Volta e meia essa pergunta se apresenta à minha mente quando escolho
certos assuntos... É incerto o espaço de liberdade de que dispomos. Há
autoridades que não convém contrariar. Elas estão convencidas de que,
assim, protegem o Brasil de autoridades que não convém contrariar.
1. A sociedade e a confiança nas urnas eletrônicas como elas são hoje.
Tenho diante
dos olhos a pesquisa Datafolha, conforme publicada pelo site G1 (27/05) a
respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas. O resultado da
pesquisa, apresentada sob o título “73% dos brasileiros confiam na urna
eletrônica”, é arrasador: 42% confiam muito, 31% confiam pouco, 24% não
confiam e 2% não sabem.
A malandragem da informação está em relação ao
lado para onde é contado o termo médio. Pelo viés oposto ao adotado, a
manchete seria “55% dos brasileiros não confiam na urna eletrônica!”.
Confiar pouco
na urna eletrônica é não confiar; confiar pouco na fidelidade da esposa
é não confiar;
confiar pouco em determinada empresa é caminho para o
encerramento de suas atividades;
confiar pouco num senador é certeza de
voto em seu adversário;
confiar pouco na urna eletrônica é sinal de
pouca confiança.
Então, eu
redigiria assim o título da matéria sobre a referida pesquisa
(Datafolha, note-se bem): “Apenas 41% dos eleitores brasileiros confiam
na urna eletrônica tanto quanto os ministros do STF”.
Ainda que
desconhecêssemos o significado real do termo médio, é importante
observar que os 24% que confiam nadinha nos aparelhos atuais,
representam 36 milhões de eleitores que irão às urnas.
Devido a esse
sentimento, diferente do que o STF expressa, sucessivas legislaturas
têm aprovado projetos de urnas com impressoras que o STF derruba, direta
ou indiretamente (como Roberto Barroso fez no ano passado).
2. Voto é coisa que se conta.
Nelson
Rodrigues diria que a frase acima é o “óbvio ululante”. Ela foi
reiterada ontem pelo presidente ao afirmar a uma repórter que o
contestara dizendo não haver prova de fraude nas eleições nacionais:
“Não se pode provar o que não se pode auditar”, ou seja, não se pode
contar.
A auditoria em determinado percentual de urnas aleatoriamente
escolhidas seria suficiente para mudar por inteiro a confiabilidade do
processo de apuração e apaziguar o ambiente institucional do país.
3. O que não falta nesse tema são agravantes.
Ao contrário
do que o bom senso recomenda na voz das ruas e das praças, a insegurança
em relação aos processos de nossa democracia se agrava com a imposição
de silêncio sobre o tema.
Se agrava com a ativa instrumentalização do
inquérito das fake news.
Se agrava com a conduta antagônica de pelo
menos nove ministros do STF que não ocultam seu desejo de ver pelas
costas o presidente da República.
Se agrava, por fim, quando a condução
do processo eleitoral é confiada ao mais iracundo ministro,
indisfarçável inimigo pessoal do presidente.
4. Tudo que começa errado desencadeia erros em cascata.
É o caso.
Todas as tentativas de estabilizar o que foi sendo teimosamente
desestabilizado não fizeram mais do que ampliar a incerteza, a
insegurança e a instabilidade.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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