o bem da
natureza mais importante: a natureza humana. Ele sabem, todos os dias e
noites, que esta amazônia não é simplesmente do Brasil. É o Brasil.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
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