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quinta-feira, 9 de junho de 2022

A reversão da censura - Revista Oeste

Loriane Comeli

Decisões judiciais em todo o país têm restabelecido perfis e canais conservadores bloqueados nas redes sociais

Perfis, canais e páginas conservadores cujas opiniões são contrárias ao determinado em uma cartilha de regras não escritas costumam ser sumariamente suspensos ou excluídos das redes sociais. 
E seus administradores acabam banidos, como aconteceu com o canal Terça Livre, do jornalista Allan dos Santos, no começo do ano passado. Na maioria das vezes, o usuário nem sequer é notificado e não é informado sobre qual publicação resultou na penalidade. Situações do tipo começaram em 2016 e se tornaram corriqueiras nos últimos anos.

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

 Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Para combater a censura escancarada das big techs, os usuários têm encontrado alento em decisões judiciais de juízes e tribunais de todo o país. Os magistrados têm determinado que Facebook, Twitter e Google devolvam as páginas censuradas e indenizem os proprietários por danos morais ou por deixarem de ganhar dinheiro com as redes sociais.  
indenizações ainda não pagas pelas empresas que chegam próximo de R$ 1 milhão.

O advogado Emerson Grigollette, que tem escritórios em Presidente Prudente e Brasília e atua em todo o Brasil, já contabiliza cerca de 120 ações judiciais contra a censura nas redes sociais nos últimos seis anos. “A censura de conteúdo, principalmente a páginas de humor e de memes, começou na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff”, afirmou. “Temos conseguido muitas decisões favoráveis, e acredito que isso seja uma tendência.”

Acusações genéricas
Um dos primeiros casos de Grigollette foi o da página Não Intendo, de conteúdo humorístico, que, em março de 2016, foi banida do Facebook, sob a acusação genérica de violação dos Termos e Condições de Uso da plataforma. Não há, contudo, nenhuma indicação precisa de qual item do contrato teria sido desrespeitado e por qual publicação. A rede social foi condenada, em decisão da Justiça de Canoas (RS), a devolver a página, mas, por questões legais, a decisão foi anulada. O processo recomeçou, e o dono da página conseguiu nova decisão favorável. 
 
Enquanto o processo corria, o Facebook apagou todo o conteúdo até então produzido e, por isso, não havia condições de cumprir a ordem de colocar a página no ar novamente. A big tech foi condenada a indenizar o dono. 
Agora se discute o valor da indenização, o qual deverá ser calculado a partir do valor de cada curtida. “Estamos aguardando que a Justiça se posicione sobre o valor da curtida, que é a própria métrica que as redes sociais utilizam para cobrar por seus anúncios”, explicou Grigollette. Nesse caso, a página tinha mais de 1 milhão de seguidores. Se a curtida for fixada em 50 centavos, como estima a defesa, a indenização passaria de R$ 500 mil.

Grigollette também atua em ações nas quais se discute o shadowban, espécie de bloqueio “silencioso” realizado pelas plataformas quando o administrador da página observa a estagnação ou a queda do número de seguidores e o desaparecimento dos posts em pesquisas por hashtags, por exemplo, o que diminui o alcance do perfil. “São casos que vamos precisar de perícia para confirmar o que estamos alegando”, disse.

De acordo com o advogado, a defesa das redes sociais — de qualquer uma delas é sempre genérica, e, da mesma forma que suspendem a página administrativamente sem apontar o problema, as big techs também respondem aos processos sem produzir provas de quebra contratual pelos usuários. “Na maioria das decisões, os juízes têm entendido que as empresas não demonstram qual seria o conteúdo indevido e não provam qual cláusula do contrato foi maculada”, afirmou. “Sem provas, as decisões têm sido favoráveis aos produtores de conteúdo. O que chama a atenção é que na grande maioria das vezes são páginas conservadoras.”

Entretanto, mesmo que houvesse provas da violação aos termos e às condições de uso, que são definidos de forma genérica, o advogado entende que a censura privada não poderia ocorrer, em respeito ao princípio constitucional da liberdade de expressão e ao Marco Civil da Internet. Estabelecido pela Lei n° 12.965/2014, ele prevê que apenas por decisão judicial um “conteúdo indevido” pode ser retirado do ar, salvo em caso de nudez ou de prática de ato sexual.

“Nem mesmo no período mais duro da ditadura militar brasileira se viu tamanho controle da informação”

Justamente para impedir que as plataformas retirassem conteúdos do ar sem critérios objetivos, o presidente Jair Bolsonaro tentou, pela Medida Provisória (MP) 1.068, de 2021, proibir as empresas de derrubarem páginas com mais de 10 milhões de usuários. A MP foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. Em setembro, a Presidência encaminhou ao Congresso o Projeto de Lei 3.227/21, sobre o mesmo assunto, que ainda será analisado nas duas Casas.

Cerco contra armas
Até mesmo o padre Gian Paulo Rangel Ruzzi, de Embu das Artes, cidade na Região Metropolitana de São Paulo, foi vítima de censura das redes sociais. Sua página no Instagram, utilizada para evangelização e comunicação com os fiéis, foi banida.Não sabemos qual foi o motivo, mas acreditamos que tenha sido porque ele postou uma foto com arma, já que é atirador”, disse Grigollette. Para o juiz Gustavo Sauaia Romero Fernando, da Comarca de Embu das Artes,trata-se de óbvio abuso” da plataforma, e, por isso, o magistrado mandou o Facebook devolver a página ao padre.

Também passou por essa situação o delegado, professor e  instrutor de tiro Paulo Bilynskyj, fundador do Projeto Policial, cuja página no Instagram foi banida, mas a Justiça, em segunda instância, determinou à rede social a devolução do perfil ao delegado. “Há uma clara censura a conteúdos que tratem sobre armas de fogo, que é um objeto perfeitamente lícito no Brasil”, afirmou Grigollette.

                    Delegado Paulo Bilynskyj | Foto: Reprodução

Em agosto do ano passado, Grigollette protocolou na Justiça Federal em São Paulo uma ação em nome da Associação Nacional Movimento Pró Armas, com objetivo de impedir que o YouTube censure vídeos que falem sobre armas de fogo. A medida foi motivada por mudanças nos termos de uso da plataforma que, na prática, impedem qualquer menção a armas de fogo. 

Na ação, o advogado argumenta que, como o YouTube exerce o monopólio no setor, é inaceitável que decida “de forma suprema e irrecorrível que tipo de conteúdo pode ou não ser veiculado”, retirando a monetização de vídeos, suspendendo ou banindo os canais que mencionem armas de fogo. Para a associação, o Google está exercendo maciço, amplo e exagerado controle de conteúdo. “Nem mesmo no período mais duro da ditadura militar brasileira se viu tamanho controle da informação”, comparou a entidade, enfatizando que não existe na legislação brasileira nenhuma proibição para tratar do assunto.

Momento conservador
No mês passado, uma decisão representou uma vitória para o canal Momento Conservador, do YouTube, que teve cinco vídeos retirados do ar, com o argumento de que ofendiam as regras internas da plataforma
O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o Google devolvesse os vídeos ao canal e cancelasse todas as penalidades
Nos vídeos censurados, o advogado Paulo Antonio Papini, criador do canal, fala sobre a pandemia de covid, vacinas, tratamento precoce e a situação da Venezuela.

Sem apontar quais trechos dos vídeos seriam contrários às normas da plataforma, o YouTube simplesmente retirou os conteúdos do ar em 2021, quando o canal tinha 19 mil inscritos e 1,8 milhão de visualizações. “Foi uma clara atitude de censura totalmente indevida, por um conteúdo que nada tinha de inverídico ou de discurso de ódio”, resumiu Papini. 

“Mesmo que houvesse discurso de ódio em nossos vídeos mas não há , entendo que não cabe ao YouTube retirar o conteúdo do ar”, defendeu Papini. “Sou favorável ao texto da Primeira Emenda norte-americana, que garante liberdade de expressão total, inclusive o discurso de ódio. Quem se sentir ofendido, adota as providências legais para a reparação.

No episódio do canal Momento Conservador, um desembargador que analisou o caso seguiu essa linha de raciocínio e entendeu que o Google, “por mecanismo questionável, removeu os vídeos em autêntica ação de censura prévia”. Para o juiz de segunda instância, tanto a Constituição quanto a lei federal que instituiu o Marco Civil da Internet proíbem a censura, e, por isso, o Google jamais poderia ter retirado os vídeos do ar, conduta que se configura como “hedionda afronta à liberdade constitucional de expressão e pensamento, o que se mostra inadmissível”.

Censura aos assuntos “proibidos” na pandemia
Com a vitória em segunda instância, o escritório de Papini tem atuado em mais de uma dezena de outros casos contra a censura do Google a vídeos postados no YouTube. Um caso interessante é do médico Marcos Falcão Farias Monte, que tem um canal, criado em 2014, com mais de 270 mil inscritos e quase 14 milhões de visualizações
 Durante a pandemia de covid-19, o profissional da saúde passou a emitir opinião sobre tratamento, vacinas e medidas adotadas pelos governos e recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. O Google, a pretexto de impedir a divulgação de notícias falsas ou desinformação médica, retirou os vídeos do ar e suspendeu o canal.
O médico Marcos Falcão Farias Monte teve seu canal no YouTube 
acusado de publicar notícias falsas | Foto: Divulgação

O Tribunal de Justiça de São Paulo, contudo, mandou restabelecer os vídeos, ao decidir que as opiniões do médico não podem ser censuradas. A doença “ainda possui muitos aspectos controvertidos, carecendo de maiores estudos”, e, por isso mesmo, “o debate deve ser livre, o que, inclusive, pode contribuir com a descoberta de melhores métodos de enfrentamento do mal”, entendeu a juíza, em decisão de março deste ano. 

Papini lembra que inúmeros médicos que se posicionaram a favor do tratamento precoce da covid-19 tiveram as páginas suspensas ou excluídas definitivamente.É impressionante a gente imaginar que o checador do Google e do Facebook tem mais conhecimento em medicina do que um médico”, comentou. “Na verdade, a intenção das empresas é manter o discurso único e impedir opiniões divergentes.”

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 Loriane Comeli, colunista - Revista Oeste


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