Análise Política
Há um achado interessante na trajetória da terceira via, essa tentativa
de construir um caminho eleitoral alternativo a Jair Bolsonaro e Luiz
Inácio Lula da Silva: quando nomes saem de cena, as intenções de voto
dos desistentes não necessariamente convergem para os centristas
remanescentes. Acabam indo em sua maior parte para os hoje líderes da
corrida.
Quando apenas um nome é oferecido ao eleitor além de Lula e Bolsonaro,
Ciro chega a roçar os 15%. Os demais tentam encostar nos dois dígitos. É
pouco como patamar de chegada, mas não desprezível para a largada de
uma campanha ao menos digna. O problema é preliminar: a falta de
unidade, em contraste com a coesão da esquerda e do bolsonarismo.
Quando se cruzam as rejeições, a intersecção dos dois sempre oscilou
entre 10% e 20% de rejeição simultânea. Não por coincidência, é a ordem
de grandeza das intenções de voto se há um único terceiro nome na
cartela. Tampouco é coincidência ter sido a ordem de grandeza das
votações de Marina Silva quando se apresentou como solitária terceira
via.
Se Simone Tebet resistir às armadilhas no MDB e conseguir manter o apoio
do PSDB, [e conseguir evitar a postura que exibiu na CPI Covidão, e que a tornou conhecida como 'a descontrolada'] tem a possibilidade de abrir a campanha oficial com números
melhores que os minguados atuais, mesmo estando longe dos líderes. E aí
vai ficar à mercê do imprevisível, esperando que algum dos ponteiros
desmorone e que Ciro seja minado, ou desmontado.
Não chega a ser animador, mas é melhor que nada.
Até lá, Tebet tem pouco menos de sessenta dias para costurar um esboço
de programa. Pois o que nunca se soube da terceira via é o que vai fazer
no governo. Só há a certeza de ser uma turma que não curte nem Lula nem
Bolsonaro. Seria suficiente se os dois não fossem campeões de voto.
Contra dois líderes com base popular consolidada, tem sido insuficiente.
Um flanco programático-eleitoral da terceira via é ela estar de acordo,
essencialmente, com o aspecto do governo Bolsonaro mais problemático
hoje na visão do eleitor: a política econômica liberal e a confiança em
que as forças de mercado vão dar um jeito na inflação. Pois, se o atual
estado de espírito inverter-se até a urna, é mais provável que o próprio
presidente faça a colheita.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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