O Comitê de Política Monetária do Banco Central, Copom, colocou a “incerteza fiscal” como uma das causas da deterioração do quadro econômico, incluindo aqui a inflação muito elevada. Incerteza fiscal é a expressão neutra para designar bagunça das contas do governo, tanto hoje, com a disparada dos gastos, quanto a expectativa de que a coisa pode piorar.
O Copom disse isso na terça-feira passada, na ata em que explicou por que havia elevado a taxa básica de juros para 12,75% ao ano. Dois dias depois, na quinta, o próprio BC contribuiu para aumentar essa incerteza. A diretoria do banco encaminhou ao Ministério da Economia uma proposta de Medida Provisória que fixava em 22% o reajuste salarial dos seus funcionários – e de mais de 65% para os diretores, inclusive seu presidente, Roberto Campos Neto.
Isso no momento em que o governo Bolsonaro, tenta arranjar um jeito de dar 5% para todo o funcionalismo federal. É lambança porque o presidente havia prometido muito mais, mas só para os policiais, promessa que provocara a ira das demais categorias. O BC, cuja independência foi fixada em lei, passou a ter também uma espécie de autonomia salarial, ou seja, seu funcionalismo segue regras próprias. Assim, disfarçando a medida de reorganização de carreiras, a diretoria achou que não tinha nada demais em pedir os 22%. O reajuste para diretoria estava nessa mesma MP.
Até fazia sentido. Com BC independente e, pois, fora da estrutura do governo federal, o presidente do Banco perdeu a posição de ministro de Estado, e seu salário caiu para a metade. A ideia era simplesmente repor o valor anterior. Mas justo agora, quando uma das causas da incerteza fiscal é justamente a dúvida sobre qual será o gasto com o a folha salarial do governo central?
A ficha caiu. Ou a pressão foi forte. No mesmo dia, a diretoria do BC alegou que a proposta tinha inconsistências técnicas e resolveu retirá-la. O que obviamente enraiveceu os seus funcionários. E deu razão a todas as demais categorias. Podem dizer seus representantes: se o BC, o guardião da estabilidade, acha normal um reajuste de 22%, então liberou geral.
Liberou mesmo. Vejam, por exemplo, o caso do orçamento secreto. O Congresso arranjou nada menos de R$ 36 bilhões para que deputados e senadores destinem dinheiro a prefeituras e governos estaduais comandados por correligionários, sem precisar justificar os gastos, nem revelar o nome de doadores e receptores. A distribuição das verbas está na rubrica “emendas do relator”. O Supremo Tribunal Federal determinou que o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, entregasse planilha identificando todos os gastos. Tudo. Quem pediu a emenda, quem recebeu e para que.
Na semana passada, o STF recebeu o documento. Identificava gastos de R$ 11 bilhões, apenas 30% do total aplicado. E o resto? Bem, sabe como é . . . Trata-se de dinheiro do orçamento federal, a mesmo fonte de onde podem sair recursos para reajuste salarial. De novo: se tem R$ 36 bi para emendas secretas …
É justamente isso que o Copom chamou de incerteza fiscal, para a qual deu uma sensível contribuição. A regra - chamada teto de gastos - , aprovada no governo Temer, diz o seguinte: o gasto federal de um ano deve ser igual ao do ano anterior mais a inflação. Trata-se de conter o gasto público, que tinha uma tendência de alta permanente.
Formalmente, a regra está mantida. Na prática, trata-se de uma enganação. Na votação do orçamento para 2022, o governo propôs e o Congresso topou “tirar do teto” várias despesas. O gasto continua lá, mas é contabilizado fora do teto. Ficou fácil. Mais do que a “incerteza fiscal” citada pelo BC, isso é uma verdadeira farra fiscal. Gera déficit, dívida e inflação.
O problema não é mais o teto. Mas os furos.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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