Nessa importante obra, sociólogo e politólogo que era, Faoro demonstrou quem, sobre tudo e todos, em qualquer circunstância, detinha as rédeas do poder nacional.
Tenho certeza de que ele não seria ufanista como são os autores da carta nas reverências à nossa democracia.
Nem concordaria com o que vem acontecendo com a liberdade em nosso país.
Tenho certeza de que ele, vivo fosse, conheceria os principais nomes subscritores da carta e muito provavelmente, como eu, afirmasse que sintetizam sua obra.
Pensem comigo. A lista dos primeiros signatários cabe inteira no topo da pirâmide de renda do país.
Ali estão nossos tradicionais e novos banqueiros e alguns empresários de peso.
Ali está, a postos, a coesa militância de nossas universidades, nas quais, refugando o ânimo que lhes é essencial, toda diversidade e pluralidade são bem vindas, exceto as de opinião e expressão.
Ali está uma consistente representação das carreiras de Estado e da enraizada burocracia nacional.
Ali estão os porta-vozes habituais do mundo artístico, sempre solidários com os companheiros e lacrimosos com a perda de suas fatias no bolo fiscal.
Independentemente do que aconteça nas ondas revoltas onde braceja a escumalha plebeia, todos surfam nas pranchas do poder. Por isso, sua “Carta aos brasileiros e brasileiras em defesa do Estado democrático de Direito” é típica dessas parcelas da elite brasileira.
Burocratas, não os li enquanto a nação era roubada. Acadêmicos, nada disseram enquanto a educação despencava em mãos inábeis.
Intelectuais, nada escreveram quando a censura iniciou seu nefasto trabalho.
Juristas e cientistas políticos contemplaram inertes o ativismo e o consequencialismo diluirem a Constituição no coquetel das supremas vontades; calaram-se quando nossos congressistas legislaram em benefício próprio e desfiguraram a democracia, transformando os partidos em tesourarias e tornando assimétricas as disputas eleitorais.
Os donos do poder sentem-se donos da eleição. Pareceu-lhes sempre normal, então, que o povo não fosse ouvido, afinal, surfam sobre suas angústias cotidianas.
Fizeram-se surdos à voz das ruas que, ao longo de anos clamam por transparência no sistema eleitoral.
Para eles, nada há de novo no front nacional quando temos censura, presos políticos e cidadãos exilados, conluios e estratégias entre o Senado e o Supremo.
Aos donos do poder, se banqueiros, é intolerável, terem que atender a milhões de brasileiros de mãos grossas, encardidas e a essas brasileiras de fisionomia sofrida que ganharam a cidadania da conta bancária e do pix.
É inadmissível, se “empresários”, ver os bilhões de reais que antes lhes chegavam quase de graça sendo usados para amenizar dificuldades de motoristas e saciar a magra fome do prato de comida dos setores mais carentes da população. Se artistas e famosos, desses que “lacram” nos palcos, há que pisotear na bandeira do Brasil se o Estado não mais custeia suas turnês.
Vejo que colhem adesões a essa carta. Mais do que as palavras vazias e a retórica chinfrim do texto, gritam os nomes dos signatários. De algum lugar, as aves de rapina espreitam a cena e a oportunidade de voltar à presa.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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